Cultura em Kaoos: Acordes dissonantes parte 1

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Por Mariana Kaoos

Prólogo: Cultura em Kaoos é o nome do mais novo projeto caótico e cultural de Vitória da Conquista. A proposta é de, todas as quartas-feiras, convidar artistas locais para um bate papo sobre os mais diversos eixos temáticos. Ontem aconteceu a primeira edição, no Café Society, e a pauta da noite foi sobre o rock. A ideia é de que daqui a algum tempo, o público possa presenciar e participar do Cultura em Kaoos.

Foto: Maiêeh Sousa
Foto: Maiêeh Sousa

Era menina. Achava-se mulher, dotada de maturidade e conhecimento de mundo, mas ainda era uma menina. Uma menina que, embora não gostasse, possuía uma rotina todas as manhãs. Acordava às seis, dormia de novo. Despertava às seis e meia e arrastava-se até o banheiro para tomar banho. Aí ficava mais de meia hora na água quente, que contrastava com o frio lá de fora. Depois voltava para o seu quarto e ligava o som. O som também fazia parte da sua rotina matinal. Era sempre a mesma banda (Led Zepellin) e sempre o mesmo disco (o álbum de 1969, o primeiro do grupo). A faixa de número quatro, intitulada Dazed and Confused, era escutada freneticamente, no repeat, até a menina acabar de se arrumar. E, apesar de toda a sua lerdeza, em algum momento ela ficava pronta. Aí saia de casa, pegava um ônibus, descia no bairro Recreio, passava na casa de seu melhor amigo na época, sentava no bar do Diva, tomava um café preto adocicado, fumava um cigarro e entrava para a escola. E depois que entrava na escola, até às 9:35h a menina ficava imersa no seu mundo, com os solos da guitarra de Jimmy Page ecoando em sua mente.

Foto: Maiêeh Sousa
Foto: Maiêeh Sousa

Isso tudo realmente aconteceu no ano de 2007 e sou eu a menina em questão. Foi também nessa época que conheci Lucas Sampaio. Éramos da mesma sala e tínhamos uma relação bacana um com o outro. Na verdade eu e Lucas possuíamos algumas coisas em comum como o fato de termos passado nossa infância numa cidade do interior baiano chamada Ibicaraí e das nossas famílias serem rivais dentro do cenário político, brigando pelo poder local. De qualquer maneira isso nunca nos afetou, tampouco causou desconforto entre nós. Nesse ano de 2007, Lucas era um menino magricela, extremamente engraçado e pirracento. Tinha posicionamentos fortes e era extremamente inteligente. Gostava muito de música popular brasileira. Lembro que chegamos a conversar algumas vezes sobre isso. Ele também ouvia outros gêneros musicais como o rock’n’roll (e aqui é importante ressaltar que o primeiro disco de rock que comprou na vida foi do Creed), mas ainda não rondava sua cabeça a pretensão de, algum dia, ter uma banda e ser cantor.

Foto: Maiêeh Sousa
Foto: Maiêeh Sousa

Mais adiante no tempo, agora já na universidade, a menina havia crescido e até amadurecido um pouquinho, mas ainda assim continuava menina. Só que dessa vez era uma menina apaixonada. Menina apaixonada que havia cometido uma grande burrada de amor e precisava se redimir. Então, a menina colou cartazes com frases de algumas canções de rock e bossa nova por toda a universidade e também comprou um baralho e escreveu cento e vinte motivos para ela e a pessoa amada estarem juntas. Por fim, não contente, a menina pensou numa serenata. Mas ela não sabia cantar. Tampouco tocar violão. Foi aí que ela lembrou-se de um menino que estava começando a se apresentar na cidade com uma banda chamada Los Froxos. A banda era uma mistura antropofágica de rock com brega e o vocalista, Pedro Ivo, cantava e tocava muito bem. Ela pediu a Pedro, aliás, ela praticamente obrigou Pedro a fazer a tal serenata. E aí, num dia de sol (mais especificamente no dia em que Chorão, vocalista do Charlie Brown Junior, tinha desencarnado) ele fez a serenata. A música escolhida pela menina era  Eu Não Presto Mas Eu Te Amo, de Reginaldo Rossi, só que numa versão bem rock’n’roll.

A menina que eu era conseguiu reatar a paixão secreta graças a serenata de Pedro Ivo e passou, desde então, a nutrir admiração por ele. O público comprou a ideia e a Los Froxos tinha explodido no cenário alternativo da cidade. A proposta do grupo era extremamente inteligente e necessária. Por muito tempo, quer dizer, até hoje, a música brega é considerada como algo vulgar, ruim, sem nenhum valor cultural e tida como um gênero para ser consumido pelas classes mais baixas, economicamente falando. Quando Pedro e os meninos da Los Froxos trouxeram essas canções para a noite conquistense, esse estilo musical passou a ser consumido por jovens de classe média que, consequentemente, acabaram mudando um pouco a sua concepção do valor da música brega.

A serenata e a Los Froxos ocorreram em 2013. Dois anos depois, a menina finalmente começou a se tornar mulher. E, nessa atual condição, é agora que posso falar de mim mesma em primeira pessoa. Pouco antes do Festival de Inverno conheci um menino lindo (e talentosíssimo) chamado Igor Barros e nos encantamos um pelo outro e passávamos noite adentro conversando dos mais diversos assuntos. Dentre eles, as pessoas que nos são queridas e por nós admiradas. E aí Igor sempre me falava “poxa, eu quero te apresentar uma amiga minha, o nome dela é Thainan”, ou então “Mari, você precisa conhecer Thainan, ela é muito inteligente, você vai se apaixonar por ela” e eu nunca dava muita atenção. Cheguei a conhecê-la no Festival de Inverno, mas isso, em mim, foi um acontecimento irrelevante. Acredito que para ela também.

E aí algumas semanas se passaram e, por algum motivo do destino, eu fui cobrir uma noite de quarta-feira, no Café Society. E quem iria cantar no dia seria justamente Thainan, acompanhada de Lavus, músico e integrante da banda Distintivo Blue. Não acompanhava o trabalho deles e confesso que não esperava muita coisa, ainda mais por ser um estilo rock country e pop rock, gêneros musicais que não conheço quase nada. No entanto, quando Thainan subiu ao palco e a sua voz ecoou por todo o Café, eu prontamente me lembrei de Igor e pensei, “eu realmente preciso e quero conhecer Thainan”.

Pensei assim porque a voz dela é linda e ela tem gestos minimalistas em palco e isso é de uma elegância sem tamanho. Apesar de pouco tempo se apresentando como cantora, Thainan é segura em palco. Nem parece que um dia foi uma garotinha, do povoado de Lagoa do Timóteo, que ouvia Linkin Park e Nirvana e, junto com as amigas, era a metidinha e roqueira da escola.

Por nenhum instante, em 2007, 2013 ou até mesmo no mês passado, eu imaginei que, em algum momento da minha existência, o meu caminho iria se conectar ao de Lucas, Pedro e Thainan e que, a partir disso, iriamos nos interligar de alguma forma. Na noite de ontem, 28, estávamos os quatro juntos. Estávamos os quatro juntos no Café Society para conversar sobre rock. A proposta seria de duas horas de conversa livre, mas que não fugisse da temática. E aí poderia ser numa perspectiva de debate sociológico, ideológico, musical, comportamental, o que fosse para surgir.

E é engraçado como, ainda que o rock não seja o estilo musical preferido do mundo inteiro, ele marca gerações e, de alguma forma, perpassa pela vida de todas as pessoas. Ontem diversas lembranças, traumas, posicionamentos e percepções acerca do rock’n’roll surgiram, bem como os novos projetos da Dost (banda de Lucas), da Handevul (banda de Pedro) e de Thainan. Certamente que apenas uma reportagem seria insuficiente para o material riquíssimo gerado na noite de ontem e, sendo assim, optei por dividi-lo em uma série de pequenas matérias. Então acompanhem, fiquem ligados, que em breve sai mais novidades e o rock’n’roll está em Kaoos!



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