Tome Nota: os 462 anos de São Paulo

prates bonfim

Por Mariana Kaoos

São Paulo é longe, vou pegar um ônibus pra te encontrar:

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O ano era o de 2012 e o mês de junho. Fim de outono. Expectativas para o São João. Tudo ia bem e normal quando, num dia como outro qualquer, meu pai me ligou e me disse: “Quer vir para a Parada Gay aqui em São Paulo?”. Quase não acreditei no convite, mas prontamente aceitei. Foi a primeira, e única, vez que fui em Sampa. Encarei um trajeto de quase vinte e quatro horas dentro de um ônibus. Fui ouvindo música daqui até lá.

Lembro-me que, de toda a playlist que tinha montado, eu escutava de maneira incessante uma música de Caetano intitulada Nu Com a Minha Música que trazia, num tom nostálgico e melancólico, a seguinte estrofe: “Quando eu cantar pra turma de Araçatuba verei você. Já em Barretos eu só via os operários do ABC. Quando chegar em Americana não sei o que vai ser. As vezes é solitário viver”. Foi com essa canção, inclusive, que entrei no território de São Paulo e comecei a observar sua vegetação, suas cores, seu cheiro enaltecidos por outro trecho da mesma canção que diz: “O estado de São Paulo é bonito, penso em você e eu. Cheio dessa esperança que Deus deu”.  Diante de meus olhos se descortinava as surpresas do novo. O encanto, a magia, a ansiedade.

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Passadas as quase 24 horas de viagem, cheguei à rodoviária, cansada e feliz. Meu pai já me esperava por lá. Pegamos o metrô linha 743 (rs) e fomos em direção a Péerdizes, bairro em que ficaríamos hospedados. Me recordo como se fosse hoje que um dos primeiros pensamentos que tive em relação à cidade é que a mídia vende uma imagem muito errada dela. Pelo menos em partes. São Paulo não é um caos completo como, até então, eu imaginava que fosse. Ela é arborizada e bonita.

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Em 2012 o preço de uma passagem de metrô não custava um alto valor e, através dele, era possível atravessar a cidade em menos de quarenta minutos. E os bairros, bom, pelo menos onde fiquei, as pessoas se conheciam e se cumprimentavam com uma certa dose de afeto. Havia um pequeno restaurante que servia pratos comerciais a quinze reais e também uma padaria que tinha de tudo para o café da manhã. Seu dono, que ficava zanzando por lá, parecia ser bem popular entre os fregueses.

Nesse mesmo dia, após algumas horas de descanso, fui à Avenida Paulista conferir de perto a 16ª edição da Parada do Orgulho de Ser LGBT da cidade. Tudo era cor. Tudo era permitido. Poderia narrar aqui um pouco de como foi a minha experiência, junto ao meu pai, nesse dia, mas outras coisas em relação a São Paulo me marcaram mais que isso. Acredito que elas sim, valham a pena serem enumeradas. Considerando que a minha visão acerca da cidade é parcial e provém de uma perspectiva de visitante e não de moradora, todas as minhas afirmações são extremamente pessoais e podem ser refutadas:

– As pessoas em São Paulo não jogam lixo nas ruas. A cidade é limpa e comporta muitíssimas lixeiras nos espaços públicos.

– Outro ponto que me chamou a atenção foi que lá todo mundo fuma. É impressionante o consumo frenético de cigarro por lá. Ao contrário daqui da Bahia, principalmente de Vitória da Conquista, observei pouquíssimas pessoas jogando as bitucas no chão. A maioria dos fumantes apagava o cigarro e procuravam a lixeira mais próxima.

– A Avenida Paulista é onde todo mundo se encontra. Principalmente nas escadarias do prédio da Gazeta. Jovens em sua maioria, solitários ou em grupos, sentam-se lá e ficam com o olhar perdido para a imensidão da avenida.

– O bairro da Consolação tem umas igrejas lindíssimas, principalmente a Paróquia Nossa Senhora da Consolação. Vale a pena visitar.

– “Adalgisa mandou dizer que a Bahia tá viva ainda lá”. O intercambio de baianos e nordestinos com São Paulo é algo muito forte. Diversas famílias se sentem representadas nessa relação.

– Nada aconteceu no meu coração quando cruzei a Ipiranga com a Avenida São João. Por outro lado, me emocionei como poucas vezes na vida quando entrei na Estação da Luz. Sem sombra de dúvidas, é o lugar mais forte e intenso e belo e profundo de SP.

– O Museu da Língua Portuguesa é nosso e precisamos restaurá-lo e cuidar dele com muito amor. Ele diz respeito à nossa língua, à nossa formação enquanto povo pertencente a esse Pindorama que chamamos de Brasil. Compreender a nossa língua, é compreender a nossa constituição existencial.

– A arquitetura do espaço físico do Museu da Língua Portuguesa é belíssima. Vale a pena conferir o lugar só por conta dela.

– O centro da cidade de São Paulo é a parte mais charmosa dela. Seus prédios antigos que guardam as mais diversas histórias, suas lojas, seus transeuntes. Lá é possível observas as pessoas com mais cara de povo.

– Como contradição, é no centro que a miséria é de fácil acesso para quem observa. Ela está na expressão de algum morador de rua, nas mãos dos meninos pedintes no transito e nos olhos dos dependentes químicos.

– A Galeria do Rock é um universo de desejo e consumo. Suas lojas são fantásticas e pode-se achar de tudo. Mas tudo mesmo. Para quem curte boinas, camisas de banda, tatuagens, piercings e um estilo mais hipster de se vestir, cuidado, lá é a nossa Meca.

– As opções culturais em São Paulo são infinitas e se encaixam em todos os preços. Lá não existe a desculpa de falta do que fazer. A cidade respira cultura, inclusive onde menos de espera. Andando de uma estação de metrô para outra, percebi que algumas delas, além de grafittis e fotografias, comportam trechos de poemas em seus muros.

– São Paulo sempre foi uma cidade que comporta diversos artistas nas mais distintas vertentes culturais. Contudo, ao andar pela cidade, consegui sentir muito bem sentido, as palavras de Oswald de Andrade e o concretismo de Augusto de Campos. Acredito que mais ninguém conseguiu traduzir São Paulo como eles dois.

E, pegando o fio poético da coisa, dedico o Tome Nota de hoje ao aniversário de São Paulo, cidade que é mistério e possibilidade dentro de mim. Na tentativa de traduzir todo o meu sentimento e percepção acerca daquele lugar, me aposso de um poema que, para mim, é um dos mais belos da nossa língua portuguesa:

Minha terra tem palmares

Onde gorjeia o mar

Os passarinhos daqui

Não cantam como os de lá

 

Minha terra tem mais rosas

E quase que mais amores

Minha terra tem mais ouro

Minha terra tem mais terra

 

Ouro terra amor e rosas

Eu quero tudo de lá

Não permita Deus que eu morra

Sem que volte para lá

 

Não permita Deus que eu morra

Sem que volte pra São Paulo

Sem que veja a Rua 15

E o progresso de São Paulo

 

Canto de Regresso à Pátria – Oswald de Andrade



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