Sétima Arte em Destaque: Philomena – Filme indicado ao Oscar

Por Gabriel José – Estudante de Cinema da Uesb

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Não espere do diretor Stephen Frears uma estética inovadora ou filmes visualmente impactantes: sua passagem por superproduções Hollywood produziu catástrofes como  Herói por Acidente , ou o fraco, bobo Alta Fidelidade . Com a carreira a perigo, voltou para sua Inglaterra natal e vem fazendo filmes menores, escancaradamente televisivos, com resultados variados, mas com um acerto: A Rainha (The Queen, 2006). A fórmula é clara: foco na direção de atores, quase nenhuma firula de câmera, diálogos escritos por excelentes roteiristas e tramas que poderiam estar em qualquer novela brasileira.

Philomena (Idem, 2013), seu mais recente filme – e entre os melhores de sua carreira -, conta a história de uma mulher que teve de dar o filho em adoção na década de  1960, quando a Irlanda ainda sofria com o obscurantismo da Igreja Católica. Adolescente grávida, enviada pelos pais a uma instituição religiosa que mais parecia uma masmorra da Idade Média, com freiras que deixavam as meninas sofrerem de propósito durante o parto, algumas delas até a morte, Philomena teve de trabalhar 4 anos na lavanderia do lugar para pagar os custos do nascimento do filho – tudo isso para no final vê-lo sendo levado por um casal de americanos. Apelativo? Sentimental? Popularesco?

O filme tem algumas derrapadas populistas, com inúmeras piadas tolas e cenas gratuitas, Frears quis fazer um filme anti-clerical e exagerou. É a esquerda europeia no comando, aquela com uma certa nostalgia socialista, forçando o filme a um sem número de concessões populistas que enfraquecem sua estrutura. Mas há vantagens: inteligência e o bom gosto estão presentes, como o caráter humano. Frears não larga sua personagem e quando a ambivalência entra em cena, quando os maniqueísmos ficam de lado, o filme voa, sim, alto.

O filme foi escrito, interpretado e produzido pelo comediante Steve Coogan (prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes), que faz um jornalista ressentido por ter perdido o emprego. Cínico, por vezes,  só aceita escrever essa história de “interesse humano” por estava desempregado e deprimido .

Para preservar os leitores de spoilers, não vou  revelar a trama (uma pena, tantas discussões interessantes), mas saibam que o filme é muito mais as intervenções do jornalista cínico e desiludido com a enfermeira piedosa e sofrida do que a tal busca pelo filho perdido da trama. Dame Judi Dench, em seu segundo filme com Frears, está inesquecível,  realmente tocante. O interessante é que jornalista (no caso, o ator, roteirista, produtor) e o diretor parecem andar juntos em contraponto à velha senhora católica. Vão descobrir que a senhora também tinha outros interesses. Surpresa? Nenhuma.

No fim, a impressão que fica: um filme sentimental para pessoas naão sentimentais. Philomena é sofisticado e inteligente o suficiente para se deixar levar pelo mau gosto. É o mais próximo que podemos chegar de um folhetim televisivo sem chafurdar na grosseria e apelação. É Stephen Frears no seu melhor, ou seja, Ligações Perigosas , clássico literário que ele dirigiu como um folhetim. Ao iluminar sua personagem principal, abrindo mão da narrativa digamos policial da trama (Hitchcock fazia o mesmo) para deixar mais espaço a Judi Dench brilhar da metade em diante do filme, some a discurseira contra a religião, homofobia, cultura pop, e entra silêncios, dúvidas e reflexões.

Philomena indaga às pessoas que conheceram seu o filho se um dia ele falou da sua pátria de origem, a Irlanda, e de sua família. Envergonhada e insegura, tinha medo da resposta, tipo acusações de que ela teria “abandonado” o filho, o que não era verdade. No fundo, ela queria era dizer a todos que ele lhe foi tirado dela à força. Pode parecer cafona, brega e gratuito, mas esse cinema simples, de qualidade, feito de inteligência  e bons atores, diretor sensível e acessível, sumiu do mapa e está cada vez mais difícil de se encontrar. A fórmula migrou definitivamente para a TV. É um caso raro, portanto. Mas na TV, o impacto talvez seria menor, perdido nas intermináveis durações das séries, nem suas firmes convicções esquerdistas se adaptariam ao imediatismo das mídias sociais e sua perpétua indignação.  Personagens como Phimonena precisam de seu próprio tempo, porque suas inflexões são muito sutis; por isso, são ainda melhores de se ver na velha sala escura de um cinema.



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