Opinião: Angelina Jolie é uma heroína mais forte e autêntica do que os personagens que já interpretou

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Por Luiz Frederico Rêgo

“Eu não consigo esquecer dessa notícia porque, além de marcante, havia todo um componente pessoal: eu a li na tela de meu smartphone, ao lado de minha mãe, enquanto esta esperava para ser atendida por sua oncologista”
“Eu não consigo esquecer dessa notícia porque, além de marcante, havia todo um componente pessoal: eu a li na tela de meu smartphone, ao lado de minha mãe, enquanto esta esperava para ser atendida por sua oncologista”.

Era maio de 2013, na semana seguinte ao dia das mães, quando li a notícia de que a atriz Angelina Jolie havia decidido por uma mastectomia radical como forma de prevenir o câncer de mama, mesmo não tendo sido diagnosticada com a doença, tomando de sua parte uma medida preventiva. Eu não consigo me esquecer dessa data porque, além de marcante um fato como esse – a envolver uma das maiores celebridades da atualidade e possivelmente uma mulher tida como a mais bela entre as mais belas de Hollywood – havia também todo um componente pessoal que tornava mais impactante essa notícia: eu a li na tela de meu smartphone, na sala de espera da CLION, em Salvador, ao lado de minha mãe, que esperava para ser atendida por sua oncologista. Uma semana antes, minha mãe estava internada na UTI do IBR em Vitória da Conquista e, naquele momento, tão logo havia tido alta médica, já se encaminhava para dar continuidade ao tratamento.

Era difícil, naquela situação que eu vivia, deixar de ler e dar a notícia à minha mãe, que logo em seguida, já fora da clínica, prestava atenção naquele dia ao noticiário da televisão que repetia o ocorrido. Na tela do smartphone – eu acompanhava o Twitter e, ao ver a notícia cliquei no link que direcionou pra matéria de algum portal de notícias – li que a atriz e diretora tomou a decisão de revelar ao mundo, através de um artigo de sua própria lavra no The New York Times, os motivos de decisão tão drástica.

No artigo de próprio punho, Angelina iniciou dizendo que sua mãe havia lutado contra o câncer por quase uma década e morreu aos 56 anos (minha mãe também lutou por 8 anos e, mesmo vivendo até os 63 anos, foi-se embora cedo, como ocorreu com a mãe de Angelina Jolie). Ver a mãe ter partido ainda com tanta vida pela frente impactou a atriz, que temia que seus filhos passassem por algo tão desagradável como o ocorrido com ela. E, sabendo Angelina que suas chances de ter um câncer de mama era de 87% e as de câncer de ovário de 50%, resolveu, como ela mesmo definiu à época, ser “pró-ativa” e minimizar ao máximo esse risco: fez uma dupla mastectomiaradical, de forma preventiva.

Por um curto tempo, manteve em sigilo os procedimentos cirúrgicos. Quando resolveu escrever no New York Times, Angelina Jolie o fez porque esperava que outras mulheres se beneficiassem da experiência dela. Embora seja custoso, a ciência dispunha de mecanismos para descobrir em exames de sangue à susceptibilidade de câncer de mama e de ovário e, de posse destas informações, a mulher poder tomar a melhor medida, ter segurança para agir.

Quem chega à esta altura do que tenho escrito até aqui, já deve ter percebido que é até desnecessário eu registrar que achei o gesto de Angelina Jolie louvável. Aliás, digno e louvável. Ou melhor: Corajoso, digno e louvável. Reforço isso porque, causou-me espanto as reações após esta atitude dela. Quem quiser ter uma noção de como é o Inferno, é só frequentar a área destinada a comentários nos portais de notícias. Ou não precisa ir longe: algumas postagens do Facebook são exímias em espalhar ódio, ignomínias e imbecilidades de um modo geral.

A internet, este terreno onde todo mundo é especialista em tudo e dá-se palpite em tudo, fez surgir, ato contínuo à revelação da esposa do Brad Pitt, uma quantidade até antes inimaginável de mastologistas, oncologistas, médicos e esteticistas de um modo geral. Por mais que parecesse absurdo, não foram poucos – a grande massa ignara que se traveste em senso comum – os que condenaram a atriz pela decisão que tomou. “Não precisava tanto”, “muito grave, muito radical”, “o que ela fez é mutilação”, “vai incentivar milhares de mulheres no mundo a se auto-mutilarem, sem necessidade”, e daí por diante. Até mesmo entrevistas com “especialistas” que diziam ter alternativas outras e que “cirurgia não era a única opção”.

Ora, que fosse. Que se tivessem dezenas de alternativas à disposição. Angelina Jolie escolheu a que lhe pareceu melhor. Que merda de mundo é esse que vivemos onde as pessoas se julgam no direito de dizer o que os outros devem fazer com seus próprios corpos, ainda mais numa situação dessas? Como a própria Angelina Jolie havia escrito, “câncer ainda é uma palavra que golpeia o medo nos corações das pessoas, produzindo um profundo sentimento de impotência”. Como julgar alguém que está diante de uma decisão dessas – nada agradável, por sinal – daquilo que ela escolheu fazer?

Pra qualquer mulher uma mastectomia é algo terrível. Evidente que mexe com a pessoa, muito mais do que no físico até, a dimensão vai além do que pode ser visto. É cruel que mulheres, voluntariamente ou não, se submetama isso, mas por mais terrível que seja, é preferível à manutenção das aparências, das vaidades. Um par de seios femininos está entre as mais belas criações da natureza – e eu gosto, tanto que a primeira mulher que vi na vida, já fui logo agarrando nos peitos e não quis desgrudar, e mamei em cada parto que teve aqui em casa – mas não é mais bonito, nem mais importante do que escolher viver por mais tempo e sem eles. Ou, se preferir, pra não dizer que não falei da minha condição de macho, viver sem um pênis deve ser terrível, inimaginável até, mas certamente ganha de outra opção: morrer cedo e ostentando a virilidade do órgão.

Eu escrevo isso porquevi a notícia que hoje Angelina Jolie anunciou ter feito outra cirurgia, dessa vez pra retirar os ovários e as trompas de Falópio. Só me entristece o fato de que os fiscais das decisões clínicas alheias não tenham desistido de expor ao mundo seus tristes comentários. Quase dois anos se passaram desde a primeira cirurgia da atriz e a imbecilidade humana parece não ter encontrado limites. Talvez ler qualquer um desses julgamentos seja mais difícil para Angelina Jolie do que lidar com as consequências das duas cirurgias que fez. Por isso penso que a artista que despontou para a fama ao interpretar Lara Croft, a protagonista do videogame TombRaider, é uma heroína mais forte e mais autêntica do que qualquer papel que já tenha interpretado ou venha a interpretar.

Vida longa a Angelina Jolie!



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