Por uma poética humanizante

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Texto de apresentação do livro “Casa de Espelhos” de André Guerra por ocasião do lançamento na Academia Conquistense

*Por José Mozart Tanajura Júnior

10173442_1467899313441799_294256584_nA Academia Conquistense de Letras encontra-se em festa pelo lançamento do livro do jovem escritor André Guerra. O poeta nascido em Salvador, reside em Vitória da Conquista desde 2012. Graduado em Letras pela UFBA e mestrando em Memória, Linguagem e Sociedade pela UESB, foi o vencedor do concurso literário Zélia Saldanha promovido pela UESB com a obra Casa de Espelhos. Foi vencedor ainda de outro concurso poético com o poema Metonímico, tendo inclusive poemas seus publicados na coletânea Sangue Novo: 21 poemas baianos do século XXI. Sua obra poética Casa de Espelhos, publicada pela Edições UESB, revela-nos um poeta sensível à sua cotidianidade em seu mundo circundante. A linguagem de André Guerra delineia-se no que chamamos em filosofia de desvelamento do ser. Neste caso, há um desvelamento do ser poeta, tendo em vista a reconstrução de uma realidade fundada na arte literária.

O livro divide-se em 4 partes: Poemas Crônicos, Casa de Espelhos, Das Coisas que Vejo, Mergulho. Os versos que traduzem a grandeza do poeta levam nossa alma a percorrer as searas das letras. A poesia de Guerra é poética de quem se preocupa em trazer para o poema a condição existencial humana no mundo, a exemplo de tantos escritores que se preocuparam em fazer o desvelamento de realidades circunscritas no âmago do ser humano.

Casa de Espelhos nos insere na beleza da escrita literária, em que o ser da pessoa humana está voltado para a busca de um sentido que lhe possibilite compreender as suas dimensões ontológicas de existencialidade e historicidade em constante diálogo.  Por isso, escreve Guerra em poema Crônico 9: “pelo mundo / Fotos amarelas e sorrisos pálidos/ As mãos não se apertam./Quase temos. Quase somos.(…)/ Hoje eu vi (pela primeira vez)/ Uma flor de cacto/ E ela é linda.”

A simplicidade de uma flor é suficiente para desencadear-se dos versos a esperança de um novo modo de encarar a existencialidade humana marcada pela vida tão burocraticamente vivida neste século. Mas a descrição do poeta não nos diz que é uma flor qualquer. É uma flor de cacto! A resistência do cacto em meio ao clima hostil é metáfora que nos transcende para uma esperança de um novo amanhã em que flores desabrochem, anunciando a possibilidade insigne de descoberta do sentido da existência humana. Mas o poeta não trata de uma flor de cacto qualquer! É uma flor de cacto, sim. Mas uma flor de cacto, linda! Linda como a vida em sua mais frágil forma de ser. Linda como a poesia dos grandes poetas que inovam e recriam um novo mundo a sua volta em seus versos, onde reinam esperança e sonhos.

 

“Em que espelho ficou perdida a minha face?” O autor começa a segunda parte de seu livro com uma indagação de Cecília de Meireles. Uma indagação filosófica que nos remete a uma forma reflexiva de visualizar o interior humano frente ao outro. A relação de alteridade se dá necessariamente a partir da face do outro. Olhar-se no espelho é olhar não somente a si mesmo, mas o outro que nos aguarda no encontro e no convívio social. Quando saímos de casa antes costumamos nos olhar no espelho, medindo-nos a partir do olhar do outro que nos espera. Olhar-se no espelho é adentrar no mundo fascinante de uma casa que revela nosso próprio ser, uma casa de espelhos, frágil e visível a todos. Por isso, o poeta diz: “ A verdade absurda da casa de espelhos/ multiplica sussurros em verso e reverso/ (…) A verdade no espelho reflete o inverso/ a verdade no verso é uma casa de espelhos”. É a aletheia, como diziam os gregos a respeito da verdade, que se descortina aos olhos humanos e reflete nossas ações como que um olhar lançado furtivamente ao espelho.

O sonho do poeta se torna encarnado quando a palavra tem anseio por ser… Ser na mais alta expressão de um silêncio vocabular que encanta o universo: “Eu queria ser uma palavra/ que se vestisse em roupa nova/ para ir a uma antiga festa… Eu queria ser uma palavra intensa …”

As coisas corriqueiras da vida humana são vislumbradas pelo apelo de uma porta aberta, qual oportunidade que emerge em meio às utopias. Guerra, em seus suaves versos “Das coisas que vejo”, retrata, ou melhor, confessa à sua própria alma poética que o encanto é combustível para si mesmo: “ A porta estava lá/ Sempre esteve no caminho/ Todo dia passava e batia/ sem resposta. Sem esperança/ um dia a porta estava aberta/ não entrei nem mesmo olhei/ para não quebrar o encanto.”

O filósofo amante da poesia, Heidegger, já expressava em sua obra A Caminho da Linguagem que o ser habita na linguagem, e na linguagem poética! A linguagem fala e a poesia é a linguagem mais autêntica de revelação do ser. É nesse ritmo que, em suas belas palavras, depreendemos da Casa da Palavra: “A palavra é cortina/ e faca e lente e bálsamo. A palavra dita. Na palavra mora o homem/ com seus gritos e véus.”

“Mergulho”, quarta e última parte do livro, nos presenteia brilhantemente com a poesia “Solidão” na qual o autor mergulha com profundidade de sentimentos no misterioso âmago humano que não se sente uma ilha alguma e, mesmo embriagado pelo destino de se estar a sós, reclama uma alteridade em noite ardente de imensa insanidade da vida: “Os matizes da noite/ trouxeram seus novelos:/ nuvens de chumbo e óleo quente/ sobre os rios nos quais entrei/ olho agora em frente/ o perfume do destino me embriaga/ a vida arde na noite/ essa imensa insanidade.”

E o amor? Ah! Esse dom da existência humana não poderia ficar de fora da poética de André Guerra. O amor é sem medida, usando uma expressão de um escritor cristão da Idade Média: “ A medida do amor é amar sem medidas!”

Assim é a poesia de Guerra. Uma poesia com versos suaves e fortes ao mesmo tempo. Versos, como disse, de uma rica reconstrução da realidade humana em sua existencialidade. Versos que nos transmitem uma nova forma de ver o mundo e o humano: Olhar-se como se olha por meio do espelho. Um olhar para dentro, a fim de entender as cotidianidades que se encontram além dos espelhos da vida.

*José Mozart Tanajura Júnior é mestrando em Letras pela UESB e pós-graduado em Fenomenologia e Epistemologia pela UESC, em Teologia Contemporânea pelo Centro Universitário Claretiano. Autor do livro O outro sob a ótica do amor, é o atual presidente da Academia Conquistense de Letras.



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