Tome Nota: Produtos culturais para se refletir sobre o Dia da Independência!

Por Mariana Kaoos

EZTETYKA DA FOME – Glauber Rocha

glauber

Dispensando a introdução informativa que se transformou na característica geral das discussões sobre América Latina, prefiro situar as reações entre nossa cultura e a cultura civilizada em termos menos reduzidos do que aqueles que, também, caracterizam a análise do observador europeu. Assim, enquanto a América Latina lamenta suas misérias gerais, o interlocutor estrangeiro cultiva o sabor dessa miséria, não como sintoma trágico, mas apenas como dado formal em seu campo de interesse. Nem o latino comunica sua verdadeira miséria ao homem civilizado nem o homem civilizado compreende verdadeiramente a miséria do latino.

Eis – fundamentalmente – a situação das Artes no Brasil diante do mundo: até hoje, somente mentiras elaboradas da verdade (os exotismos formais que vulgarizam problemas sociais) conseguiram se comunicar em termos quantitativos, provocando uma série de equívocos que não terminam nos limites da Arte mas contaminam o terreno geral do político. Para o observador europeu, os processos de criação artística do mundo subdesenvolvido só o interessam na medida que satisfazem sua nostalgia do primitivismo, e este primitivismo se apresenta híbrido, disfarçado sob tardias heranças do mundo civilizado, mal compreendidas porque impostas pelo condicionamento colonialista.

A América Latina permanece colônia e o que diferencia o colonialismo de ontem do atual é apenas a forma mais aprimorada do colonizador: e além dos colonizadores de fato, as formas sutis daqueles que também sobre nós armam futuros botes. O problema internacional da AL é ainda um caso de mudança de colonizadores, sendo que uma libertação possível estará ainda por muito tempo em função de uma nova dependência.

Este condicionamento econômico e político nos levou ao raquitismo filosófico e à impotência, que, às vezes inconsciente, às vezes não, geram no primeiro caso, a esterilidade e no segundo a histeria.

A esterilidade: aquelas obras encontradas fartamente em nossas artes, onde o autor se castra em exercícios formais que, todavia, não atingem a plena possessão de suas formas. O sonho frustrado da universalização: artistas que não despertaram do ideal estético adolescente. Assim, vemos centenas de quadros nas galerias, empoeirados e esquecidos; livros de contos e poemas; peças teatrais, filmes (que, sobretudo em São Paulo, provocaram inclusive falências)… O mundo oficial encarregado das artes gerou exposições carnavalescas em vários festivais e bienais, conferências fabricadas, fórmulas fáceis de sucesso, coquetéis em várias partes do mundo, além de alguns monstros oficiais da cultura, acadêmicos de Letras e Artes, júris de pintura e marchas culturais pelo país afora. Monstruosidades universitárias: as famosas revistas literárias, os concursos, os títulos.

A histeria: um capítulo mais complexo. A indignação social provoca discursos flamejantes. O primeiro sintoma é o anarquismo que marca a poesia jovem até hoje (e a pintura). O segundo é uma redução política da arte que faz má política por excesso de sectarismo. O terceiro, e mais eficaz, é a procura de uma sistematização para a arte popular. Mas o engano de tudo isso é que nosso possível equilíbrio não resulta de um corpo orgânico, mas de um titânico e autodevastador esforço de superar a impotência: e no resultado desta operação a fórceps, nós nos vemos frustrados, apenas nos limites inferiores do colonizador: e se ele nos compreende, então, não é pela lucidez de nosso diálogo mas pelo humanitarismo que nossa informação lhe inspira. Mais uma vez o paternalismo é o método de compreensão para uma linguagem de lágrimas ou de sofrimento.
A fome latina, por isto, não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de sua própria sociedade. Aí reside a trágica originalidade do Cinema Novo diante do cinema mundial: nossa originalidade é a nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida.

De Aruanda a Vidas Secas , o Cinema Novo narrou, descreveu, poetizou, discursou, analisou, excitou os temas da fome: personagens comendo terra, personagens comendo raízes, personagens roubando para comer, personagens matando para comer, personagens fugindo para comer, personagens sujas, feias, descarnadas, morando em casas sujas, feias, escuras: foi esta galeria de famintos que identificou o Cinema Novo com o miserabilismo tão condenado pelo Governo, pela crítica a serviço dos interesses antinacionais pelos produtores e pelo público – este último não suportando as imagens da própria miséria. Este miserabilismo do Cinema Novo opõe-se à tendência do digestivo, preconizada pelo crítico-mor da Guanabara, Carlos Lacerda: filmes de gente rica, em casas bonitas, andando em carros de luxo: filmes alegres, cômicos, rápidos, sem mensagens, de objetivos puramente industriais. Estes são os filmes que se opõem à fome, como se, na estufa e nos apartamentos de luxo, os cineastas pudessem esconder a miséria moral de uma burguesia indefinida e frágil ou se mesmo os próprios materiais técnicos e cenográficos pudessem esconder a fome que está enraizada na própria incivilização. Como se, sobretudo, neste aparato de paisagens tropicais, pudesse ser disfarçada a indigência mental dos cineastas que fazem este tipo de filme. O que fez do Cinema Novo um fenômeno de importância internacional foi justamente seu alto nível de compromisso com a verdade; foi seu próprio miserabilismo, que, antes escrito pela literatura de 30, foi agora fotografado pelo cinema de 60; e, se antes era escrito como denúncia social, hoje passou a ser discutido como problema político. Os próprios estágios do miserabilismo em nosso cinema são internamente evolutivos. Assim, como observa Gustavo Dahl, vai desde o fenomenológico (Porta das Caixas), ao social (Vidas Secas), ao político (Deus e o Diabo), ao poético (Ganga Zumba), ao demagógico (Cinco vezes Favela), ao experimental (Sol Sobre a Lama), ao documental (Garrincha, Alegria do Povo), à comédia (Os Mendigos), experiências em vários sentidos, frustradas umas, realizadas outras, mas todas compondo, no final de três anos, um quadro histórico que, não por acaso, vai caracterizar o período Jânio-Jango: o período das grandes crises de consciência e de rebeldia, de agitação e revolução que culminou no Golpe de Abril. E foi a partir de Abril que a tese do cinema digestivo ganhou peso no Brasil, ameaçando, sistematicamente, o Cinema Novo.

Nós compreendemos esta fome que o europeu e o brasileiro na maioria não entende. Para o europeu é um estranho surrealismo tropical. Para o brasileiro é uma vergonha nacional. Ele não come, mas tem vergonha de dizer isto; e, sobretudo, não sabe de onde vem esta fome. Sabemos nós – que fizemos estes filmes feios e tristes, estes filmes gritados e desesperados onde nem sempre a razão falou mais alto – que a fome não será curada pelos planejamentos de gabinete e que os remendos do tecnicolor não escondem mas agravam seus tumores. Assim, somente uma cultura da fome, minando suas próprias estruturas, pode superar-se qualitativamente: a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência. A mendicância, tradição que se implantou com a redentora piedade colonialista, tem sido uma das causadoras de mistificação política e de ufanista mentira cultural: os relatórios oficiais da fome pedem dinheiro aos países colonialistas com o fito de construir escolas sem criar professores, de construir casas sem dar trabalho, de ensinar ofício sem ensinar o analfabeto. A diplomacia pede, os economistas pedem, a política pede: o Cinema Novo, no campo internacional, nada pediu: impôs-se a violência de suas imagens e sons em vinte e dois festivais internacionais.

Pelo Cinema Novo: o comportamento exato de um faminto é a violência, e a violência de um faminto não é primitivismo. Fabiano é primitivo? Antão é primitivo? Corisco é primitivo? A mulher de Porto das Caixas é primitiva?

Do Cinema Novo: uma estética da violência antes de ser primitiva e revolucionária, eis aí o ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência do colonizado: somente conscientizando sua possibilidade única, a violência, o colonizador pode compreender, pelo horror, a força da cultura que ele explora. Enquanto não ergue as armas o colonizado é um escravo: foi preciso um primeiro policial morto para o francês perceber um argelino.
De uma moral: essa violência, contudo, não está incorporada ao ódio, como também não diríamos que está ligada ao velho humanismo colonizador. O amor que esta violência encerra é tão brutal quanto a própria violência, porque não é um amor de complacência ou de contemplação mas um amor de ação e transformação.

O Cinema Novo, por isto, não fez melodramas: as mulheres do Cinema Novo sempre foram seres em busca de uma saída possível para o amor, dada a impossibilidade de amar com fome: a mulher protótipo, a de Porto das Caixas, mata o marido, a Dandara de Ganga Zumba foge de guerra para um amor romântico;Sinhá Vitória sonha com novos tempos para os filhos, Rosa vai ao crime para salvar Manuel e amá-lo em outras circunstâncias; a moça do padre precisa romper a batina para ganhar um novo homem; a mulher de O Desafio rompe com o amante porque prefere ficar fiel ao seu mundo burguês; a mulher em São Paulo S.A. quer a segurança do amor pequeno-burguês e para isso tentará reduzir a vida do marido a um sistema medíocre.
Já passou o tempo em que o Cinema Novo precisava explicar-se para existir: o Cinema Novo necessita processar-se para que se explique à medida que nossa realidade seja mais discernível à luz de pensamentos que não estejam debilitados ou delirantes pela fome.

O Cinema Novo não pode desenvolver-se efetivamente enquanto permanecer marginal ao processo econômico e cultural do continente latino-americano; além do mais, porque o Cinema Novo é um fenômeno dos povos colonizados e não uma entidade privilegiada do Brasil: onde houver um cineasta disposto a filmar a verdade e a enfrentar os padrões hipócritas e policialescos da censura, aí haverá um germe vivo do Cinema Novo. Onde houver um cineasta disposto a enfrentar o comercialismo, a exploração, a pornografia, o tecnicismo, aí haverá um germe do Cinema Novo. Onde houver um cineasta, de qualquer idade ou de qualquer procedência, pronto a pôr seu cinema e sua profissão a serviço das causas importantes de seu tempo, aí haverá um germe do Cinema Novo. A definição é esta e por esta definição o Cinema Novo se marginaliza da indústria porque o compromisso do Cinema Industrial é com a mentira e com a exploração.
A integração econômica e industrial do Cinema Novo depende da América Latina. Para esta liberdade, o Cinema Novo empenha-se, em nome de si próprio, de seus mais próximos e dispersos integrantes, dos mais burros aos mais talentosos, dos mais fracos aos mais fortes. É uma questão de moral que se refletirá nos filmes, no tempo de filmar um homem ou uma casa, no detalhe que observar, na Filosofia: não é um filme mas um conjunto de filmes em evolução que dará, por fim, ao público, a consciência de sua própria existência.
Não temos por isto maiores pontos de contato com o cinema mundial. O Cinema Novo é um projeto que se realiza na política da fome, e sofre, por isto mesmo, todas as fraquezas conseqüentes da sua existência.

DUAS CIDADES- Baiana System:

Impeachment, o não-acontecimento e a psico-história, por Wilson Ferreira

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“Comparam a consumação do impeachment de Dilma Rousseff com as circunstâncias do golpe militar de 1964. Lá estavam a força de armas e coturnos. Aqui em 2016, todas as “data venias” dos rapapés de juízes, juristas e parlamentares. Mas os eventos são incomparáveis: lá em 1964 tivemos a tragédia de um evento histórico. Hoje, assistimos ao vivo pela TV a farsa de um “não-acontecimento” que simulou ser um evento histórico. Desde a seminal Guerra do Golfo em 1992, os não-acontecimentos dominam o horizonte de eventos das sociedades, seja por guerras, atentados terroristas ou golpes parlamentares. Em todos eles, um complexo jurídico-midiático inverte as relações de causa-efeito: não se trata mais de acontecimentos que geram informação, mas o inverso – a História transforma-se em “Psico-História”, para usar uma expressão de Isaac Asimov. Compreender os mecanismos dos não-acontecimentos é fundamental para uma ação política que vise não apenas ocupar as ruas. É urgente também ocupar o contínuo midiático que compreende a zona virtual de interface entre a mídia e a realidade. Lá estão estão os “agentes Smiths” (repórteres e editores) a serem enfrentados por guerrilhas midiáticas”.
http://jornalggn.com.br/blog/wilson-ferreira/impeachment-o-nao-acontecimento-e-a-psico-historia-por-wilson-ferreira

TROPA DE ELITE 2 – O INIMIGO AGORA É OUTRO:

Depoimentos reais de vítimas de agressão doméstica

http://acaofeminina.blogspot.com.br/2010/06/depoimentos-reais-de-vitimas-de.html

Tammy Santiago, 38 anos, fluminense, comerciante

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“Quando me casei, larguei meu trabalho para ser secretária do meu marido. Em 2004, depois de dez anos de casada, descobri que ele tinha um caso com uma garota de 16 anos. Pedi a separação. Ele não aceitou e começamos a ter brigas cada vez mais sérias, até o dia em que ele me derrubou com um tapa. Como foi a primeira vez, fiquei calada. Mas aí começou uma fase de violência física constante, e depois de muito apanhar resolvi registrar queixa na Delegacia da Mulher. O mais triste foi quando minha filha (de outro casamento) revelou que meu marido a molestava. Consegui na Justiça a separação de corpos e em seguida ele levou todos os móveis da casa. Depois de tudo, eu fui a única que ficou presa. Tenho medo de sair de casa e de que aconteça algo comigo e com minha filha. O mais chocante é que ele é um arquiteto e urbanista, com pós-graduação, que não fumava, não bebia, não se drogava. Era um marido exemplar.”
Ingrid Saldanha, 32 anos, carioca, atriz

“Eu tinha só 14 anos quando a gente se conheceu e ele sempre teve muito ciúme. É até engraçado, porque o famoso e bonitão era ele. Mas o fato é que desde o início do meu casamento volta e meia os desentendimentos terminavam em violência física. A gente se separava e depois voltava. Passei muito tempo evitando enxergar, acreditando no amor, tentando preservar a família. O Kadu é um ótimo pai, do tipo que acorda cedo para fazer vitamina para as crianças, ajuda a fazer o dever de casa. Eu não queria privar os meninos dessa convivência, mas hoje consigo enxergar que isso foi um erro. Numa situação de violência a auto-estima fica lá embaixo, você não consegue produzir nada, só uma fantasia de que aquilo tenha algum futuro. Acaba se prejudicando e também prejudica a família. No Carnaval, quando ele me bateu, acabei explodindo e expondo todo mundo exatamente da maneira que sempre lutei para evitar.”

Nelson Furtado, tesoureiro, cunhado da professora Núbia Conte Haick, de 42 anos, assassinada no ano passado pelo ex-marido
“O sofrimento da minha cunhada começou um dia depois do casamento. Ela apanhou do marido ainda na lua-de-mel. Mas, por medo e vergonha, ela dizia que havia caído ou se batido. A família demorou a saber o que se passava, mas ela fez várias denúncias à polícia. Dezenas de boletins de ocorrência e laudos do Instituto Médico Legal que comprovaram as agressões que ela sofria não foram suficientes para colocar o Ismael (Haick, ex-marido de Núbia) na cadeia. Fui uma testemunha do terror que esse homem impôs a toda família. Um dia, já depois da meia-noite, recebi um telefonema da babá dos meus sobrinhos dizendo que Núbia não havia chegado em casa. Na hora eu pensei: meu Deus, perdemos a Núbia. Na manhã seguinte fomos à delegacia e soubemos que um corpo de mulher havia sido encontrado num matagal. Quando reconheci o corpo no IML, fui tomado pela revolta. Todas as denúncias que a Núbia apresentou à polícia não serviram de nada para evitar que ela fosse morta.”

Salma Teresinha Vilaverde, 46 anos, gaúcha, produtora cultural

“Casei com 19 anos e não imaginava que existisse nada parecido com o que aconteceu comigo. A primeira atitude de violência foi um mês depois, por causa de um armário que comprei sem avisar, para fazer uma surpresa. Ele me deu um soco no queixo que me deixou com problema no maxilar para o resto da vida. Passei fiascos em público com cena de ciúme. Agüentei esse tipo de coisa seis anos. Ele me batia, me esgoelava, me punha arma na cabeça. Eu continuava achando que ele precisava de ajuda e que eu era a única pessoa que podia ajudá-lo. Não tinha medo. No dia em que tive medo, saí de casa. Saí também da minha cidade, e só consegui voltar quase vinte anos depois. Foi tamanho o bloqueio que não conseguia lembrar das coisas ligadas ao casamento. A violência soterra lembranças, doçura, meiguice. Mas é possível se restaurar, juntar os cacos, sem ficar dura e empedernida para sempre.”

Sandra Fernanda Alves Farias, 36 anos, pernambucana, funcionária da prefeitura de Olinda

“Estava separada do pai dos meus filhos quando conheci um homem doze anos mais novo e me apaixonei. Isso foi há dois anos. Durante seis meses minha vida foi muito boa. Depois ele passou a beber demais e começaram as agressões. Foram três. A primeira, por ciúme de um primo meu. Ele me chamou de p… e me bateu no rosto. Avisei que não fizesse de novo. A segunda vez foi porque eu cheguei tarde da casa dos meus pais. Esperou no ponto do ônibus e me deu um tapão ali mesmo. Depois pediu desculpas e eu dei mais uma chance. Em novembro do ano passado, foi a gota d’água. Ele queria o meu cartão do banco. Recusei e levei vários chutes na barriga. Dessa vez foi demais. Saí de casa e decidi dar queixa. Fui ameaçada, ele disse que não ia dar em nada porque é primário e tem primo delegado. Dei queixa mesmo assim. Ele me procurou dizendo que, se eu retirasse a queixa, ele voltaria para mim. Eu respondi: ‘Entenda isso: não foi você que me largou, eu é que larguei você. Acabou’.”



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