Especial Salvador: Show de Novos Baianos é sucesso na Concha Acústica do TCA

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Por Mariana Kaoos

Foto: Mateus Pereira/GOVBA
Foto: Mateus Pereira/GOVBA

Era um casal. Casal de pessoas, visivelmente, apaixonadas a dançar. As nuvens brancas e molhadas no céu contrastavam com o vermelho, azul, amarelo e verde do ambiente. Multidão aglomerada a olhar de maneira febril em direção ao palco e a cantar em uníssono uma canção popular brasileira interpretada por uma das figuras mais interessantes do país: Baby do Brasil, com seus cabelos roxos, sua saia rodada escandalosa e sua presença inconfundível. Todos cantavam, é verdade. Contudo, naquele momento isso parecia não muito importar para o casal de pessoas apaixonadas.

Elas, unidas como se fossem uma só, se abraçavam e sussurravam em seus ouvidos trechos da música em questão. De maneira leve e espontânea, uma delas pegou uma câmera, daquelas antigas, mais conhecidas como Rolleiflex, colocou-a na altura no estômago e passou a fotografar tudo em questão: os olhares, os sorrisos, até mesmo a poesia escancarada em cada canto daquele lugar. Naquele instante preciso, no meio do céu molhado, das luzes coloridas, da multidão insandecida e da voz de Baby, tudo mais parecia a concretude do que nós, seres humanos, viemos a chamar de amor. O presente ficou congelado nos cliques na Rolleiflex e tornou-se infinito das minhas retinas de olhar de narradora.

Foto: Mateus Pereira/GOVBA
Foto: Mateus Pereira/GOVBA

Bom, deixando o mistério um pouco de lado e revelando o detalhe mais importante desse fragmento de vida, a música que Baby cantava era nada mais nada menos que Desafinado, clássico da bossa nova, imortalizado na voz do pai de todos nós, João Gilberto. A canção entrou no repertório por conta da homenagem que ela, junto com o restante dos integrantes originais dos Novos Baianos, decidiu fazer a ele. Então Chega de Saudade (interpretada por Moraes Moreira) e Na Baixa do Sapateiro (maravilhosamente tocada de maneira instrumental por Pepeu Gomes) também surgiram na sequência.

Foto: Mateus Pereira/GOVBA
Foto: Mateus Pereira/GOVBA

Para quem não sabe, foi João o responsável por apresentar um universo fértil e identitário das raízes da música brasileira aos Novos Baianos. Isso foi em meados da década de 1960, mais precisamente no quarto andar de um apartamento em Botafogo, no Rio de Janeiro, quando todos passaram a morar juntos. Nessa época, o apartamento era muito bem frequentado por artistas diversos. João era um deles. Sempre que chegava com seu ar tímido, pegava o violão e começava a cantarolar sambas que sempre falavam um pouco de amores, da boêmia e, principalmente, da nossa constituição enquanto povo. Foi através de uma de suas histórias, inclusive, com a sua filha, Bebel Gilberto, que Moraes e Galvão se inspiraram para compor a música Acabou Chorare.

Foto: Mateus Pereira/GOVBA
Foto: Mateus Pereira/GOVBA

Aliás, foi através de várias histórias de João que o grupo passou a ter uma tomada de consciência e a modificar sua forma de criação poética e melódica. Justamente por conta disso que, na noite desse último domingo, 15, o show dos Novos Baianos na Concha Acústica do Teatro Castro Alves surgiu também como uma forma de honrar e reverenciar o grande mestre. E ah, acerca da experiência, só posso dizer uma coisa: Ela se deu na linguagem do alunte!

Foi de uma emoção, de uma cremosidade sem fim poder ver os integrantes do grupo juntos em palco. Se ao longo de todos esses anos cada qual desenvolveu estilos e personalidades próprias, nesse domingo ele mostraram que ainda funcionam bem reunidos. Não sei se por conta do clima de paixão que pairava na plateia, mas senti um negocinho gostoso entre Baby e Pepeu. A sensação é de que havia respeito, admiração e cumplicidade. O que foi muito bacana, já que os dois permaneceram em pé de guerra durante um bom tempo. Outra coisa que chamou atenção de maneira escancarada, foi a sintonia entre os irmãos Pepeu, Jorginho e Didi Gomes. Os três são músicos excelentíssimos e transcendentais, como poucos no Brasil o são. Quando, acompanhados do baixista Dadi, se uniram para tocar Um Bilhete Pra Didi, a multidão cambaleou e mais pareceu possuída pelo eco dos instrumentos.

Mas não só, viu? A multidão também se mostrou possuída de consciência política, lucidez e força para bradar o que não lhes representa. Com faixas, cartazes e muita coragem, por diversos momentos, a frase mais falada com fervor foi a “Fora Temer”. Ouvi dizer que ela também foi presença constante nas noites de sexta-feira, quando Maria Bethânia se apresentou, e de sábado, quando o palco foi comandado por Carlinhos Brown, Ney Matogrosso e Baiana System. Também pudera, no primeiro dia que Michel Temer e seus ministros, todos homens e brancos, subiram ao poder, uma das primeiras (e profundas) ações foi a de cortar as asas dos artistas de todo o país com a extinção do Ministério da Cultura. Sim, a cultura agora é uma pasta, ou secretaria, pertencente ao Ministério da Educação. Ministério este, comandado pelo herdeiro da agroindustria, Mendonça Filho (DEM-PE).

O MinC foi criado em 15 de março de 1985, pelo então presidente José Sarney. Entre altos e baixos, a partir de meados do governo FHC e início do governo Lula, passamos a ter um maior investimento no setor e uma visível transformação, influenciando diretamente no incentivo de políticas públicas culturais e na produção brasileira, principalmente no que tange o cinema nacional (entre os anos de 2003 a 2010, por exemplo, passamos a ter de seis a 150 filmes anuais). Se a desculpa do governo foi a de cortar gastos, ela desceu pelo ralo, já que o orçamento do MinC é um dos mais baios do Planalto (2,4 bilhões de reais. A Educação dispõe de 99,7 bilhões e a Saúde de 118,6 bilhões). Extinguir esse ministério só evidência como e com que importância o governo Temmer enxerga a cultura de nosso país. Sendo assim, ninguém caiu nessa. Justamente por isso essas manifestações espontâneas durante os três dias do festival Eu Sou A Concha foram de suma importância. Ficou posto que os amantes da cultura não temem e estão dispostos a ir à luta.

Mas voltando ao assunto principal e deixando a política um pouco de lado, teve gente que reclamou do repertório (“poderiam ter explorado isso melhor”) e teve gente que ficou encantada com ele (para um show comercial, que marca a reinauguração da Concha Acústica, as músicas não poderiam ter sido outras”): Tinindo Trincando, Swing do Campo Grande, Besta É Tu, Acabou Chorare, Brasil Pandeiro e Mistério do Planeta foram algumas das canções apresentadas. Coisa emocionante também, de deixar os olhos inundados de água, foram alguns dos poemas recitados por Luiz Galvão. Acompanhado do neto (um menino lindo e muito delicado que ficou abraçado com o avô durante toda a apresentação e o ajudou a se locomover em palco), o poeta dos Novos Baianos comoveu a plateia e foi imensamente aplaudido por ela. Seu livro, Novos Baianos – A História do Grupo Que Mudou a MPB, também estava sendo vendido no local (para delírio e alegria sem fim dessa narradora que vos escreve, fui presenteada com um exemplar).

Outras coisas também puderam ser observadas na noite: O sistema de entrada para a Concha Acústica do TCA estava muitíssimo bem organizado com seguranças educados e gentis. As comidas e bebidas no local estavam com um preço um pouco salgado. Contudo, em relação às bebidas, achei uma coisa super bacana: os vendedores não entregavam as latinhas. O conteúdo (água, refrigerante, cerveja, destilados, etc) era posto em um copo de plástico o que acaba poluindo menos e evitando alguns acidentes que a gente bem sabe que acontecem. Os banheiros (pelo menos o feminino) era limpado constantemente e o papel higiênico sempre reposto. Eu não vi muita mudança nessa reforma da Concha não. Assim de ver, ver, ver bem vistinho. Contudo, me alegrei em estar novamente naquele local. A perspectiva é de que diversas manifestações, produções artísticas possam ser exibidas por la, com fácil acesso ao povo e ingressos populares.

Após quase duas horas de show, o grupo se despediu em palco e as quatro mil pessoas que foram assisti-lo se deslocaram em direção às saídas. Dentre elas o casal de apaixonadas. Nessa hora chovia e, enquanto alguns se escondiam embaixo de toldos e se protegiam com aqueles casacos plásticos de chuva (que estavam sendo vendidos por camelôs na entrada do TCA a dez reais) o casal, de mãos dadas, andava por entre os pingos que caiam do céu, com aquela expressão facial de satisfação e contentamento. Não cantavam. Pelo que pude perceber, uma delas estava com afta e, por conta disso, cancelou a serenata que estava em mente. Mas isso parecia irrelevante. Observei de longe uma parada estratégica do casal para comprar pipoca (parte de baixo salgada, com manteiga, e parte de cima doce, com leite condensado) e as vi, cada vez mais longe, até sumirem de vista. Não sem antes constatar em ambas a gratidão e cumplicidade por terem compartilhado aquela experiência juntas. Ou, como diz Paulinho Boca de Cantor, “e a razão da vida é amar”. Saí de lá plena, transbordando exaltação em ter assistido ao show dos Novos Baianos e em saber que todas aquelas experiências observadas, logo, sentidas, eram também minhas. Que venham mais.

Ps: – O show contou com uma hora de atraso.

– Baby estava alucicrazy e linda como sempre. Em Brasil Pandeiro, por exemplo, ela substituiu o verso “eu fui à Penha, fui pedir a padroeira para me ajudar” por “eu fui à igreja, fui pedir a Jesus Cristo para me ajudar”. Em palco, gritou “Aleluia” em alguns momentos, o que levou o público ao delírio orgastico. Crocância da Bahia!

– Dentre todos, Moraes foi o que mais pareceu tranquilo. Digo, o menos empolgado. Ficou mais calado e deixou que Baby, Pepeu e Paulinho protagonizassem o show. Cansaço talvez? Ainda não sei dizer, mas espero que tenha sido apenas uma indisposição do momento.

– Não preciso nem falar da importância desse momento e do reencontro de todos em palco. Novos Baianos foi e ainda é uma banda extremamente singular do universo popular brasileiro e que influencia pessoas de todas as gerações. Caso eles viessem se reunir novamente, de preferência no carnaval baiano (já que foram um dos primeiros grupos a subir em trio elétrico e Moraes o primeiro cantor de trio) isso seria um marco histórico cultural sem precedentes e comparações. Vamos fazer uma mobilização virtual para ver se acontece?



Bahia, Brasil, Cultura, Destaques

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