Tome Nota – O fim da Canal 3 e o que vem por aí na cena conquistense

colegio opcao

Por Mariana Kaoos

canal 3

Se tem uma coisa que eu aprendi a gostar desde pequena é de ver filmes. Por influencia e estimulo direto de meu pai, todos os fins de semana, em Ilhéus, íamos juntos à American Vídeo escolher diversas películas (geralmente duas para mim e duas para ele e minha mãe) e fazer sessão pipoca aos domingos. Essa era a época das fitas VHS. É, aquele tijolo preto enorme que às vezes embolava a fita e, quando o filme terminava, tínhamos que rebobinar. Aí, mais adiante, o Cine Santa Clara reabriu na cidade e a febre do cinema tomou conta de todo mundo. Lembro que foi lá que vi, aos 11 anos de idade, o filme brasileiro A Partilha e, aos 12, o musical Moulin Rouge. Ambos me marcaram profundamente porque foi o meu reencontro com a perspectiva da sala de cinema. A primeira vez que fui em uma foi no Shopping Barra, em Salvador, aos seis/sete anos de idade, assistir Pocahontas. Contudo, não me lembro de nenhum outro contato marcante durante a minha infância com o cinema.

Aí viemos morar em Vitória da Conquista e, para minha alegria, a cidade era infestada de locadoras de filmes. Em 2003 começava a surgir o DVD e estávamos todos (público e locadoras) no processo de transição da tecnologia. O Cine Madrigal ainda estava aberto e o hábito da cultura cinematográfica era forte na cidade. Na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia já havia o projeto Janela Indiscreta, uma espécie de cineclube e, em 2004, estrearia a Mostra Cinema Conquista, com Esmon Primo e Milene Gusmão à frente. Não cheguei a frequentar o Janela e nem a Mostra nos primeiros anos, porém, meu pai fez uma conta na maior e melhor locadora da cidade, a Canal 3, e, a partir daí, a minha perspectiva e o meu gosto por cinema mudaram completamente.

Diferente dos outros estabelecimentos, a Canal 3, além de oferecer os lançamentos do momento, também possuía uma ala só de acervos. Não, não era uma ala de acervos. Era uma ala de filmes clássicos, antigos e belíssimos. Ela ficava encostada na parede e, se bem me lembro, era dividida da seguinte maneira: os clássicos e de faroeste e, na sequencia, os diretores. Aí tinha a coleção quase que completa de Woody Allen, Frederico Fellini, Ingmar Bergman, Pedro Almodóvar, Martin Scorsese, Antonioni, Stanley Kubrick, Win Wenders, Steven Spielberg, Godard, Truffaut e assim por diante. Nenhum outro local da cidade possuía essa coleção. E aqui se faz necessário ressaltar que ela era e ainda é de suma importância para quem gosta e quer estudar e conhecer sobre o cinema mundial.

Os anos foram passando, as tecnologias avançado. Com o surgimento da internet banda larga tornou-se possível baixar e assistir filmes on line. As locadoras foram diretamente impactadas com isso, mas nada ainda alarmante. Vitória da Conquista também não ficou para trás. O Cine Madrigal fechou, tudo bem, mas foi implantado o curso de Cinema e Audiovisual da UESB. A Mostra Cinema passou a ser incorporada como um evento da cidade e novas salas de cinema vieram para cá, mais precisamente para o shopping Conquista Sul. Se isso tudo foi bom? Depende do ponto de vista.

Agora em 2015 a Canal 3 fechou e, até onde eu sei, não há nenhuma outra locadora de filmes na cidade. E até onde eu também sei apenas dois veículos de comunicação noticiaram e ninguém  pareceu se preocupar com esse acontecimento. O Moviecom, do Shopping Conquista Sul se limita a exibir apenas blockbusters, em sua maioria, dublados. Temos o Janela Indiscreta e a Mostra Cinema Conquista como ótimos frutos, mas que não são acessíveis de acordo com a vontade imediata do público, já que eles funcionam em tempo e espaço específicos. Para os assinantes da Sky e outras tevês por assinatura o leque de filmes é maior, porém, eles se repetem a cada dia. Aí vem o Youtube e o NetFlix como opção. Tudo bem, realmente o Netflix chegou com tudo e vem sendo a melhor pedida dos últimos tempos.

Contudo, não é suficiente. O Netflix disponibiliza quatro filmes de Almodóvar, um de Lars Von Trier, dois de Xavier Dolan, cinco de Quentin Tarantino, um de Kubrick, nenhum de Woody Allen, nenhum de Bergman, nenhum de Felinni, nenhum de Antonioni, nenhum de Glauber Rocha.  Já o Youtube disponibiliza seis filmes de Glauber Rocha, nenhum de Kubrick, alguns de Woody, assim como Spielberg e Win Wenders. O mais acessado no Netflix são as séries e no Youtube os clipes musicais. De alguns anos para cá, a indústria cinematográfica valoriza a tecnologia e os efeitos especiais em maior intensidade do que o roteiro, direção e relevância de determinado filme.

Ora, se o Moviecom só passa enlatado americano dublado, se a Mostra Cinema é produzida apenas uma vez por ano, se as tevês por assinatura são altamente repetitivas, se no Youtube e no Netflix não há um acervo de filmes muito grande, se a Canal 3 fechou e se ninguém parece se importar com isso, como teremos acesso e por quanto tempo os clássicos do cinema existirão em nossas mentes e terão importância?

Aliás, eles ainda têm importância para a sociedade como um todo ou estão limitados a serem vistos e discutidos apenas dentro de cursos universitários?  Quantas pessoas que nasceram e moram em Vitória da Conquista já assistiram a algum filme de Glauber Rocha? Quantas pessoas que já possuem família procuram passar essas influencias cinematográficas aos seus filhos e parentes? Quantas pessoas da minha idade ainda têm esses diretores como referência de cinema? Quantas pessoas com menos de vinte anos conhece a fundo a obra de algum deles? Quantas pessoas com menos de dezoito anos tem paciência para saber reconhecer a beleza de algumas obras como 2001: Uma Odisseia no Espaço ou Persona ou La Doce Vita ou Terra em Transe?

Os blockbuster são ótimos e essa nova onda do cinema comercial, de apostar nos efeitos especiais, maravilhosa (esse ano fui assistir em 3D Jurassic World e realmente achei que fosse ser comida por um dinossauro, de tão real que foi a experiência). As series produzidas pela Netflix e os filmes disponibilizados lá e no Youtube são um grande e bom consolo. O Janela Indiscreta também, assim como a Mostra e o curso de Cinema e Audiovisual. As tevês por assinatura são sempre uma opção, assim como Moviecom  (ainda mais se for com o intuito de paquera). Contudo, a permanência da Canal 3 em Vitória da Conquista era e é fundamental para que o conhecimento, o aprendizado e a compreensão do cinema se mantivesse, se mantenha fértil em Vitória da Conquista. Com essa dolorosa perda da Canal 3, que possamos pensar em novas alternativas de agora em diante, a fim de resistir e manter vivo na memória e no cotidiano todos esses nomes insubstituíveis do cinema que nos diziam e nos dizem valiosíssimas coisas até hoje.



Artigos, Cultura, Vitória da Conquista

Comentário(s)


3 responses to “Tome Nota – O fim da Canal 3 e o que vem por aí na cena conquistense

  1. Pois é Mariana, eu morei em Salvador por 8 anos, lá temos um “Circuito de Artes” cinemas que passam filmes nacionais, europeus e os bons filmes americanos que, em tempos de busca exclusivamente por lucros, dificilmente chegam às salas comerciais. Sempre que vou a São Paulo não deixo de ir ao Cine Belas Artes (que passou por um tempo fechado e reabriu recentemente).
    A Canal 3 aqui sempre foi o porto seguro do bom cinéfilo, encontrávamos dos clássicos aos blockbusters, sempre me deliciava ao contemplas as estantes e diante das dúvidas de quais filmes levar para ver. Infelizmente o mercado é duro, e a locadora depende do lucro, e os serviços de streaming pulverizaram as velhas locadoras. Uma heroina se encontra na Avenida Pará (penso ser a última da cidade). Apesar dos meus 37 anos, sou do tempo das lojas de disco, das locadoras de vídeo, das fitas cassete…
    Temos aqui uma grande oportunidade com o cine Madrigal que foi adquirido pela prefeitura. Quem sabe algum dia possa ser reaberto e lá ter uma destinação mais artística e menos comercial. Contudo com a atual crise financeira que assola o país, em especial municípios como o nosso, acreditar que a Prefeitura irá dispor de recursos para a reforma do velho Madrigal ainda é uma incógnita. O que nos resta é esperar, sem deixar morrer nossa paixão pelas películas, nesse sentido, projetos como o Janela Indiscreta e a Mostra de Cinema são alentos nesse mar de incertezas por qual passamos.

Comentários fechados