Conquista: A sintonia de Larissa Caldeira, o Café Society e a Rádio Canção

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Por Mariana Kaoos

Foto: Maiêeh Sousa
Foto: Maiêeh Sousa

O ano era de 1940. Getúlio Vargas estava a todo vapor como líder da república federativa do Brasil. Seu governo, populista, agradava a grande maioria e trazia benefícios para os brasileiros que passaram a ter direitos como o salário mínimo, o voto secreto, voto feminino, jornada de oito horas de trabalho diário, dentre inúmeras outras conquistas. Era o Estado Novo que vinha com tudo, ocasionando uma mudança de hábitos e valores em toda a sociedade brasileira.

Caminhando lado a lado com o Estado Novo e Getúlio, novas formas de entretenimento e comunicação se consolidavam com, cada vez mais, vigor.  Se em 1932, Getúlio lança a lei do rádio, onde a publicidade passa a ser permitida dentro do veículo, em 1940 já havia exatamente 52 emissoras implantadas no país. É nesse ano em que a Rádio Nacional se expande, passando a ter um alcance em todo o Brasil e América Latina. Ela já possuía mais de 1.200 contratados, dentre eles locutores, técnicos e artistas. Iniciava-se, a partir daí, a Era de Ouro do Rádio e, através dela, o governo passou a se manifestar e grandes nomes do universo cultural surgiram causando então uma revolução musical em todos os cantos.

Foto: Maiêeh Sousa
Foto: Maiêeh Sousa

Então era assim: como o aparelho de rádio ainda era caro, cada família geralmente possuía apenas um e colocava-o na sala, onde era de fácil acesso a todos. À noite pais, mães, filhos, tias e primos se reuniam em silêncio para acompanhar as radionovelas, bem como ouvir os grandes artistas. E aí eram vários. Dalva de Oliveira, Herivelto Martins, Emilinha Borba, Marlene, Dorival Caymmi, Noel Rosa, Pixinguinha, Cartola, Nelson Gonçalves, Luís Gonzaga.

Foto: Maiêeh Sousa
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Todos, principalmente os locutores e artistas tinham uma maneira ímpar de se posicionarem em rádio. Era algo popular, mas extremamente requintado. Esse mesmo requinte foi um dos trunfos da cantora Larissa Caldeira. Agora já estamos falando do ano de 2015, mais especificamente da noite de ontem, 22, no Café Society.

Foto: Maiêeh Sousa
Foto: Maiêeh Sousa

Larissa é de Vitória da Conquista, formada em comunicação social e com uma veia artística musical/literária extremamente pulsante. Acompanhada dos músicos Matheus Soares e Jorge França, ela lançou ontem aqui na cidade o seu mais novo show, intitulado Rádio Canção. O objetivo, muito bem cumprido, por sinal, era rememorar esses grandes artistas da Era de Ouro, apresentando antigas canções através de novos formatos. Os arranjos foram repensados de acordo com seu tom de voz e postura em palco.

Foto: Maiêeh Sousa
Foto: Maiêeh Sousa

Às nove horas e trinta minutos, Larissa apareceu caminhando entre a plateia e recitando os versos de Choro, poema de sua autoria. A poética serviu como um objeto para contextualizar tudo o que viria dali por diante. A música que abriu a Rádio Canção foi o samba Com Que Roupa?, de Noel Rosa. Se Larissa ou algum dos músicos estavam nervosos, não deixaram transparecer absolutamente nada, porque a presença deles em palco foi tão imponente e direta que todos, absolutamente todos os presentes fizeram silêncio e passaram a olha-los com olhos de espanto e admiração.

Matheus e Jorge estavam vestidos com calças de linho, suspensório, camisa de botão e sapatos de verniz. Já Larissa com uma calça preta, blusa branca de botão, gravata borboleta e uma espécie de cartola/casaco que remetia ao figurino dos apresentadores do rádio. À sua frente um microfone daqueles antigos que, pelo menos para mim, permitem que a voz se modifique um pouco. Ela se torna envelhecida e preciosa, como se tivesse vindo (a voz) diretamente dos anos 30/40 para os nossos ouvidos. O violão popular microfonado lembrava os antigos e boêmios cantadores e a percussão, muito focada no pandeiro, a constatação que a musicalidade brasileira sempre foi forte, sonora e bonita. A cena dos três em palco parecia um recorte atemporal, como se ali fosse um auditório de rádio e nós, o público, os ouvintes que estavam atentos nas vozes, ritmos e melodias.

Rádio Canção seguiu e outras riquíssimas canções do nosso cancioneiro popular foram apresentadas. Samba de Uma Nota Só, Berimbau, Cordas de Aço, O Mundo É Um Moinho, As Rosas Não Falam e Melodia Sentimental foram algumas delas. Ainda procurando um adjetivo à altura, mas não encontrando nenhum, quem fez uma lindíssima participação especial foi a musicista Gabriela Mello com o violoncelo. Outras surpresas também apareceram na apresentação: Acompanhada do livro Poesia Total, de Wally Salomão, Larissa recitou alguns poemas de Wally e outros seus, o que deu um tom dinâmico ao show.

Mas, se na Era de Ouro do Rádio alguns probleminhas surgiam, no Rádio Canção não poderia ser diferente: o som deu problema já na terceira música. Parece que o retorno não estava legal e o tom estava abaixo do programado. Nada que fosse chatear o público, mas os músicos pareciam incomodados. O repertório, apesar de maravilhoso, faltou incluir alguns nomes primordiais do rádio como Carmem Miranda, Emilinha Borba, Vicente Celestino e Marlene. Claro que não dá para abarcar tudo de uma só vez, mas pelo menos Carmem poderia ter sido homenageada dentro do show.

Outro ponto, que não chega a ser problema e nem algo negativo, mas sim notável, foi a inserção de algumas canções de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Wally Salomão. De certo que todos foram altamente influenciados pelo apogeu do rádio, principalmente Caetano na sua infância, que chegou, inclusive, a colocar o nome da sua irmã mais nova, Maria Bethânia, por conta de uma música de Nelson Gonçalves. Contudo, apesar das obras de todos terem sido propagadas através do rádio, a partir de mais ou menos 1965, e do rádio ainda ser um difusor de artistas até os dias atuais, acredito que o foco do Rádio Canção poderia ter sido os nomes das décadas de 1930, 1940 e 1950, até mesmo para manter uma questão identitária da proposta.

Larissa e os músicos que a acompanharam foram muito felizes em pensar numa ideia como essa. As décadas engendradas na Era de Ouro do Rádio são extremamente férteis e importantes para entendermos a constituição musical Brasil. Diversos nomes dessa época foram apagados ou esquecidos e, quando três grandes artistas se unem para relembra-los, isso é de uma delicadeza enorme. É o reconhecer e reverenciar uma parte da história cultural do nosso próprio país. Quantas vezes me possível for quero acompanhar o trabalho de Larissa, Matheus e Jorge, que já se mostrou consolidado, de extremo respeito com seus ouvintes e inovador. A respeito da noite de ontem, o público e essa jornalista que vos fala agradece!

OBS: Todas as informações históricas contidas nessa matéria podem ser encontradas no livro Históricas Que O Rádio Não Contou, de Reynaldo C. Tavares.



Cultura, Vitória da Conquista

Comentário(s)


One response to “Conquista: A sintonia de Larissa Caldeira, o Café Society e a Rádio Canção

  1. O show foi realmente muito bom. Larissa tem uma voz marcante, muito bonita, e soube escolher o repertório, embora umas canções, mais que outras, se adequem mais perfeitamente à sua voz. Parabéns pela matéria, Rodrigo, mas discordo de que o foco deveria ser os anos 30 a 40, pois entendi que a proposta dela era iniciar por aí, mas chegar aos dias atuais, e isso foi inusitado.

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