Idílio Materno

atlanta

Por Marcísio Bahia

Marcísio Bahia é colaborador do Blog do Rodrigo Ferraz
Marcísio Bahia é colaborador do Blog do Rodrigo Ferraz

Era um tempo de outrora, jovenzinho, precisando segurar na mão da minha mãe para atravessar a rua. Não tinha aquela vontade de sair correndo como toda criança a minha volta, pois estar de mãos dadas com ela era meu maior prazer, mais ainda por saber que ela me levaria para a Biblioteca Monteiro Lobato, um dos locais de seu labor, introduzindo-me num mundo de sonhos.

Pelas mãos dela fui conduzido ao mundo, orgulhoso em poder acompanhá-la de um lado pro outro, para as escolas onde lecionava, para os encontros políticos, para todo lugar. Admirando o desempenho e altivez dela. Nas campanhas políticas, fazia questão de carregar o balde de goma que ela usava para colar cartazes e, às vezes, tínhamos que nos esconder da “moreninha” da polícia, pois o simples ato era considerado “subversivo”. Era minha heroína, patriota e libertária, o que sempre acreditei, estando por perto para protegê-la, mesmo eu ainda um “toquinho de gente”.

Os anos foram se passando céleres e, de uma hora para outra, passei a ser o seu parceiro, íamos juntos aos comícios do grande orador Jadiel Matos, com seu chapéu de vaqueiro. Fazia muito frio pela periferia conquistense, mas meu coração sempre aquecido por poder testemunhar a história frente a meus olhos, e ela farol aceso dos meus primeiros ideais. Lecionamos, criamos e executamos projetos educacionais em parceria, crescendo e amparando um ao outro, sempre a mestra conduzindo esse discípulo pelas entranhas do conhecimento. Uma admiração mútua, um carinho intenso, um amor que até agora não se comensura. Um idílio entre mãe e filho, entre criadora e criatura.

A passagem do tempo inverteu as polaridades e, sem esperar, passei de filho para irmão e de irmão para pai de minha mãe.  Ela viveu os últimos anos, até sua passagem, no dia 6 de janeiro deste ano, sendo meu bebê, sob meus cuidados. Não sei fico alegre ou fico triste ao lembrar-me de quando eu estava executando as tarefas domésticas (ela fazendo crochê) minha mãe ironizava, cantarolando a música tema da Escrava Isaura (Lê, Lê, lê, lê…).

Um dos seus princípios imutáveis era o de desconsiderar o Dia das Mães, por achar um apelo comercial, mas, antagonicamente, regozijava ao receber presentes na data. Esse será o meu primeiro segundo domingo de maio sem a presença física dela, e escrevo este texto procurando preencher uma lacuna que nunca se completa, mesmo sabendo que agora ela está numa posição mais privilegiada do que a minha, que ainda tenho que gastar muita sola de sapato nesse “mundão de meu Deus”. Dia 10 de Maio de 2015 chegará ainda com certa dose de luto, mas para ser fiel aos pensamentos que absorvi de minha heroína, vou colher umas rosas por aí e sair distribuindo flores e abraços a todas as mães que eu for encontrando pelo caminho.



Artigos, Vitória da Conquista

Comentário(s)