Bombeiros: heróis anônimos


atlanta

Por Alex Bombeiro – Diretor do presídio Nilton Gonçalves

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Fazia sol, poucas nuvens no céu o serviço estava tranquilo. Na central poucas ligações nas linhas 193, na maioria, mulheres solitárias querendo falar com os bombeiros, de repente toca o telefone, o Sargento Antônio (operador da central) começa a fazer uma triagem enquanto isso, o Soldado Jorge (aux da central) chama o Sargento Lauro, cuja função era de chefiar a equipe de serviço e providenciar os meios para facilitar as operações, era uma notícia de uma jovem de 19 anos que estava desaparecida há três dias e segundo informações ela poderia estar morta em uma cachoeira de 130 mts de queda d’água no município de Rio de Contas-Ba. Imediatamente o Sargento Lauro convocou o Tenente Costa, eu (Sargento Alex), o Sargento Maurício e o Soldado Valmir, verificamos todos os equipamentos necessários, 130 mts de corda, molas e freios para salvamento em altura, cantis cheios de água, barraca para acampamento, material de mergulho, lanternas, bússola, binóculo etc.

O deslocamento durou cerca de duas horas, havia informação do alto escalão do Corpo de Bombeiros que um helicóptero deslocaria para o local no dia seguinte, no entanto a equipe tinha certeza que conseguiria fazer o resgate antes de anoitecer. Ao chegar no município o Tenente Costa coletou todas as informações sobre o fato, a cachoeira ficava há 10 km da cidade através de trilhas e despenhadeiros. Contando com a ajuda do Sr. Manoel, morador e guia turístico, conhecedor de todas aquelas trilhas iniciamos as buscas por volta das 14h00, depois de duas horas e quinze minutos de marcha, avistamos em um local de difícil acesso há uma distância aproximada de 2 km alguma coisa, que pelo seu formato poderia ser um corpo, olhamos através do binóculo e ficou confirmado, era realmente um corpo, já passava das 16h30, o Sr Manoel olhou, parou por alguns instantes e disse: “naquele local ninguém nunca foi lá”. Havia um dilema, será que conseguiríamos trazer o corpo até um local seguro antes do por do sol? Porém havia outro problema o retorno ao ponto de partida também era muito difícil decidimos então prosseguir, o Tenente, porém, achou melhor voltarmos e no dia seguinte bem cedo reiniciaríamos, mas a equipe queria fazer logo, pois não via grandes dificuldades para fazer a descida pela cachoeira e chegar até o local, depois de analisar bem, o Tenente autorizou o prosseguimento do resgate.

Fiz uma ancoragem com uma corda de 30 metros e descemos a primeira etapa, peguei outra corda de 50 metros e amarrei à primeira, pedi que o Sargento Maurício descesse até outro local seguro, logo após foi à vez do Sr Manoel, nós o amarramos e descemo-lo com segurança, depois foi o Soldado Valmir, falei então com o Tenente que se ele quisesse poderia descer e logo após eu iria, todos nós ficamos em cima de uma grande pedra, procurei um local para fazer uma nova amarração, mas não tinha, pois no local só tinham pedras todas muito escorregadias. Então só faltava mais 50 m de corda, fiz uma amarração emendando as extremidades das cordas e novamente descemos na mesma ordem anterior, a situação deste trecho de descida era muito complicado, pois havia muitos obstáculos, exigia muita técnica, preparo físico e coragem, conseguimos chegar bem perto de onde estava o corpo, as três cordas emendadas totalizando 130 m, não foram suficientes, prevendo isto, no local da primeira amarração veio conosco um morador da cidade de Rio de Contas, eu pedi a ele que quando nós estivéssemos em um local seguro faríamos um sinal e ele desamarraria a corda para utilizarmos ao chegar ao corpo e assim foi feito.

Era uma jovem aparentemente 18 anos, morena. O Sr Manoel logo reconheceu como sendo a pessoa que procurávamos o local em que ela estava era uma fenda entre duas pedras, no meio da queda d’água, ou seja, à distância onde nós estávamos para o final da cachoeira era o mesmo de onde começamos a descida até ali. Precisávamos ser breve, pois passava das 18h00 e estava escurecendo, fiz sinal para desamarrar a corda, enquanto isso o Soldado Valmir amarrava o corpo da jovem para reiniciarmos a descida, depois de recuperada a corda, analisamos bem a situação e como já era início de noite verificamos que não seria seguro descer, então o Tenente determinou que passássemos a noite ali e continuaríamos logo ao raiar do dia.

Em uma pequena pedra ficaram sentados, o Tenente e o Sr Manoel, pois era a única posição possível e em outra pequena fenda ficaram abrigados eu, o Sargento Maurício e o Soldado Valmir.

No início algumas lamentações, o Tenente logo falou que ele não deveria ter deixado continuar por causa do horário, mas logo começaram as brincadeiras um dizia “este era o pior velório da sua vida” e assim foi passando o tempo, por volta das 19h30 o frio era um dos maiores problemas, é comum nessa época a temperatura chegar até 6°C, os respingos d’água faziam com que todos ficassem encharcados, os morcegos faziam voos rasantes sobre nossas cabeças, estávamos sentindo muitas câimbras e dormência nas pernas e dores musculares por causa do desconforto, não podíamos ficar em pé ou nos movimentar o risco de cair no precipício era muito grande, a fome era outro evento que incomodava, e para completar o Sr Manoel falou que alguns quilômetros rio acima havia uma barragem e que as comportas a partir das 21h00 vão se abrindo automaticamente liberando volumes d’agua e que o local onde estávamos provavelmente seria inundado não tínhamos mais o que fazer, cada minuto era contado, os primeiros sinais de hipotermia começaram aparecer: os lábios roxos, tremores pelo corpo e em conseqüência da situação inóspita tivemos alucinações, pensávamos estar ouvindo barulho de helicóptero, aproximação de pessoas, volume da água aumentando, etc.

Eu precisava me manter tranqüilo e não deixar que o desespero tomasse conta da situação, mas confesso que algumas vezes pensei em tentar descer ou pular e assim as horas foram passando, até que surgiram os primeiros raios de sol, ainda estávamos com muito frio e só por volta das 07h00 é que o meu corpo e minha mente estavam novamente sincronizados faltava força para retomarmos a operação, por volta de 08h30 com o corpo aquecido fiz uma nova amarração, o Sargento Maurício desceu mais uma etapa e fez uma tirolesa (corda tracionada com as duas extremidades amarradas em uma posição diagonal, proporciona uma descida sem esforço) para que todos nós ficássemos em um local seguro, faltava retirar o cadáver de uma fenda, por onde passava água e com bastante força, apesar de já estar amarrada recomeçamos a operação, retiramos o corpo e colocamos em um local seguro, só faltava então descer pelas trilhas, até o município de Livramento de Nossa Senhora, nesse instante chegou o helicóptero vindo da capital do Estado, aproximou-se do local, verificamos que era um aparelho de pequeno porte do tipo esquilo, já estava tripulado por quatro pessoas só caberia mais um, um dos bombeiros colocou o cadáver na maca e atrelei à aeronave.

Após três horas de caminhada chegamos à cidade, sem tomar banho ou descansar, procuramos um restaurante, a fome era tamanha, mesmo sendo uma comida simples, naquele momento eu degustava como se fosse o mais caro e mais sofisticado prato da culinária mundial.

O dono do restaurante nos informou que uma pessoa com capacidade mental reduzida conhecido na cidade como Bezerrinha, tomou a iniciativa de procurar o funcionário responsável pala barragem, para não deixar as comportas se abrirem, pois os Bombeiros ainda não havia retornado.

Não entendi muito bem uma fala de outro morador quando disse: “-Se não fosse o helicóptero a mulher nunca teria saído de lá!”.

Voltamos ao quartel em nossa cidade e a rotina se restabeleceu, mesmo sabendo depois, que o comentário que se espalhou na cidade onde ocorreu o fato, foi que um grupo especializado chegou em um helicóptero resgatou o cadáver e os Bombeiros que estavam perdidos a encontrar o caminho de volta.

É igual um time de futebol às vezes os jogadores fazem toda a jogada, mas quem leva a fama é quem faz o gol.



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Comentário(s)


3 responses to “Bombeiros: heróis anônimos

  1. Rapaz passar uma noite numa cachoeira não deve ter sido fácil, imagino o frio que essa galera passou, presto minha continência para esses bravos militares.

  2. Me arrepio com esss histórias do Corpo de Bombeiros, são verdadeiros herois, já vi descer em cisternas, resgatar corpos em barragens, apagar incêndios…
    Meu filho tem 5 anos é apaixonado pelos bombeiros, sempre conto histórias para ele durmir, essa agora é a preferida dele.

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