Por Mariana Kaoos
Verão de 2013. Duas horas da tarde de um domingo de carnaval. Praça Castro Alves. Salvador. Bahia. Brasil. Multidão. Cheiro de mijo, cerveja e churrasquinho de gato. Calor. Crianças na cacunda dos pais. Pessoas espremidas. Suor. Afoxé. Cordas. Trio elétrico. Tapete branco da paz. Bloco de carnaval. Alfazema. Turbante. Muitos colares. Intensa energia. Mulheres fora da corda. Homens dentro da corda. Saída oficial dos Filhos de Gandhy.
Sim, porque se tem dois blocos tradicionais de Salvador que arrasta multidões fiéis que acompanham desde sempre a saída deles (que na verdade é a entrada) no carnaval baiano são o Ilê Ayiê e os Filhos de Gandhy. Os Ghandys, em especial, possui várias peculiaridades interessantes. Ele foi fundado no ano de 1949 por estivadores portuários e, desde o início, veio com a proposta de um bloco segmentado para o público masculino. Atualmente ele conta com mais de dez mil integrantes, além dos foliões que, durante o carnaval, o escolhem para desfilar.
Aí os homens se fantasiam com um turbante, uma espécie de mortalha e vários colares com bolinhas azul e branca. Quando eles beijam alguma pessoa, independente do gênero, o colar é dado como presente. Não há quem não goste dessa tradição. Na verdade, ela é esperada pela grande maioria. Existe meio que uma espécie de glamour em dizer “eu beijei um Gandhy” e desfilar com um ou vários colares no pescoço.
A minha humilde opinião é que por trás desse rito existe em vigor todo um sistema heteronormativo machista. O ato de dar o colar é uma tentativa sublime de “marcar” alguém. Dizer que ela já passou pelas mãos de um Gandhy e que, agora, ainda que ela fique com outras pessoas, ela é “propriedade” dele. Uma mulher que anda pelos percursos do carnaval baiano com um ou dois colares é aceitável e bem vista. Já as que trazem no pescoço diversos colares é considerada piriguete e não há como fugir desse status.
Vitória da Conquista. Oito de novembro de 2015. Primavera. Sexta Para Gay na cidade. Trio elétrico. Bandeira enorme com as cores do arco íris. Meio da noite. Fim de festa. Música eletrônica. Pessoas bêbadas. Muitos beijos. Beijos triplos. Beijos quádruplos. Beijos quíntuplos. Curtição. Suor. Risadas. Menina. Menina lésbica. Menina lésbica sentada no meio fio. Menina lésbica sentada no meio fio com um colar de Gandhy no pescoço.