Depois de 25 anos, carnaval conquistense tem programação de quatro dias

parque logistico

Por Ana Paula Marques, André Thibes, A.J Oliveira e Rafael Flores/Revista Gambiarra

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Os festejos carnavalescos de rua estão sendo resgatados em Vitória da Conquista. Tem sido assim nos últimos três anos, quando os foliões que não deixaram a cidade no feriado percorreram um circuito improvisado ao som das clássicas marchinhas que marcaram época. A iniciativa que deu origem ao que irá acontecer este ano foi de um grupo de amigos, que se juntaram voluntariamente e criaram o bloco “Curtaki”. Antes disso, em 2011, o bloco “Fita Amarela” já deixou fulgente a vontade dos conquistenses em retomar a festa de rua.

O Carnaval Conquista Cultural que veremos esse ano, surge da cabeça de alguns amigos que, em 2012, resolveram criar um bloco na rua. Os rapazes do Curtaki disseram não se importar se 40 pessoas aparecessem e seguissem a ideia deles, mas se surpreenderam quando em 2012, o bloco levou, em uma segunda-feira, mais de dois mil foliões às ruas. O desejo de um grupo de amigos se juntou ao desejo da cidade de voltar ás ruas em uma festa popular. No ano seguinte, a ideia se expandiu para mais um dia, e o bloco desfilou no domingo e na terça-feira.

OMOLU

“Estávamos eu e um amigo, e pelo fato de Conquista não ter carnaval e não ter nada no período de carnaval, foi quando eu o convidei para nós montarmos um bloquinho e sair pelas ruas de Conquista brincando, nem que fossem 20, 30, 40 pessoas. Montamos isso em 10 dias. Repetimos a dose em 2013 com 2 dias e colocamos mais de 25 mil pessoas nas ruas”, explicou o organizador do Bloco Curtaki, Dillan.

Em 2014, o Curtaki torna-se apenas mais um em uma comissão de seis blocos oficiais, que tenta trazer às origens, o Carnaval de Conquista. Os blocos que irão compor o carnaval deste ano são: o Fita Amarela, Salsa Club, Grito Rock, Omolú Asé, Curtaki e Na Farofa.

Outro marco da cultura conquistense fará parte dos quatro dias de festa: a Lavagem do Beco, que abria as micaretas na cidade.

A Lavagem era uma tradição dos povos de terreiro locais, encabeçada pela yalorixá Dona Dió e contava com as baianas que lavavam a Alameda Ramiro Santos com flores, pipoca e perfume de alfazema.  marcava os primeiros dias das micaretas, mas tudo indica que já aconteciam no carnaval conquistense, como consta em registros fotográficos do acervo municipal.

Diversidade

As músicas pensadas para o carnaval deste ano vão desde as marchinhas das bandas de fanfarra até a salsa e o rock mais voltado para a folia. Desde o sentimento de voltar às programações de carnaval na cidade até hoje, esse será o primeiro ano em que os blocos vão desfilar todos os dias até a quarta-feira de cinzas. Os organizadores estão com a intenção de garantir o carnaval livre de cordões e voltado para a cultura popular.

Além desse formato musical, o Carnaval Conquista Cultural vai prezar pela diversidade ao trazer um bloco direcionado para a cena independente (Grito Rock), e um bloco inteiro de músicas caribenhas (Salsa Club).

Omolu Asé

Apesar de Vitória da Conquista estar bem distante da capital Salvador, a cidade abriga duas bandas percussivas com fortes influências dos blocos afro soteropolitanos. São elas a banda Ogun Xorokê e a Marujada do bairro Pedrinhas, ambas atrações do bloco Omolu Asé desde 2012.

Segundo o fundador PC Lima, a intenção é enfatizar a existência desses grupos. “Os grupos estão muito escondidos, eles não tem onde tocar. O Ogun Xorokê, por exemplo, é um grupo que ensaia o ano todo pra tocar uma vez em Salvador, quer dizer, você viaja 500 km pra mostrar o seu trabalho. Então o intuito é esse, mostrar que nós temos uma parcela grande de bons músicos, bandas percussivas e um bom produto musical e cultural aqui dentro de Conquista, que ele pode ser valorizado aqui”, afirma.

Além das bandas percussivas, o bloco também revela o samba de roda conquistense, representado pelo grupo As Negas do Beco. Em 2014, PC pretende trazer um grupo de dança afro soteropolitano para fazer um intercâmbio com o bloco.

Ainda segundo PC, o bloco não recebe nenhum apoio institucional, e se caracteriza como um movimento militante. “A gente tá vendo que o carnaval vai despertar interesses financeiros mais cedo ou mais tarde, já dá pra perceber isso. A gente quer se permitir continuar como um movimento cultural e militante pra que a gente possa aproveitar o melhor que a gente tem a mostrar”, assegura. A pretensão é que futuramente o bloco encontre apoio visando profissionalizar os músicos. “Também vamos buscar profissionalizar esse movimento da melhor forma, fazendo com que esse pessoal enxergue melhor o seu dom que pode se tornar uma profissão e que merece ser reconhecido”, conclui.

Em 2014, será a primeira vez que o Omolu Asé irá desfilar no mesmo percurso dos blocos que integram a programação do Carnaval Conquista Cultural, já que nos anos anteriores o bloco fez um pequeno percurso saindo da Catedral e terminando no Beco do Samba. A expectativa de público também é maior, como espera PC Lima: “Provavelmente será bem melhor, o circuito estará mais cheio”.

Bloco Curtaki

O bloco Curtaki surgiu primeiramente em 2012 e arriscou bastante ao ir para as ruas numa festa que não era expressiva na cidade. Esse ano, o bloco vai desfilar na terça-feira a partir das 15:00 horas, saindo da praça da Escola  Normal, e vai contar com um mini-trio um pouco maior que o do ano passado, porém não pretende se tornar uma grande festa fora dos parâmetros do popular. “Nada exagerado, porque esse não é o nosso pretexto. O nosso carnaval é um carnaval mais cultural”.

De 10:00 às 15:00, acontecerá o Curtakids, que “é o bloquinho pra criançada que vai ser centralizado na Concha Acústica do Centro de Cultura. Vamos fazer brincadeirinhas, colocar palhacinhos, nega maluca, para atrair a atenção da meninada, por que a meninada tem que ter o espaço deles”. As fantasias para a meninada serão mais que permitidas.

Por volta das 17:00 horas, será feito o percurso, que vai passar pela praça do Gil e voltar para a Praça da Normal novamente. A festa deve ir até as 22:00 horas. Este é o horário oficial de todos os blocos.

Os organizadores acreditam que nos 4 dias, uma média de 50 a 60 mil pessoas vão transitar pelas ruas. “Pode ter certeza que sim, muita gente que viajava já está dizendo que esse ano não vai”, explica Dillan, empolgado com os preparativos da festa.

Para ele, o Carnaval Conquista Cultural está indo no rumo certo. Segundo ele, esse caminho é justamente fazer um carnaval aberto, sem cordas. “O grande lance é esse, vir com as marchinhas com as fantasias, sem cordas, na paz. Esse ano é carnaval de novo, pode ter certeza”, conclui.

Bloco Salsa Club

É a primeira vez que ele saí em Conquista, além de ser o primeiro bloco inteiramente voltado para a música caribenha no Brasil. Está programado par sair nas ruas no sábado de carnaval (1º de março). O entusiasta Arthur D’Arede, organizador do bloco, explica: “Essa ideia surgiu há 18 anos. Eu, Gerônimo, Zezé Calazans e Fernando (primo de Luiz Caldas) íamos sair na época em que Luiz Caldas ainda bombava, Gerônimo tinha feito ‘É de Oxum’, ‘Jubiabá’, ‘Quirica na Buçanha’, que eram salsas. Só que a epoca coincidiu com o começo do Axé Music. Fecharam as portas e eu bati com a cara junto com todo mundo”.

Para Arthur, quanto mais iniciativas espontâneas nas ruas da cidade, melhor. “A rua não é nossa. Como eu vou adorar se saírem 20, 30 blocos atropelando. Desde que não cobrem nada, eu estou feliz da vida”. As músicas serão voltadas para cultura caribenha, “Nós vamos tocar Lambada, Beto Barbosa, coisas que o Brasil lembra e também os anos dourados da lambada de Porto Seguro. Nós vamos tocar tudo que é caribenho”, explica Arthur enquanto canta os trechos das músicas.

Existem três indicativos de bandas de fora: Chocolate Rivers e banda Bus Latino; Merenguito Salsa Bor do argentino Luiz Gutiers; e a terceira é uma banda baiana, a Açúcar e Improviso Latino. Porém, Arthur explica que tem outras cartas na manga: “Se eu não conseguir nenhum dos três, há um indicativo de Marlua, Diego Costa e tem uns meninos que disseram: ‘Rapaz, a gente faz uma banda base’. Tudo isso eu confirmarei 3 dias antes do Carnaval”.

Bloco Grito Rock:

Para o público que não é tão carnavalesco assim, o bloco Grito Rock traz uma programação um pouco mais rock ‘n’ roll – mas só um pouco. As atrações escolhidas foram a banda Retrofoguetes, que aqui vai fazer um show chamado Retrofolia, em que as guitarras com distorção são substituidas por guitarras baianas e o tradicional rock instrumental da banda divide espaço com marchinhas e clássicos do carnaval soteropolitano; e a Suinga, uma banda de axé que também tem fãs entre o público do rock.

O Grito Rock é um festival realizado em rede em diversas cidades do mundo durante o período carnavalesco brasileiro. Produzido de forma colaborativa desde 2007, o festival  foi criado como uma alternativa ao carnaval em Cuiabá, capital de Mato Grosso (centro oeste brasileiro) e em 2014 acontece entre o período de 20 de fevereiro a 30 de março.

Gilmar Dantas, organizador do Grito em Conquista, explica que o “rock de roqueiro” foi evitado porque este é o primeiro ano do bloco, então não seria uma boa ideia arriscar demais. “Só o fato de você estar com um trio na rua já é um mega-risco”, diz Gilmar, “então a gente pensou um pouco e resolveu deixar (as bandas mais pesadas) para uma próxima oportunidade. Eu acho que a gente vai conseguindo penetrar nesses espaços aos poucos, não dá para chegar de voadora”.

Originalmente, o Grito Rock aconteceria só entre os dias 28 e 30 de março, com um palco fixo na Praça da Juventude e um esquema totalmente diferente. Mas aí o pessoal do Salsa Club convidou os organizadores do festival para uma das reuniões de planejamento do carnaval. Foi aí que Gilmar Dantas observou que havia uma lacuna no sábado e o Grito Rock poderia fazer a abertura da festa. “A gente optou por fazer no carnaval por ser uma festa para 16 mil pessoas por dia”, conta Gilmar. “Para a gente é uma oportunidade única na vida que a gente não podia desperdiçar, mesmo tendo aí um prejuízo de 30 dias a menos para poder trabalhar.”

CONTEXTUALIZANDO com o passado:

O carnaval começa a ter algumas manifestações em Vitória da Conquista em 1929 com as festas que os coronéis faziam em suas propriedades. Eram festas privadas, mas que representavam o programa cultural para as pessoas daquela época. Com o tempo as festas foram tomando corpo e foram para as ruas, como ocorreu em diversas outras cidades brasileiras, mas é na década de 1980 que o Carnaval de Conquista tem seus anos de maior expressividade e seus melhores registros. Essa década também foi quando a cidade parou de incentivar essa festa popular e o Carnaval deixou de existir oficialmente (1989), dando lugar a uma outra festa, também muito bem memorada: a Miconquista.

Os blocos eram em maior número e surgiam com uma certa espontaneidade. Além disso, Conquista possuía uma escola de samba que desfilava nas ruas todos os anos e cerca de 18 bandas afropercussivas. Havia ainda espaço para a criançada e para as fantasias. O arquivo municipal de Vitória da Conquista cedeu para nossa reportagem os registros fotográficos feitos no auge da década de 1980, que podem contar um pouco dessa história visualmente.



Cultura, Vitória da Conquista

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