Tome Nota Parte 1: Terra em Transe!

Por Mariana Kaoos

Olá queridinhos. Trago notícias quentes: Em tom profético e escancarado eu, Mariana Kaoos, essa jornalista que vos fala, afirmo com veemência que é chegada a vigésima quinta hora. É tempo de degelar os pensamentos, as práticas cotidianas e perceber, observar, se atentar, analisar, se permitir, chegar junto, consumir e aceitar, de braços escancarados, as boas novas que aparecem diante de nós. A primavera se aproxima e, com ela, a promessa de um possível despertar de consciência. Fiquem atentos a tudo que vos cerca: às praticas, à linguagem, às intenções vis, os pensamentos, os interesses, às perdas, os ganhos, os inicios, os fins e, principalmente, os meios. Que protagonizemos, pois, em todas as possíveis esferas existenciais, a mudança, o equilíbrio e o avanço das nossas crenças, das nossas lutas. Sem parcimônia: o palpável é agora. O inverno vem chegando ao fim. É preciso nos prepararmos para, muito em breve, virarmos flor.

Eu sei que o mundo é um fluxo sem leito e é só no oco do seu peito que corre um rio:

tome nota 1 caro

De dois em dois em dois anos, políticos, das suas mais distintas esferas e categorias, participam de campanhas para concorrer a cargos públicos. Dentre os diversos suportes de comunicação, os jingles, executados arduamente em carros de som, são utilizados por absolutamente todos os candidatos, objetivando chegar à comunidade de uma maneira simples, direta e alienante. Aqui em Vitória da Conquista o preço médio para tal prática varia entre cem e duzentos reais. O carro roda geralmente em um ou dois bairros, num período entre quatro e oito horas, no repeat exaustivo dos jingles. Acordamos, almoçamos, tomamos banho, estudamos, vamos dormir acompanhados por essas músicas infernais que enchem o saco de qualquer um.

Para quem ainda não se atentou, a composição dessas canções nunca apresenta as propostas dos candidatos. Sua estrutura vem recheada de adjetivos, expressões como “homem do povo”, “gente que faz”, “político da mudança”, “é tempo de transformar”, “para continuarmos crescendo” e por aí vai. Suas melodias, pobres em arranjos, notas e instrumentos se desenvolvem em uma batida fixa e viciante, geralmente tendendo para o gênero do forró ou do pagode baiano. Ou seja, quando menos percebemos, estamos cantando, reproduzindo no automático os jingles políticos e, com isso, introjetando, passando a crer em uma mensagem que nem sempre é verdadeira, honesta. Queridos, fiquem atentíssimos a isso e saibam que mais importante do que o emprego de adjetivos em músicas frenéticas são os verbos e substantivos inseridos nos projetos políticos apresentados (quando apresentam) por esses candidatos. Em tempo de eleição, para a sanidade mental, recomenda-se a utilização de fones de ouvido!

Quem fala que eu sou esquisita hermética

É porque não dou sopa estou sempre elétrica

Nada que se aproxima nada me é estranho

Fulano sicrano beltrano

Seja pedra seja planta seja bicho seja humano

Quando quero saber o que ocorre a minha volta

Eu ligo a tomada abro a janela escancaro a porta

Experimento invento tudo nunca jamais me iludo

Quero crer no que vem por aí beco escuro

Me iludo passado presente futuro urro

Reviro balanço reviro na palma da mão o dado

Futuro presente passado

Tudo sentir total

É chave de ouro do meu jogo

É fósforo que acende o fogo

Da minha mais alta razão

E na seqüência de diferentes naipes

Quem fala de mim tem paixão (Wally Salomão)

Mas agora eu também resolvi dar uma queixadinha, porque eu sou um rapaz latino americano que também sabe se lamentar:

Segundo informações da Wikipédia a definição do termo barganha se apresenta como: “o ato de trocar, de forma fraudulenta ou não um objeto por outro.

Desde que o sentido de propriedade privada foi estabelecido pela sociedade, o conceito de comércio e o escambo foram instituídos; então, numa espécie de ‘chantagem’, todos barganham objetos por outros objetos ou por vantagens.

Em alguns casos, a barganha é simples componente psicológico em que através de pressão emocional consegue-se que uma determinada atitude seja tomada ou uma vantagem seja conseguida.

Bom, aqui na nossa Vitória da Derrota, o espaço em que a barganha é mais exercida é dentro das produções culturais. Público de um modo geral, amigos (para nossa grande decepção) e até mesmo (pasmem vocês) alguns pseudo artistas e produtores tem o terrível habito de menosprezar a importância dos eventos artísticos e quererem negociar o valor da entrada deles. Às vezes, um preço irrisório, como foi o caso da prévia do Putetê ocorrida na tarde desse ultimo domingo (que cobrou cinco reais por pessoa) é motivo de chiado e barganha por parte dos frequentadores.

O que esses frequentadores, o que essas pessoas especificas habituadas a barganhar a entrada das produções (mas que não poupam dinheiro no cigarro, na cerveja e em outras coisitas mais) parecem se esquecer é que elas exercem profissões, ocupam cargos de trabalho para garantir a sua subsistência através da renda financeira exatamente igual a quem? Quem? Quem? Quem? Isso mesmo, exatamente igual a nós, produtores culturais da cidade.

Partindo do pressuposto de que nós temos espaço para fazer com os outros o que eles fazem conosco, sugiro que, a partir de agora, todas as pessoas, mas absolutamente todas as pessoas mesmo que mexem com cultura não aceitem mais nenhum produto pelo valor que é cobrado nele. Vamos barganhar no comércio, nas lojas de supermercado. Vamos barganhar com os advogados, os professores, assistentes técnicos, psicólogos, médicos. Vamos barganhar com todos eles porque todos eles barganham com a gente.

E ora pois, se o valor da cultura pode (e para alguns TEM que) ser levado de maneira leviana, acredito que o restante dos serviços e dos profissionais que compõem a nossa estrutura social também podem ser encarados nessa perspectiva, concordam? Não é a primeira vez que escrevo sobre isso e nem sou a única a reclamar. O engraçado disso tudo é a hipocrisia e a contradição em, de um lado, reclamar aos quatro ventos da falta de opções culturais na cidade e, de outro, não querer pagar por elas. Bom, existem certas coisas que quando não mudam por bem, precisam mudar por mal. Que agora seja olho por olho e dente por dente. Vamos todos barganhar!

um dia depois do outro

numa casa abandonada

numa avenida

pelas três da madrugada

num barco sem vela aberta

nesse mar

nem mar sem rumo certo

longe de ti

ou bem perto

é indiferente, meu bem

 

um dia depois do outro

ao teu lado ou sem ninguém

no mês que vem

neste país que me engana

ai de mim, Copacabana

ai de mim: quero

voar no concorde

tomar o vento de assalto

numa viagem num salto

(você olha nos meus olhos

e não vê nada –

é assim mesmo

que eu quero ser olhado).

 

um dia depois do outro

talvez no ano passado

é indiferente

minha vida tua vida

meu sonho desesperado

nossos filhos nosso fusca

nossa butique na augusta

o ford galaxie, o medo

de não ter um ford galaxie

o táxi, o bonde a rua

meu amor, é indiferente

minha mãe, teu pai a lua

nesse país que me engana

ai de mim, Copacabana (Torquato Neto)

E no centro da própria engrenagem, inventa a contra mola que resiste:

 

Sabe o que? Aqui em Vitória da Conquista temos uma profusão de artistas gabaritados, de altíssimo nível e qualidade. Músicos, especificamente. Compositores, interpretes, instrumentistas, maestros, enfim, criadores e criaturas dotados de grande sensibilidade e valor artístico. E como a valorização e incentivo da cultura pelos poderes público e privado aqui na cidade é pífia, bom, para os nossos músicos da região só restam duas saídas de sobrevivência: ou trabalham em outra área que possa garantir-lhes uma renda fixa e fazem arte por diversão, ou se matam, se esfolam por inteiro, marcando shows em dois, três, quatro bares num mesmo dia e exaurindo assim o principal instrumento de seus trabalhos: suas vozes.

E olha, nós, amantes frequentadores de bares e botecos da cidade, que estamos lá para nos divertir, ainda temos mania de ficar pedindo música atrás de música e, de quebra, achamos ruim, quando, depois de mais de três horas, os músicos param de tocar. Pegando emprestado um verso de Belchior, para além da cerveja, da paquera e das risadas em mesa de bar, “a vida realmente é diferente, quer dizer, ao vivo é muito pior”.

dolar

Os bares de Vitória da Conquista pagam entre 150 e 200 reais por três horas de show, com um intervalo de vinte minutos e uma cota mínima de consumação. O transporte para o músico chegar ao local fica por conta dele. Como bem sabemos que percussão, bateria e outros instrumentos enobrecem o som, dificilmente vemos, hoje em dia, apenas um cantor de voz e violão. Ou seja, esses 150 reais é divido entre o número de músicos presentes. Se for uma banda com quatro componentes, por exemplo, cada qual trabalha por três horas para ganhar 37 reais e cinquenta centavos. O nome que damos para isso? Além da completa falta de valorização do profissional cultural, eu não hesitaria em me utilizar da palavra prostituição. Isso mesmo, prostituição da cultura por sobrevivência. E isso não atinge só aos músicos, mas aos produtores, artistas das áreas do teatro, cinema, literatura e até nós, jornalistas.

2 microfone

Que a arte é (e sempre foi) relegada a um papel inferior na sociedade brasileira e seus profissionais, quando não correspondem ao perfil exigido pela indústria cultural, se submetem a condições vergonhosas para trabalhar e sobreviver isso nós já sabemos. A grande novidade é que, ao que tudo indica, aqui em Conquista a perspectiva é de que ocorram mudanças, pelo menos no eixo musical. Semana passada foi criado um grupo no Whatsaap de músicos da cidade que tocam em barzinhos. Um total de 256 participantes.

Em meio a inúmeras pautas elencadas pelos profissionais, duas ganharam destaque: a necessidade da classe se unir em prol da valorização e reconhecimento dos mesmos e a discussão em torno da duração dos shows e do valor de cachê a depender do evento. Levantou-se a possibilidade de criação de um sindicato dos músicos, mas isso, assim como outras questões serão discutidas na primeira reunião deles, que provavelmente ocorrerá na noite dessa terça-feira, 23, às 20 horas, no Canto do Sabiá.

Preciso falar da magnitude que é esse levante, esse despertar de consciência dos músicos conquistenses? Acho que não. Contudo, preciso aqui deixar posto, além de todo meu apoio a eles, um pedido e um desejo de que outros profissionais da cultura (e nós, jornalistas) que transitam em áreas distintas possam se mirar e tomar como exemplo essa união dos músicos de barzinhos e começar a compreender a necessidade da união e da luta por nós mesmos e, acima de tudo, pela cultura brasileira. Se alguma coisa pode começar a ser pensada, transformada e mudada, isso tem que ser desde já. Todos nós, juntos, com voracidade e precisão. Nosso tempo é agora!



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