Primeira edição do retiros autorais é um sucesso em Vitória da Conquista

Por Mariana Kaoos

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

Amores, vocês já pensaram como nós, seres humanos, temos o hábito de criar planos estáveis para a nossa existência? Acreditamos, ou nos iludimos, que as coisas boas, permanecerão da mesma maneira e continuamos ali, tocando o barco sempre na direção leste. Aí vem o vento, vem a vida e muda tudo. Muda tudo porque o destino é algo mesmo instável. Navegamos à deriva por algum tempo e ficamos receosos, cabisbaixos com o próximo momento. Há de se ter coragem de seguir em frente! Ainda com o olhar meio turvo, aos poucos, vamos encontrando novos cais e atracando neles a fim de explorar outras terras e gentes e amores e surpresas.  É nesse instante preciso que percebemos que o amanhã também pode (e deve) ser bom e que, assim como dizia Drummond, “as coisas findas, muito mais que lindas, estas ficarão”.

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

Para descrever a noite dessa última quinta feira, 28 de abril, me utilizo não só de Drummond, mas de outros poetas e compositores como Fernando Pessoa, Vinicius de Moraes, Caetano Veloso. “Navegar é preciso, viver não é preciso”. Ou “a vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”. Ou ainda “nova vida vem do novo mar”. Sim, me aposso dessas três máximas para lhes falar um pouco do que foi a primeira edição do Retiros Autorais, com Achiles Neto e Ana Barroso.

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

Como contei anteriormente, Retiros Autorais é o mais novo projeto do nosso queridíssimo Achiles, em parceria com o Coletivo Suiça Bahiana. Essa edição piloto ocorreu lá no Teatro Municipal Carlos Jehovah e foi um estouro. Digo, a primeira coisa boa da produção é que ela disponibilizou apenas 150 ingressos. Bem sabemos que, apesar de charmoso e salvador da pátria, o Carlos Jehovah não comporta um mar de gente e, quando assim o faz, isso acaba interferindo na qualidade das apresentações, na performance do artista e na comodidade do público. Sendo assim, colocar um número limitado de pessoas foi de extrema sensibilidade, respeito e inteligência por parte da produção. Visivelmente, percebeu-se que a qualidade foi sobreposta à quantidade.

Segunda coisa maravilinda: Achiles está diferente. Ainda não sei explicar no que exatamente, mas o nosso poeta anda com um olhar mais leve, uns gestos mais fluidos, um sorriso mais límpido. Acredito eu que isso se deva às novas parcerias que sempre nos tiram do lugar comum e, a partir da troca, nos fazem explorar diversas percepções cheias de profundidade e encanto. Não, não estou afirmando que se deva descartar tudo o que já foi feito, esquecer os amigos e parceiros de outrora e só pensar no que vem. O que aqui deixo posto é que essa renovação precisa acontecer porque, além de saudável, ela modifica, interfere e acrescenta encantos nas nossas poesias cotidianas. Sendo assim, na quinta feira, vi um novo Achiles. O mesmo Achiles de sempre, mas, um novo, com aquele ar de marujo matreiro que tem sede de mundo e mar.

Terceiro e não menos importante ponto: A convidada do espaço, Ana Barroso, é um escândalo. Mulher forte, sensibilíssima, irônica, engraçada, altamente subjetiva, misteriosa, inteligente e sagaz. Em toda a apresentação, Ana falou quando tinha que falar, calou-se nos instantes precisos, deixou a plateia boquiaberta com suas composições e, mais ainda, com as notas que a sua voz conseguiu alcançar. Não sei se por uma memória afetiva de outras navegações, mas ao ouvi-la me lembrei muito de Ceumar e Cumadre Fulozinha, dois grandes nomes da nossa música popular brasileira. Mas assim, apenas me lembrei, viu?! Apenas me lembrei porque Ana é diferente. Ela é nossa. E fala da gente e do nosso céu e do nosso povo e das nossas vidas.

Uma das canções apresentadas, Alumiá, foi feita em parceira com seu pai, o Secretario de Cultural da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista, Nagib Barroso. E o que dizer de Alumiá? Bom, eu fiquei extremamente emocionada com a delicadeza e cuidado de se falar do cotidiano na composição. De coisas que, por vezes, nos passam despercebidas e que, se observadas de perto, são de uma riqueza infinda e alegria profunda. Acredito, pela expressão do público, que não só eu tenha ficado dessa maneira, extasiada e impactada com a presença de Ana em palco.

Não só de Ana. Durante toda a apresentação, ficou escancarado a sintonia dela com Achiles e de Achiles com o guitarrista Thiago Menezes. Os três funcionaram muito bem juntos e riram, tocaram, cantaram, fizeram piruetas musicais e encantaram a plateia. As canções apresentadas, meu Deus, foram de um requinte que só. O que me deixa feliz, pois só reafirma a minha ideia de que aqui em Vitória da Conquista nós temos artistas de excelentíssima qualidade e que precisam ser ainda mais valorizados através de políticas públicas municipais e apoio do empresariado privado. Porque, para mim, é ótimo tê-los aqui. Contudo, acredito que os três precisam navegar Brasil a fora e mostrar um pouco da nossa terra e de nossas vidas através de seus trabalhos. Ouso dizer que isso é de muitíssima importância. Muitíssima importância não porque Achiles, Thiago e Ana precisam conhecer o Brasil, e sim porque o Brasil precisa conhecer Achiles, Thiago e Ana.

O show teve um atraso de mais de meia hora para começar, no entanto, após a sua finalização, ouvi muita gente afirmando que valeu a pena o tempo de espera. Eu concordo também, mas ainda acredito que precisamos nos educar, artistas e públicos, para sermos pontuais com o que nos propomos a fazer. Isso está diretamente ligado ao respeito e seriedade cultural.

Bom, no mais, diversos encontros aconteceram por lá: Fillipe Sampaio, Larissa Caldeira, Isadora Oliveira, Lys Alexandrina e mais tantos outros artistas estiveram presentes reconhecendo, valorizando e aplaudindo o Retiros Autorais que, de longe, foi uma das coisas mais gostosas que nos aconteceu nesses últimos tempos. A perspectiva é de que mais edições rolem de agora em diante e que Achiles continue nos surpreendendo com a sua simplicidade e grandeza de poeta. Viva longa ao projeto!



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