Cultura conquistense: Ítalo Silva é prestigiado no show Beta Bethânia

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Por Mariana Kaoos

O Teatro Municipal Carlos Jehovah não coube de tanta gente que foi para prestigiar o show intitulado Beta Bethânia. Ítalo Silva, um dos mais incríveis intérpretes conquistenses, finalmente decidira homenagear a grande musa brasileira
O Teatro Municipal Carlos Jehovah não coube de tanta gente que foi para prestigiar o show intitulado Beta Bethânia. Ítalo Silva, um dos mais incríveis intérpretes conquistenses, finalmente decidira homenagear a grande musa brasileira

Outono/inverno de 1946. A cidade era Santo Amaro da Purificação e um dos mais tradicionais casais do local estavam para ter mais um filho. Eram Seu Zezinho e Dona Canô Veloso. Já tinham tantas outras crianças em casa. Mabel, Rodrigo, Caetano. Esse último, inclusive, se consternou tanto com a gravidez da mãe que pediu para colocar o nome da criança. Se fosse menina, ele queria que ela se chamasse Maria Bethânia, em homenagem a um bolero famoso na época, cantado por Nelson Gonçalves e que tinha justamente esse título. Seu Zezinho então decidira fazer um sorteio. Colocou várias opções de nomes num papel para escolher apenas um. O sorteado seria o nome do bebê. Segundo relatos do próprio Caetano no seu livro Verdade Tropical o pai colocara Maria Bethânia em todos os papeis, para agradar o filho. A bem da verdade é que tendo colocado ou não, esse fora o nome sorteado e em 18 de junho de 1946, Dona Canô dera a luz a uma menina que, dia após, fora batizada justamente com esse nome.

Verão de 2004. Os dias eram ensolarados e o reencontro para curtir a temporada, mais uma vez, seria em Ilhéus. Ou melhor, no condomínio Mar E Sol, que fica localizado exatamente na estrada que vai dar em Itacaré. A família já estava reunida. Tias, avós, mães, primos, agregados e afins. A vizinhança já estava completa e o encontro de capoeira, que ocorre anualmente por lá, já dava as boas vindas. O azul celestial nos saudava a cada manhã e o mar nos proporcionava ondas e brincadeiras e sorrisos. Seria um verão bonito e cheio de surpresas como todos os outros verões. Seria também um verão sem grandes expectativas, como os mesmos outros verões anteriores, exceto por um detalhe: foi nele que em minhas mãos chegou, pela primeira vez, um dvd de Maria Bethânia.

Sim, eu conhecia o nome dela de outros momentos, mas, até então, nunca tinha me interessado em escutá-la. Foi num dia de calor e preguiça (provavelmente num domingo) em que tudo aconteceu: eu não queria ir para a praia e fiquei sozinha em casa. Olhei para a estante e vi uma pilha de DVDS que variavam entre filmes e musicais. Um em especial tinha me chamado a atenção. A capa era de uma índia com os seios de fora, um grande penacho na cabeça e uma onça logo ao seu lado. No meio da imagem estava gravado o nome Brasileirinho e, mais para a esquerda, em letras garrafais, o nome de Bethânia. Coloquei o DVD para rodar e vi uma senhora de cabelos cheios e saia colorida a me pronunciar palavras antes nunca conhecidas. Era Kalunga, Aroni, Kawo Kabiescile, Cabocla Jurema, dentre tantas outras particularidades. Desse dia em diante, passei o resto do verão assistindo o DVD e aprendendo as músicas e me apaixonando, pouco a pouco, pela cantora em questão e pelo novo universo que se descortinava em minha frente.

O verão acabou e eu retornei à Vitória da Conquista. Como na época não possuía um aparelho de DVD em casa, comprei o Brasileirinho em disco. Não senti a mesma sonoridade, a mesma sensação de vida pulsando na veia, como sentira antes. Resolvi escrever uma carta. Procurei o email de Bethânia, entrei em contato com a Biscoito Fino (sua gravadora) e resolvi mandar por lá. No auge dos meus quatorze anos de idade, não obtive resposta alguma da cantora, mas iniciei ali a minha admiração e eterna paixão por ela.

Outono de 2014. Transitando aqui e ali pelos bares e esquinas de Vitória da Conquista, numa tarde de outono, porém, de muito calor, acabei parando no Kina de Massu para comer um caranguejo e ouvir alguns amigos tocarem. Quem se apresentaria na ocasião era Marlua, acompanhada de outro músico, Ronaldo Costa. Mas não só. Nesse dia (que por sinal era domingo) Léo Leão também chegou junto e o lindíssimo Ítalo Silva. Bebemos cachaça, cantamos Elis e falamos de poesia. Ao fim da tarde, seguimos andando para comer alguma. Nesse percurso, entrei numa discussão ferrenha com Ítalo sobre as grandes intérpretes do Brasil. Ele me contou da sua paixão por Elis Regina e por sua admiração por Gal. Eu, em contrapartida, citei Nara Leão e Astrud Gilberto. Lembramos também dos novos nomes da mpb como Roberta Sá, Mariana Aydar, Céu. Entre um critério e outro, finalmente chegamos a mesma conclusão: a intérprete, sem sombra de dúvidas, era Maria Bethânia.

Chegada da primavera de 2015. Sim, foi ontem. Foi ontem a noite, mas, de tão intenso, poderia ser agora, porque a sensação perdura. O Teatro Municipal Carlos Jehovah não coube de tanta gente que foi para prestigiar o show intitulado Beta Bethânia. Ítalo Silva, um dos mais incríveis intérpretes conquistenses, finalmente decidira homenagear a grande musa brasileira. A Abelha Rainha de Wally Salomão, a filha de Oyá, a irmã de Caetano Veloso, a mais doce bárbara Maria Bethânia.

E, modéstia a parte, o show foi incrível. Alguns problemas ocorridos durante a noite, como o atraso de mais de quarenta minutos e a falha no microfone do cantor, não foram suficientes para inibir a grandiosidade do espetáculo ocorrido. O cenário estava perfeito. No chão haviam folhas e no teto, rosas vermelhas penduradas (o que acabou remetendo um pouco ao cenário do DVD Cartas de Amor, de Bethânia).

Ítalo estava vestido com uma blusa branca e saia estampada. Nos seus braços, além do contregum, haviam pulseiras de todas as cores. Seu cabelo estava cheio e sua postura imponente. Após entrar no meio do teatro de arena, da sua voz saiu a entonação perfeita do Carcará, uma das primeiras músicas que Bethânia gravou, ao substituir Nara Leão no teatro Opinião, acompanhada de Zé Keti e João do Vale, em 1964. Na sequência, ele deu início a uma série de canções que fazem parte dos cinquenta anos de carreira de Maria Bethânia, bem como do imaginário popular.

E, entre um e outro acorde, Ítalo sorriu, conversou, alertou da importância de usarmos instrumentos culturais, como a música, para refletirmos acerca da história do nosso país, bem como do nosso imaginário coletivo. Para ele, o nome Maria Bethânia é sinônimo de brasilidade e, por conta disso, não podemos negar a sua contribuição sonora para o fomento da qualidade artística do Brasil.

Houve muitos aplausos, mas mais ainda, comoção. Acompanhado dos músicos Eurí Meira, Fabio Sharel, Tiago Menezes e Saulo Silva, Ítalo realmente conseguiu fazer com que o público sentisse um pouco da potência do que é Bethânia e, mais ainda, do que é a sua potência enquanto intérprete conquistense.

Manhã de independência, setembro de 2015. Um dia após o show Beta Bethânia, foi possível observar o burburinho das redes sociais e as diversas fotos postadas no Instagram. Se para Ítalo foi de enorme satisfação realizar esse projeto, para a platéia foi quase que um gozo coletivo. Apesar de não possuirmos na cidade espaços com estrutura adequada, possuímos sim artistas que se propõem a falar de suas referências e de si mesmos com extrema seriedade através da música. Em agosto Marlua realizou um show no mesmo teatro em que homenageara Gal Costa. Agora foi a vez de Maria Bethânia cantada por Ítalo. Em novembro, já há a proposta de que Fillipe Sampaio apresente à cidade um espetáculo só com canções autorais. A perspectiva é que cada vez mais os músicos da região tomem iniciativa de mostrar a qualidade dos seus trabalhos, movimentando a cidade e referendando a fama de Vitória da Conquista de ser um verdadeiro celeiro cultural. O público só agradece.



Cultura, Vitória da Conquista

Comentário(s)


3 responses to “Cultura conquistense: Ítalo Silva é prestigiado no show Beta Bethânia

  1. Eu jamais encontrarei palavras de agradecimento adequadas… Muito além de gratidão! Dividir nosso país em versos é um ato de prazer inigualável, de sabor indescritível, de uma delícia sem fim! Eu não poderia me sentir mais feliz nesse momento! Obrigado por tudo, de coração e alma!

  2. Mariana,

    Cada vez mais, ESSA é a sua praia.
    Jornalismo cultural com informação, memória, subjetividade, crítica e o elogio na medida certa, que prenuncia e exige produções artísticas com mais qualidade em Vitória da Conquista.
    Att,

    Dirceu Góes – Jornalista e professor do Curso de Comunicação/Jornalismo da UESB

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