Marlua apresentou seu show “Gal Original” nessa noite de sexta feira: foi fatal!

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Por Mariana Kaoos

Foto: Maria Eduarda Carvalho
Foto: Maria Eduarda Carvalho

Marlua era pequena. Criança. Devia ter por volta de seus seis ou sete anos e morava na rua Eduardo Dalton, em Vitória da Conquista. Sua mãe, dona Tânia Maria, que sempre gostara de dançar, nessa época, tinha mania de pegar a filha para lhe ensinar uns passos de samba. Aí fazia assim: colocava Marlua em cima de seus pés e se remexia toda, para a menina sentir como é que se fazia. Depois, elas se separavam e era a vez de Marlua mostrar, sozinha, se tinha conseguido aprender a remexer direito. As “aulas” de dança duravam horas que mais pareciam pequenos instantes por tamanha descontração, alegria, comunhão e amor entre mãe e filha. Esses momentos eram sempre regados ao som de Gal Costa, mais especificamente com a música Samba Rasgado.

Com o passar do tempo, Gal, que sempre fora uma das grandes musas de Dona Tânia, aos poucos, também virou referencia para Marlua. Mais do que aprender a cantar as canções de Gal, Marlua passou a compreendê-las e projetar-se em todas elas, como se fossem mesmo suas. E, uma vez que feito isso, as canções realmente passaram a pertencer à voz e a interpretação de Marlua. Pelo menos foi o que a cantora demonstrou na noite de ontem, 21, no seu mais novo show, intitulado “Gal Original”.

Foto:  Maria Eduarda Carvalho
Foto: Maria Eduarda Carvalho

O evento, que ocorreu no Teatro Carlos Jeovah, começou com uma hora de atraso e reuniu uma quantidade média de público. Todos estavam ávidos para ver o que Marlua tinha preparado para a noite. Desde antes da apresentação, já era previsto que iriam se surpreender com cada música interpretada. Marlua, muito a vontade, estava descalça, com uma bata branca, cabelos cheios e batom e unhas vermelhas, estilo a Gal da década de 1970, quando possuía um visual mais despojado e impactante. Acompanhada dos músicos Diego Coast, Fábio Sharel e Alex Santos, ela abriu o show com uma versão em blues de Meu Bem, Meu Mal e, embora se dissesse nervosa, demonstrou firmeza e sabedoria no que estava fazendo. A consequência disso foi que não deu outra. A plateia, calorosa, aplaudiu o show do início ao fim.

Uma das pessoas que lá estavam, foi Dona Tânia. Sentada na segunda fileira do lado esquerdo do teatro, ela possuía um semblante tímido e comovido, pelo canto e pelas histórias que a filha contava em palco. E foram várias. A cada intervalo de música, Marlua falou de sua infância, de Gal, de sua mãe e de como isso influenciou na sua formação enquanto ser humano e, mais ainda, enquanto artista. Através das suas palavras, as pessoas que lá estiveram puderam visualizar e, talvez, até sentir um pouco a força dessas duas mulheres, Dona Tânia e Gal, na vida de Marlua e como isso é uma construção bonita e delicada dentro da sua existência.

Sendo assim, o repertório proposto por ela e seus músicos falaram muito mais da sua relação com a mãe e consigo mesma do que propriamente de Gal Costa. Baby, Pérola Negra, No Balancê, Teco-Teco, Esotérico e Lili foram algumas das músicas apresentadas, em novas e dançantes versões, diga-se de passagem. Dos dois últimos trabalhos de Gal, Recanto e Estratosférica, não houve nenhuma música escolhida. Talvez por falta de diálogo com essa nova “versão Gal”, talvez por desinteresse, o que é uma pena, porque ambos os discos, possuem músicas belíssimas dos mais novos compositores brasileiros. Contudo, uma curiosidade acerca do show, é que a maioria das canções retiradas da obra de Gal e colocadas na apresentação pertencem ao período do fim da década de 1960 ao início da década de 1980. Essa foi a fase em que Gal gravou composições de Luís Melodia, Wally Salomão, Torquato Neto, Jards Macalé, Roberto Carlos, dentre outros, e mostrou-se mais intensa, fatal, profana. Gal é tida até hoje como a musa da Tropicália e um símbolo sexual da época. Ela chocava, intimidava e despertava mil formas de desejos em quem a ouvia ou ia conferir seus shows. Numa proporção diferente e um pouco menor, Marlua, lascívia, causou essa mesma sensação na plateia, ontem. Era possível observar na expressão dos presentes, a degustação e o prazer que a voz e a presença de da cantora proporcionavam. Ela estava totalmente entregue e intensa para o momento, para a música e para as pessoas.

O ponto alto da apresentação foi quando, de maneira comovente e dilacerante, Marlua interpretou a canção intitulada “Volta”, de composição de Lupicínio Rodrigues. O ponto baixo, por sua vez, foi a curtíssima duração do show, que não chegou sequer a uma hora e meia. De acordo com ela, havia uma outra apresentação já marcada, para o horário das 22 horas, e, por conta disso, o “Gal Original” precisava chegar ao fim naquele momento. Contudo, há planos para que, muito em breve, ela e Ítalo Silva promovam um show no Carlos Jeová de Gal versus Bethânia, onde ambos irão interpretar canções das duas musas.

O saldo final da noite de ontem foi positivo e satisfatório. Marlua mostrou mais uma vez a potência e a qualidade do seu trabalho enquanto artista e soube reverenciar de forma profunda e respeitosa a obra de Gal Costa e a presença em sua vida de Dona Tânia, sua mãe. Com gostinho de quero mais, o público saiu de lá sorridente e convencido que, de uma maneira ou de outra, Marlua é multi, é várias e que, uma dessas “Marluas”, com toda certeza também é Gal.



Cultura, Vitória da Conquista

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