Tome Nota: A cultura e esquerda conquistense em questão

prates bonfim

Por Mariana Kaoos

Coragem, se o que você quer é aquilo que pensa e faz:

Veja bem, meu bem: Se tem um tipo de literatura extremamente profunda e reflexiva, são as fábulas infantis. Ao contrário de outros gêneros da ficção, as fábulas apresentam ideologias e valores através de uma escrita sutil, sempre se utilizando de elementos como a magia e o poder da crença. É a maneira mais forte e inteligente de prender o público alvo em questão.

Dentro desse universo mágico, existem duas histórias muito bonitas e extremamente impactantes. A primeira é a de Peter Pan, o menino que nunca crescia e vivia suas mais diversas aventuras na Terra do Nunca. Peter é um personagem que apareceu pela primeira vez numa peça de teatro do dramaturgo J. M. Barrie, em 1911. Isso aconteceu em Londres e foi um sucesso total. Posteriormente, rolaram varias adaptações para o cinema mundial.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Já a segunda fábula é conhecida como A História Sem Fim, do escritor alemão Michal Ende. O livro foi publicado pela primeira vez em 1979 e, na década de 1980, ganhou duas adaptações para o cinema (A História Sem Fim 1 e 2). Colocando aqui uma sinopse bem ligeira, a obra narra a história de Bastian, um menino que rouba um livro de uma pequena livraria e começa a lê-lo. E, ao assim fazê-lo, Bastian descobre que o livro está vivo e precisa dele para salvar o reino de Fantasia e a Imperatriz Menina. A partir daí ele entra na história e vive as mais diversas aventuras ao lado de Atreyu e Fuchur, um dragão branco gigante (para quem assistiu aos filmes, ele parece mais um cachorro voador).

Resolvi falar dessas duas histórias porque ambas possuem em comum um valor muito interessante de ser praticado nessa nossa atual conjuntura política e cultural: a crença. Em Peter Pan, toda vez que alguém diz que fadas não existem, uma fada morre. Em A História Sem Fim, pela falta do habito da leitura e, com isso, da descrença na fé e na imaginação, o Nada vai consumindo toda Fantasia e suas terras, até que tudo se acabe no vazio. Ora bolas, apesar desse conceito estar impresso em obras de ficção, ele pode ser visto como um reflexo desses nossos dias, não pode não?

Ao que tudo indica, o poder público municipal de Vitória da Conquista, parece não ter muita crença na nossa cultura local. Sim, você pode me dizer que ele oferece algumas coisas como o concurso Por Isso É Que Eu Canto (que por sinal começa hoje), o Natal da Cidade, o Festival Da Juventude e o Forró Pé de Serra do Periperi. Mas, tirando esses eventos vitrine, e que objetivam muito mais a presença de grupos (bandas, cantores, artistas em geral) nacionais do que muncipais, nada mais há. Aqui não acontece muito estímulo para a produção de cultura local. Porque olha, sem uma política de editais que contemplem os mais diversos eixos culturais, sem um apoio financeiro aos grupos de teatro, dança, música e cinema e sem a estrutura necessária para a apresentação dos mesmos, fica complicado, fica difícil e, por vezes, até inviável pensar e apresentar ao público qualquer produção que não seja nessas datas específicas dos grandes eventos da cidade. Será que é a ameaça do Nada que anda devastando as nossas terras do sertão? Será que, assim como em Fantasia, o vazio vai tomar conta?

Outro setor que parece já não ter mais fé nem imaginação, tampouco crença, é o da nossa esquerda conquistense. Digo isso porque a militância esquerdista é muito precisa: lutamos contra o patriarcado, o machismo, a homofobia, o racismo e assim por diante. Lutamos pela democracia e abolimos qualquer tentativa de retrocesso aos direitos do cidadão, seja a partir da aprovação de novas leis que ferem diretamente a vida das pessoas, seja através de tentativas de golpes. E assim sendo, sendo assim, eu torno a repetir, meu amor: ai ai ai.

Há pouco mais de duas semanas o Coletivo Orgasmaravalha foi impedido de realizar uma festa numa loja maçônica da cidade por homofobia dos proprietários. Na quarta feira passada, dia dois de dezembro, o deputado federal Eduardo Cunha aprovou o pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Diversos veículos de comunicação relataram que isso ocorreu porque o PT anunciou votar contra Cunha, dando continuidade ao processo de cassação do deputado, a partir do Conselho de Ética. Esses dois episódios ferem diretamente os ideais de esquerda. Aqui na cidade temos um bando de organizações políticas de esquerda. Mas cadê elas para se posicionarem sobre esses dois episódios? E olha, eu não estou nem pedindo o famoso beijaço* na porta da maçonaria, muito menos manifestação nas ruas. Uma operação lambe lambe*, uma notinha de repúdio para viralizar nas redes sociais já seria alguma coisa. Já seria uma forma de dizer “oi, estamos presentes e vamos berrar a favor do que acreditamos”. Mas nada disso, absolutamente nada disso foi feito. A esquerda deixou de acreditar? O Nada também vem engolindo seus ideais? Será que o fato de nada estar sendo feito as fadas (que aqui são as ideologias) estão morrendo, assim como na Terra do Nunca?

Onde as fadas sobrevivem e a Fantasia é fértil:

Foto: Maiêeh Sousa
Foto: Maiêeh Sousa

Bom, a notícia boa é que existe sempre outro lado das coisas e é fundamental que possamos enxerga-lo também. Esse outro lado, muito bonito, vem se consolidando aqui na cidade muitas vezes por força de uma atitude pessoal. Quem voa e canta que nem passarinho, e transforma em real suas mais diversas ideias que provém da sua imaginação é o fotografo Sabiá. Semana passada, por exemplo, mais especificamente na quinta feira (03) ele propôs uma noite de degustação de um típico produto regional de altíssima qualidade: a cachaça. Na verdade foram três, a Cravinho do Sertão, Adeus às Pernas e Motor de Arranque. Cada uma com suas especificidades e sabores exóticos. Para completar, ele ainda convidou a cantora Jeh Oliveira para fazer um som maneiríssimo. Achou pouco? Ainda tem mais: Em determinado momento da noite, Sabiá e seu amigo e convidado especial, Landro , subiram ao palco e nos deram uma aula sobre como fazer, como guardar, como misturar os ingredientes e como beber cachaça. Foi uma noite embriagante e cheia de aprendizados.

Foto: Maiêeh Sousa
Foto: Maiêeh Sousa

Quem também tem fé e crença e pratica seus sonhos é Rafael Flores e Ana Paula Marques. Nesse fim de semana eles promoveram o Festival Gambiarra de Música Brasileira. A proposta era de realizar um festival independente só com artistas autorais. E foi bem o que rolou. No sábado, 05, Luiza Audaz, Dost, Grão Bordô e Tabuleiro Musiquim passaram por lá e ofertaram muita música de qualidade ao público.

Foto: Maiêeh Sousa
Foto: Maiêeh Sousa

O segundo dia do festival seria ontem, domingo, 6 de dezembro, contudo, devido a chuva, ele foi transferido para o próximo domingo, 13 de dezembro.  Isso é de uma importância extrema para a cultura de Vitória da Conquista porque mostra que existem pessoas preocupadas com ela e a fim de remexer, misturar, sacolejar, produzir e apresentar novos formatos e novas ideias.

Foto: Maiêeh Sousa
Foto: Divulgação

Politicamente falando, também há quem se movimente. Após o término da Primeira Escola de Formação Feminista Maria Rogaciana, as meninas do núcleo da Marcha Mundial das Mulheres continuaram com todo o gás. Semana passada teve reunião e, dela, diversas demandas para serem construídas e apresentadas na cidade. Rolou oficina de fanzine, confecção de varal-denuncia e até oficina do Teatro do Oprimido. Nesse sábado, algumas representantes da Marcha compareceram ao colégio Adélia Teixeira para um debate sobre o parto humanizado. Iguais a rapadura, as meninas aqui são doces, mas não são moles não. Tudo indica que essa semana haverá mais algumas intervenções em pontos da cidade a fim de sensibilizar as pessoas quanto aos ideais feministas e suas batalhas. São mulheres fortes, empoderadas e cheias de certezas de si mesmas. O trabalho que elas vêm realizando em Vitória da Conquista é fértil e preciso. Certamente que é muito por elas que “as fadas” continuam a existir.

E tem muito mais. Temos guerreiros e guerreiras que lutam diariamente contra o Nada, a fim de entrar em confronto com o vazio e sair da batalha vitoriosos. Temos André Cairo, Euri Meira, a produção da Xcania, Ítalo Silva, Larissa Caldeira, Marlua, Trio Curimã, Rodrigo Freire, George Neri, Maieh Sousa, Luiza Audaz, Fillipe Sampaio, Saulo Silva. Temos Maria Eduarda Carvalho, Eleuza Câmara, Dani Libarino, Igor Barros, banda Crua, Dona Iracema, Dost, Pedro Ivo, Gilmar Dantas, Complexo Ragga. Temos Gilsergio Botelho, Rudival Maturano, Alexandre Xandó, Guilherme Ribeiro, Joice Caires, Bruno Leituga, Arisson Sena, Esmon Primo, Otávio Henrique, Rodrigo Ferraz, Paulo Mascena, Vinicius Gil, Jeanne Marrie, Rogério Luiz, Alberto Marlon e vários outros que “no centro da própria engrenagem inventam a contra-mola que resiste”.

Na História Sem Fim, Bastian nos mostra que o grande segredo de manter as coisas vivas, que o poder de cura está na imaginação e, portanto, é preciso exercita-la, estimula-la para que, através dela, novas percepções, novas ideias possam brotar. Em Peter Pan, o menino que nunca cresce nos ensina do poder que é acreditar em nossos sonhos e em nós mesmos. E, uma vez crendo, é possível voar, é possível transformar tudo ao nosso redor e preencher o vazio, o nada, com ideais, sensações, provocações, questionamentos e valores imprescindíveis para a existência humana. Que os protagonistas e que os consumidores da cultura e da política de Vitória da Conquista possam, cada vez mais, desejar, imaginar, crer no poder de transformação que esses dois aparelhos proporcionam. Que essas mesmas pessoas possam, acima de tudo, lutar por isso, ocupar, revolucionar, trazer a responsabilidade para si, a fim de que o Nada não passe a vigorar nessas nossas terras do sertão. Eu, Mariana Kaoos, acredito em fadas!



Cultura, Política, Vitória da Conquista

Comentário(s)


4 responses to “Tome Nota: A cultura e esquerda conquistense em questão

  1. Fiquei muito lisonjeado pela citação, ainda que faça pouco na minha posição de produtor de arte. Faltou você ali no meio. Nós às vezes ficamos “cada um no seu quadrado” e acabamos não prestando atenção no que acontece à nossa volta. A sua visão holística é diferenciada, é original e necessária demais. Opiniões assim nos dão força; fadas nascem em mim com textos assim. Sempre fantástica, aquele beijo.

  2. Em um texto cheio de pedaços remendados que fazem lembrar o monstro do Dr. Frankenstein, questiono sobre o posicionamento da cultura que foi mencionado. Como manifestação livre da sociedade, por que a cultura deveria esperar a iniciativa do lobo-mau ao invés de caminhar livremente pelo bosque?

  3. Algo que sempre me deixou curioso e saber quanto do orçamento da cidade e efetivamente investido em cultura.

    Não me surpreenderia se o montante não chegasse a 1% do orçamento municipal.

    A cidade carece de espaços culturais. não há um teatro digno do nome nestas terras.

    Alguns, com muito disprendimento, ainda lutam. Ainda há esperança.

  4. eu vi e aprendi como se fala das coisas de verdade que acontece nesta City que o povo fala que não nada pra se ver!por tando que foi lá tomou chumbou e se espalhou pela casa e o terreiro e beira de fogueira,ai Mariana tomou seu rumo com as palavras bela e deixou seu regado eu só falo foi muito bom. que uma das cachaças que chama Adeus as pernas se transformou em abri as penas assim foi pra o brejo avante Rodrigo Ferras que te espero lá.

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