Por Mariana Kaoos
Colaboração das fotos: Patrícia Oliveira, Monique Trancoso e Mariana Kaoos
Era noite. Noite escura e com poucas estrelas no céu. O chão, de paralelepipedo, estava todo tomado por fitas, confetes, bem como latinhas de cerveja e bitucas de cigarro. Alice subia a ladeira com um olhar esbugalhado, atenta a todas as informações que a circundava. Logo mais à sua esquerda havia um vendedor de artigos carnavalescos: Máscaras, colares, pulseiras, fantasias de um modo geral. Já à sua direita, barraquinhas de bebida de tudo quanto era tipo. Tinha cravinho, nevada, caipirinha na promoção por cinco reais, cerveja “piriguete” uma é dois e três é cinco, coquetel de frutas e por aí vai. Entre os dois lados e Alice, logo mais na sua frente, o que imperava era o alto contingente de pessoas circulando. Vovós de cabelo branco, crianças fantasiadas, homens com roupas ditas femininas, mulheres com adereços mil nos cabelos, coroas bigodudos e tudo o mais que você possa imaginar. Pareciam umas baratas tontas circulando daqui para ali, de lá para cá, procurando o melhor lugar para que pudessem assistir e curtir a apresentação da noite que se deu através de um grupo chamado Bailinho de Quinta.
Era dia. Meio dia, precisamente. O imperador sol pairava soberano num céu azul turquesa sem nuvens. A Menina Com Uma Flor, que saíra diretamente da poesia de Vinicius de Moraes para virar gente, se emperequetava toda dentro de seu quarto. Penteava os cabelos, borrifava perfume, passava batom. A roupa, já tinha escolhido um dia antes: vestido florido e tênis branco. Ela, a roupa, contrastava com o seu corpo de mulher, embora ainda fosse menina. Uma menina com uma flor. Uma menina com uma flor que estava ansiosa para sair de casa e encontrar as pessoas e sorrir e brincar e curtir o carnaval. A farra seria na Praça da Bandeira, no centro da cidade e a programação meio que uma espécie de carnaval cultural, com bandinhas de sopro e tudo o mais.
Bailinho de Quinta é um grupo musical de Salvador que se propõe a fazer releituras de antigos sucessos do rádio, que eram massificados no período do carnaval. Ou melhor dizendo, para quem tem vó e vô e os escutam relembrar de suas antigas folias, é basicamente aquilo ali. Marchinhas, fantasias, confete e purpurina, gente junta, brincando no salão, na praça, ou onde mais for. Se analisarmos os caminhos que a industria cultural vem tomando nos últimos anos, a proposta do Bailinho é de extrema ousadia, subversão e criatividade. É uma opção que o folião tem de se identificar em uma outra perspectiva e ideologia carnavalesca. Alice já conhecia o Bailinho há alguns anos e, quando soube que eles iriam se apresentar no Pelourinho, e em pleno carnaval, não deu outra: Jogou glitter dourado no corpo e foi, junto com outros dois personagens do País das Maravilhas para lá. Importante ressaltar que os personagens em questão eram o Chapeleiro Maluco e o Coelho, sempre atrasado.
Antigamente, uma das maiores festas tradicionais de Vitória da Conquista era a sua famosa micareta. Trios elétricos tomavam as ruas da cidade e dividiam o espaço com outras opções mais alternativas como o palco do rock e o das marchinhas. As pessoas ficavam polvorosas, a espera do festejo que agitava e abalava as estruturas tanto dos conquistenses, como dos foliões que vinham de fora. Com o passar dos anos houve uma grande decadência da micareta, até o seu fim. Conquista ficou carente da festa, mas não por muito tempo. Acredito que de uns quatro anos para cá, o que brotou na cidade foi uma iniciativa de resgate e promoção de um carnaval cultural. Com apoio da Prefeitura Municipal, bandinhas de sopro e bloquinhos passaram a ocupar as ruas durante o período oficial do carnaval e a população local apostou na ideia e usufruiu da festa. Na tarde de ontem, a Menina Com Uma Flor caminhava pelas ruas da cidade com o intuito de curtir o carnaval. Comprou um algodão doce da cor azul e foi passando pelas casas, prédios e esquinas com um sorriso no rosto. Logo mais, ela iria conferir de perto um bloquinho chamado As Muquiranhas, que faz referencia direta às Muquiranas, de Salvador, onde homens vestem-se de mulher.
Como de esperado, a apresentação do Bailinho foi mesmo magnifica. Alice estava cansada dos outros dias de folia e, por isso, quase não dançou. Contudo, abobalhada com a agitação do público, ela sorriu e se divertiu muito ao lado do Chapeleiro e do Coelho. Cantou junto com os presentes alguns clássicos como Bandeira Branca, Mulata Bossa Nova e Vida Boa. Se emocionou com outros como Chame Gente e Balança o Saco. E, por fim, alcançou uma sensação orgasmática com as participações especiais de Marcela Bellas e Felipe Cordeiro. Algumas constatações sobre o Bailinho permaneceram as mesmas. Uma delas é que, apesar da inegável beleza e do vozeirão de Juliana Leite, a cantora quase que não tem presença de palco. Ela não se solta. Parece mesmo um robozinho que sorri, canta e dança na hora certa. Por outro lado, o guitarrista do grupo, Graco Vieira, tem a pegada de malandro e sabe mesmo como agitar o público. Em determinado momento do show ele pediu que todo mundo fosse para um lado e depois fosse correndo para o outro. Geral acatou o seu pedido e entrou na brincadeira, correndo, pulando e dançando uns com os outros. Dividida entre um papo feminista com o Chapeleiro e os detalhes do momento, Alice, atenta, observava tudo e se entregava à alegria do carnaval.
Ao chegar na Praça da Bandeira, com o sol um pouco mais baixo, a Menina Com Uma Flor se emocionou com o que viu. Lá se encontrava um público hibrido, rico em diversidade, cor e animação. É, ta certo, estava tudo encantador, porém a Menina Com Uma Flor questionou algumas coisas no local como, por exemplo, a falta de propaganda acerca da prevenção sexual durante o carnaval. Pelo menos no espaço fisico onde a festa estava acontecendo, nada havia. Outros pontos também lhe chamaram a atenção: As crianças usavam fantasias de super heróis norte americanos. Na verdade não só elas. O imaginário dos fantasiados sempre percorriam por referências que nada tinham a ver com o folclore, ou até mesmo com o carnaval brasileiro. Por que não se vestir de baiana, ou de Carmen Miranda? Quem sabe um Chacrinha da vida, um saci pererê, algo mais nosso e, por consequência, mais belo e profundo? Questionamentos mil rondavam a cabeça da Menina que, só aos poucos, se incorporou, se entregou ao momento do festejo. Foi mais ou menos nessa hora que o som das Muquiranhas começou.
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