Cultura conquistense: Saiba como foi a terceira edição do Retiros Autorais

Por Mariana Kaoos

Fotos: Amanda Nascto
Fotos: Amanda Nascto

Ser humano é mesmo uma coisa profunda e complexa. Cada qual, cada um de nós, mulheres, homens, crianças, idosos e assim por diante, temos uma maneira muito própria de perceber e sentir o universo ao nosso redor. Há os que almejam segurança, estabilidade, certeza. Qualquer possibilidade de risco, de exaltação, faz com que essas pessoas percam o tino e se atordoem.

Por outro lado, há também os que procuram na vida capturar todos os possíveis momentos de transcendência. Estão atentos a tudo, querendo engolir o mundo de uma só vez. Se jogam no próximo instante e abrem os braços para as surpresas do destino, ou acaso, como melhor preferirem. Dentre as infinitas possibilidades de ser um ser humano, a que eu mais me identifico é com a perspectiva do devir pela intensidade.

autorais 3

Digo, compreender e experienciar as coisas, as pessoas, as cores, a existência de forma intensa. Isso mesmo. Na base do oito ou oitenta. Se permitir sentir aos extremos. Acredito que ao tempo em que isso gera certo tipo de desgaste, por outro lado, também provoca momentos mais profundos e reais. Pelo menos em mim. Após optar por esse caminho, aprendi, aos poucos, a lidar com as extremidades. A bem da verdade é que o que me tira do eixo e me deixa sem reação são as coisas mornas.

autorais

Não sei ao certo como compreender e digerir as coisas mornas porque elas são insossas. Incolores, inodoras e insossas. Podem até provocar certa felicidade ou tristeza, satisfação ou descontentamento, contudo, as coisas mornas não possuem a capacidade de nos, de me tirar do meu cômodo e estático lugar. É como se eu permanecesse ali, parada e, portanto, é como se ela, a coisa morna, fosse incapaz de provocar exaltação à vida e movimento.

Estou falando disso porque fui conferir na noite dessa última quinta feira, 04, a terceira edição do Retiros Autorais. Já disse algumas outras vezes, mas posso repetir: O Retiros Autorais é um projeto idealizado pelo cantor e compositor Achiles Neto em parceria com o Coletivo Suiça Bahiana. A proposta, interessantíssima, por sinal, é de produzir um espaço intimista, no Teatro Municipal Carlos Jehovah, onde Achiles possa convidar outros artistas e dialogar em repertório, narrativa e poesia com eles.

Na primeira edição a convidada especial foi a cantora e atriz Ana Barroso. Já na segunda edição, Achiles dividiu o palco com Marcia Castro. Nessa quinta feira, quem se apresentou ao lado de Achiles foi seu parceiro de outros projetos (dentre eles o CAIM), o cantor, instrumentista e compositor Marcus Marinho.

Bom, se me pedissem que descrevesse a terceira edição do Retiros em uma só palavra, certamente que eu não iria hesitar em me apropriar do adjetivo “morno”. Morno. Apenas morno. Nem bom, nem ruim, morno! Creio que justamente por isso me tenha sido tão difícil poder escrever essa matéria opinativa.

Não assisti a segunda edição do projeto, mas fui na primeira e, fazendo um comparativo da performance e presença de Achiles em cena, afirmo com precisão que nessa terceira edição ele estava bem menos voraz. Logo no fim do show ele justificou, inclusive, que estava doente e não conseguia mais cantar. Já era o momento do bis e, portanto, não foi uma grande perda para o público. Contudo, desde o início Achiles não demonstrou tanta vivacidade, nem mesmo empolgação. Dentre as inúmeras canções contidas no repertório (que foi um misto de antigas e novas maravilhosas composições) quase nenhuma delas foi interpretada com aquela entrega e paixão que geralmente vemos no cantor. Foi bonito, mas foi morno.

O convidado de honra, por sua vez, passou à plateia mais alegria e satisfação em estar ali. Marcus falou um pouco dos seus novos projetos e apresentou algumas de suas mais recentes músicas. Em determinado instante, ele e Achiles dividiram o palco e entoaram juntos algumas de suas mais famosas parcerias pertencentes ao Caim. Ah, importante frisar que no fim do show Jhonny Ranks, um dos vocalistas do grupo Complexo Ragga fez um freestyle em uma das músicas de Marcus. Para mim esse foi o ponto alto do show e o momento de maior intensidade, onde parte do público levantou-se para dançar.

Outra peculiaridade dessa edição é que, diferentemente das outras duas vezes, o teatro não obteve lotação máxima. Acredito que por conta da profusão de opções para este final de semana. Se para a produção esse fato não é tão favorável, para o público é mais confortável, já que passa a haver mais espaço e comodidade para o mesmo.

De qualquer forma, foi bom ter visto Achiles e Marcus juntos novamente em palco. Acredito que para quem vinha seguindo o trabalho dos dois, foi explicito já não haver a mesma cumplicidade e entrosamento de antes. Porém, a profundidade e relevância da parceria e do trabalho que ambos desenvolveram e ainda desenvolvem é inegável. Talvez tenha sido mesmo preciso que, NESSE momento, o Caim desse um intervalo para que, quem sabe, num futuro próximo, ele volte mais revigorado e intenso.

O Retiros Autorais vem sendo uma das produções mais bacanas ocorridas em Vitória da Conquista nos últimos tempos. Primeiro porque ele ocupa um espaço de exímio valor para a cidade que é inclusive o único teatro que temos em funcionamento atualmente. Depois porque é incontestável a qualidade cultural do trabalho de Achiles. Sem contar que é interessantíssimo abrir espaço para que haja um dialogo de artistas e público. Além de desejar vida longa ao projeto, desejo também que nas próximas edições Achiles possa recuperar sua voracidade em palco e nos deixar, publico fiel e seguidor de seu trabalho, extasiados, vivos e com a sensação de movimento.



Cultura, Destaques, Vitória da Conquista

Comentário(s)