Tome Nota: Caetano Veloso, Rua Chile a polêmica do Aquarius Gourmet e muito mais…

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Por Mariana Kaoos

Hello, my friends! Tudo bem com vocês? Comigo vai tudo como tem que ser: Divino, maravilhoso. Tenho tido dias calcados na qualidade S da coisa: recheados de surpresas, saudades e sorrisos. Mas não só. Nesse outono irregular, que mais anda se mascarando de verão, tamanho sol e calor que pairam todos os dias, decidi revisitar algumas obras do passado. Digo, não tão bem do passado, já que elas ainda possuem a capacidade de traduzir o instante preciso.  Uma dessas obras, em especial, pertence ao meu querido, amado, idolatrado, salve salve,  Caetano Veloso.

É um disco do ano de 1977, intitulado Muitos Carnavais. E como o título sugere, ou melhor, como o título explicita de maneira escancarada, Muitos Carnavais é um compilado, uma coletânea de marchinhas, sambinhas, frevos e composições saborosas acerca do universo carnavalesco baiano. Com exceção de duas faixas, Hora da Razão ( J. Luna, Batatinha) e Guarde Seu Conselho (Luis de França, Alcebíades Nogueira), todas as músicas tem um dedinho delicia de Caê no meio. Algumas delas foram fortemente consagradas e difundidas. Ora, quem nunca cantarolou por aí Chuva, Suor e Cerveja, A Filha da Chiquita Bacana e Atrás do Trio Elétrico? Certamente, só quem já morreu!

De todas as músicas pertencentes ao Muitos Carnavais, uma das minhas preferidas se chama Deus e o Diabo. Uma marchinha bem cremosa que fala da vinda do carnaval na Bahia e no Rio de Janeiro. Em determinado trecho da canção, Caetano faz uma referência direta a um dos lugares, alias, ouso dizer que ao lugar mais importante do carnaval baiano (na década de 1970). Construindo uma métrica e narrativa sagaz, ele coloca esse tão importante lugar como a Passargada para Manuel e Itapuã para Vinicius, ou seja, como o espaço em que tudo é possível já que ele é a própria consumação do paraíso. A fim de tranquilizar a todos nós, amantes do carnaval, Caetano nos afirma em acalanto: “Não se grile, a Rua Chile sempre chega pra quem quer”.

Não entendeu? Qual é, qual é, qual é, qual é. Para quem não sabe, a Rua Chile já o foi berço cultural da nossa Cidade da Bahia. Ela fica ali, bem pertinho da Praça da Sé. Seus prédios, antigos e charmosos, já viram muita, mas muita coisa mesmo, ao longo de todos esses anos. O melhor do carnaval acontecia por ali. Era o desbunde, o deboche, a fantasia, a alegria, os encontros. Também pudera! A Rua Chile liga a Praça Castro Alves até a Praça da Sé, lugares por onde os trios elétricos passavam na década de 1970. Quem é dessa época, sempre fala de uma maneira saudosa e apaixonada das apresentações de Moraes Moreira, do desfile dos Filhos de Gandhy, do encontro de figuras, artistas e sons.

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Mas não só, viu?! Certamente que não foi apenas pelo carnaval que a Rua Chile se consagrou. Foi por ali que nasceu a Sloper, primeira loja de departamento com escadas rolantes em Salvador. Foi lá também que os pais de Glauber Rocha abriram uma loja de roupas, intitulada O Adamastor. Ainda na Rua Chile ficava a sede do A Tarde, jornal de maior prestigio no estado. Perto de lá também se encontravam os cines Tamoio e Guarani, além do bar O Cacique.

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Segundo os causos folclóricos contados por muitos, na Rua Chile transitava uma das figuras mais caricaturais de Salvador: A mulher de roxo. Era uma senhora que se vestia toda de roxo, com vestidos chiquérrimos e véus na cabeça. Todo dia, vira e mexe, ela batia perna por ali, assim como os jornalistas, intelectuais, estudantes, artistas e boêmios da cidade. Ah, já estava quase me esquecendo, pertinho de lá, mais precisamente no Palácio dos Esportes, na Praça Castro Alves, durante os carnavais, sempre rolava concurso de Drag Queens. E isso em pleno regime ditatorial. Olha que quebra de caretice mais maravilhosa?

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Bom, como nem tudo são flores, a partir de meados da década de 1980, a Rua Chile começou a entrar em decadência. Primeiramente porque o comércio local se deslocou. Saiu daquelas imediações diretamente para a Barra e, posteriormente, para a região do Shopping Iguatemi. Depois, pela própria questão do carnaval. Com a vinda do Axé Music e a expansão do capital e comercialização da festa, o carnaval passou a ser mais atrativo (bem como consumido) em outros pontos da cidade, principalmente no circuito Barra/Ondina. Aí já viu, né? A Rua Chile tornou-se um lugar abandonado, perigoso, invisível para investimentos públicos e privados.

Permaneceu assim por muito tempo, contudo, felizmente essa história tem um final feliz. De uns três anos para cá, algumas pessoas voltaram seus olhos para a Rua Chile e estão revitalizando ela. A perspectiva é de que haja a retomada do charme e a ocupação do espaço como muita produção cultural.

Calma aí, vocês estão se perguntando o porquê deu ter contado tanto sobre a Rua Chile de Salvador? Bom, porque eu queria chegar ao ponto de dizer que, aqui em Vitória da Conquista, nós também temos uma Rua Chile. Ela fica localizada perto da Olivia Flores e é (era) uma rua basicamente residencial. Sem prédios charmosos. Apenas com casas coloridas, com grades e muros altos. Coisa bem tradicional da sociedade conquistense.

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A primeira empreitada cultural a ocupar a nossa Rua Chile foi o bar e restaurante Cinco Continentes. Como toda boa novidade, ele atraiu milhares de jovens ávidos para provar sanduíches especiais num lugar diferenciado. O Cinco expandiu demais e teve que abandonar a Rua Chile para ocupar um espaço maior em outro canto. Depois dele, outras iniciativas surgiram. Atualmente temos três espaços deliciosos na Rua Chile: o Kebab, o restaurante Sexto Sentido e o bar Aquarius Gourmet. Ou seja, atualmente temos três espaços deliciosos na Rua Chile que oferecem, com muita qualidade, um pouco do universo gastronômico, etílico e musical de Vitória da Conquista.

Dentre os três, o Aquarius é o que mais se destaca no fomento à arte. Foi lá que o Hotel Mambembe apresentou pela primeira vez o show Belchior Elétrico. É lá que Euri Meira sempre realiza seu projeto de músicas autorais. Luiza Audaz, Ítalo Silva, Lys Alexandrina, Felipe Moreno, Kayque Donato, Fillipe Sampaio, Alexandrina Santana e tantos outros nomes valiosérrimos para a nossa cultura local passam por lá, oferecendo shows de altíssima qualidade sem o valor da entrada ou até mesmo a taxa de couvert.

Paralelo a isso, não apenas os cantores que se apresentam por lá são interessantes. A grande sacada do Aquarius é que ele permite que os encontros aconteçam. Intelectuais, produtores, consumidores de cultura, militantes, universitários, professores, enfim, pessoas de todas as espécies, cores, tamanhos e intenções. É normal encontrar a Rua Chile lotada de gente todas as sextas e sábados à noite. Ainda que elas estejam consumindo em lugares específicos (Kebab, Sexto ou Aquarius), a ocupação se dá na rua, de maneira espontânea e irreverente.

Como toda ocupação, seus percalços acarretam em alguns contratempos: A música nunca é alta e incomoda, isso é fato, mas as gritaria na rua por vezes sim. Muita gente também faz xixi na porta das residências e outras tantas estacionam seus carros em locais de garagem. Contudo, já que a Rua Chile está se tornando um reduto cultural assim como foi o Beco do Samba, no centro da cidade, por determinado período, por que não pedir uma ajuda do poder público para colocar banheiros químicos por lá aos finais de semana?

Acredito que outra solução também poderia ser a de aumentar a frota de ônibus naquelas intermediações. Isso evitaria o alto contingente de carros transitando por lá. Em relação ao som que vem dos bares, eles estão dentro do limite de decibéis. Já a efusividade e alegria dos encontros, não há como barrar. Pelo contrário, elas precisam ocorrer exatamente como ocorrem porque é através delas que ideias, debates e práticas culturais são incitadas em Vitória da Conquista.

Nessa última semana o Aquariuus foi interditado pela Gerência de Posturas de Vitória da Conquista. Essa é a segunda vez que isso ocorre (sendo a primeira em dezembro de 2015). A vizinhança alega incômodo com tamanha movimentação. Lucas Duque Artigas, proprietário do estabelecimento, afirma com veemência que o local está de acordo com as normas do Termo de Ajuste de Conduta e que está, inclusive, disposto a ceder, abrir mão de algumas iniciativas (como o som ao vivo) para que o bar permaneça aberto.

Aqui, não entrarei no mérito de apontar dedos ou até mesmo concluir o que é certo ou não na interdição do Aquarius e na maneira como a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista conduz isso (já que outros bares não cumprem as exigências e sequer nunca foram notificados). O intuito dessa coluna, no entanto, é de levantar alguns questionamentos:

– Reclamamos que quase não há investimento cultural na cidade e, quando eles se dão, ocorrem através de empreitadas particulares de produtores, artistas e donos de estabelecimentos. Se estamos descontentes com essa política cultural em Conquista como afirmamos estar, por que também reclamamos e colocamos gosto ruim nas que ocorrem?

– Cultura é política e política é cultura. Se a Prefeitura vem notificando lugares em que a profusão cultural é intensa por acreditar que ela não pode ocorrer dessa forma, de que forma então ela tem que se dar? E cadê as iniciativas e proposições do poder público para a produção dessa cultura?

– Sempre alegamos por aí que precisamos ocupar as ruas e praças da cidade, que precisamos provocar encontros artísticos e tornar, cada vez mais, a cultura conquistense algo fértil e permanente. Mas como iremos realizar isso tudo se a própria população local e o próprio poder público colocam empecilhos para a disseminação dessa cultura?

– Ou teremos que falar e fazer cultura em guetos, em locais ermos, distantes, em que não haja a possibilidade de incomodar alguém?

– Até que ponto as regras, as questões cidadãs atendem os anseios sociais e até que ponto elas interferem e atrapalham na profusão dos encontros?

– Por que sempre brigamos e chamamos a população para ocupar as ruas e, quando elas entram em ascensão, brigamos e chamamos a população para fazer com que elas, as ruas, entrem em decadência?

– Já possuímos poucos locais que atendem a demanda de uma cultura independente e alternativa. Se passarmos a interdita-los, aonde poderemos nos encontrar? Aliás, há mesmo espaço para nós em Vitória da Conquista?

– E a irreverência. Até que ponto o nosso preconceito para com a irreverência é maior do que o respeito que temos que ter por ela? E até quando iremos querer barra-la, reprimi-la em nome das nossas convicções? Digo, até quando iremos oprimir o outro pelo simples e puro de fato dele ser diferente de nós?

– Em que momento iremos perceber que a nossa Rua Chile vem sendo um dos lugares de maior intensificação cultural e que precisamos conserva-la, no intuito de deixa-la viva?

Questionamentos postulados, me despeço aqui com o desejo de que a afirmação de Caetano, que a Rua Chile sempre chega pra quem quer, permaneça viva, agora aqui, em Vitória da Conquista,. Que ocupemos seus passeios, seus estabelecimentos e que continuemos fazendo dela, da rua, o espaço popular onde os encontros e a cultura permanece, a cada instante, em eterno renascimento.

Por hoje é só!



Cultura, Destaques, Vitória da Conquista

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