Pipoca Moderna: Bass music em Vitória da Conquista

Por Mariana Kaoos

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Alô alô amantes da cultura e das artes em geral. Como já é sabido e consumido por todos, o cenário da bass music de Vitória da Conquista tem se tornado cada vez mais fértil e de qualidade. A produção segmentada no gênero tem crescido e ocupado às nossas noites, sempre com o que de melhor há no estilo e na cultura bass. E bom, por aqui temos artistas maravilhosos como os djs Loro Vodoo e Rodrigo Freire. A novidade é que a cena está começando a ser ocupada também por mulheres que não só observam, como atuam de maneira intensa. Uma delas é a nossa incrível cantora e compositora Luiza Audaz. No Pipoca Moderna de hoje, abro espaço para que ela fale um pouco sobre o que anda rolando por aqui. Prestem atenção em suas palavras:

Baile Barril dobrado

Luiza Audaz

Hoje o diário de bordo é por minha conta e esse final de semana foi daqueles! Me apresentando a vocês, leitores assíduos da Mari Kaoos. Sou Luiza Audaz, musicista aqui de Vitória da Conquista e assim como os leitores desta coluna, acompanho assiduamente os textos incríveis que Kaoos tem produzido, contribuindo para nossa reflexão sobre a cena cultural da cidade. No entanto, hoje eu é que vos falo sobre a cena Ragga/Bass/Eletrônica que tem crescido e movimentado as noites do sertão baiano.

Acompanho desde 2011 a evolução dos eventos que trazem o Dance Hall e a música eletrônica no viés da  Bass Music que ficou conhecida pela atuação do DJ Loro Voodoo encabeçando as festas que começaram a rolar no saudoso Viela-Sebo-Café, ainda em 2012, dentre elas o Verão Eletrônico e a Groove and Bass que eu também pude produzi. Junto a estes eventos e aos encontros que sempre rolam no backstage entre produtores e DJs, ocorreu uma ampla formação de público e os eventos começaram a evoluir principalmente com a atuação do Complexo Ragga na produção de produções grandes como o Dance Hall Vibez. Novos parceiros foram chegando e a inserção do DJ Rodrigo Freire aliado ao movimento ajudou a ampliar e segmentar as ações da galera.

Outros espaços começaram a ser ocupados como o Ice Drinks, Janela Cajaíba e Canto do Sabiá e só no mês de abril tivemos dentre várias outras festas, a Quinta Fire, Sexta Grave, Chill Out e por último o Baile Barril Dobrado que ocorreu no último sábado(30).  As festas produzidas pela equipe do Complexo Ragga apresentam um upgrade no conceito dos eventos, que proporcionam o intercâmbio com Djs e bandas da cena soteropolitana e nacional, proporcionando ao público novas sonoridades e o que é interessante, tem criado um mainstream local, trazendo os grandes nomes para as “pequenas/grandes” festas de Ragga e Bass.

Dos nomes que já vieram destacam-se Sacal, Zé do Bass, Fael Primeiro, Dj Raíz, Furmiga Dub, Attoxxa e o último convidado foi VANDAL vindo de Salvador,  que apresentou a Mix Tape TIPOLAZVEGHAZ produzida pelo DJ soteropolitano Attoxxa. E como não poderia deixar de ser, o evento foi sucesso. Cheguei antes das 22hs e já havia uma quantidade considerável de pessoas dentro do Janela Cajaíba e mais outras tantas na porta aguardando o primeiro DJ começar. Por motivos ainda não esclarecidos, o DJ Lucas Santos, convocado para abrir a noite, não se apresentou. O  DJ Guerreiro foi então o primeiro a comandar as pick-ups, ele que possui um trabalho admirável de pesquisa e referências nacionais, trouxe pérolas do rap brasileiro para a pista, proporcionando o contato do público com um discurso importante na história do país contido nas vozes que vem da favela.

DJ Rodrigo Freire entrou em seguida e terminou de esquentar a pista com um set que mistura sonoridades do trap com brasilidades e experimentações e é necessário dizer que os djs que compõe estes eventos trazem em cada edição sets enriquecedores para quem, assim como eu, gosta da pesquisa de sonoridades eletrônicas diferenciadas que fundem o orgânico com o tecnológico. No baile Barril Dobrado também rolou o lançamento do clipe “Envolver”, de Miro MC, em que foi montada uma estrutura com telão e projetor para que a galera da pista pudesse acompanhar as imagens que contaram com a apresentação ao vivo do MC  e com a presença luxuosa das dançarinas do clipe produzido por Livia Liu e Felipe Sobral.

A participação cada vez maior das mulheres nestes eventos é um ponto que chama a atenção. É na pista que elas se sentem livres, e certamente este é um movimento complexo de produção de novas subjetividades e desconstrução da imagem tipificada da mulher: Corpo, mente e atitude que se extravasa no baile. As micro-roupas, a dança sensualizada, a fosforescência da sexualidade na pista são embaladas pelos graves e pelas letras do som da favela que encontra ali um dos poucos espaços, em que, a maioria delas se sentem confortáveis para se posicionar sem as travas dos julgamentos. Essa, no entanto, é uma via de mão dupla como há de ser tudo nessa vida. Se por um lado existe esta explosão dos desejos, da sexualidade feminina existe também uma linha de fronteira em que o sentir-se livre é tomado como ofensivo e sujo e, neste ponto, a expressão da liberdade feminina muitas vezes toma um contorno misógino e machista.   

Em terras provincianas e caretas, eventos como o Barril Dobrado tem um caráter político e de expressão das vozes marginalizadas. Os homossexuais e as garotas se sentem totalmente a vontade para se posicionarem da forma que querem, respeitando o espaço do outro. Enquanto umas se aninham a seus namorados, outras estão na frente do palco indo até o chão e ainda há aquelas que sobem no palco junto a seus amigos gays e quebram tudo. A questão não é tipificar qual discurso ou atitude é pertinente, mas sim como aquele posicionamento é contido de liberdade de expressão e afirmação necessária para quem o pratica. O que me parece é que o posicionamento das minas que vão para o baile não é apenas no sentido da sexualização, mas as vejo também no sentido de sentirem-se bem com seu corpo e mente, de modo a se posicionar de maneira livre e empoderada, bailando livremente ao som do ragga.

A apresentação do soteropolitano VANDAL interpretando as músicas do seu álbum TIPOLASVEGHAZ traz outro ponto da discussão que está muito mais associado a favela, a vivência no crime, as poucas oportunidades e ao desejo do homem de conquistar seu lugar. Vandal é como um Kamikaze da rima, seu rap é Hardcore e ele se assemelha a alguém que escreve pronto para morrer. É o rap que também assimila em algumas das músicas o pagode tanto na musicalidade quanto na referência das letras, ambos como cultura do guetto, sem separações e preconceitos “novo sentimento e voz, nova Salvador pra nós.” A figura da mulher ocorre em suas músicas junto ao contexto da realidade da noite e das ruas: “Dinheiro na mão, calcinha no chão“, é um dos refrões e traz a narrativa das “putas”, do sexo pelo dinheiro, em que há o desejo, a discórdia e a melancolia, sem excluir o pensamento de se ter uma família neste emaranhado de sentimentos, tudo coexistindo no mesmo tempo e espaço.

Ela só joga, é só um jogo, nego a vida é só um jogo, do sexo mais gostoso ao amor sincero e pegajoso, não importa o que eu quero, não importa quem sou eu, o amor que eu quero não é meu, não importa foda-se então (..) Vandal melancólico, agnóstico talvez, ninguém sabe da verdade então fuck you todos vocês, nego, eu tô perdido no tempo, na chuva, salvador guetto, eu sei o preço de um tiro e das puta. É só um jogo se eu morrer é só um jogo se o real é o sufoco então Vandal é criminoso, eu quero o jeep cherokee novo (..) Minha vida é tipo Laz Vegaz. (Trecho da música TIPO LAZ VEGHAZ, VANDAL. 2015)

Pude conversar com Vandal minutos antes de seu show e ficou claro que suas letras e sua atitude em palco são uma mistura da vivência pessoal somada a um personagem que ele criou, mas que fala também em nome de tantos outros personagens reais. Nos bate-papos de backstage pude ver que Vandal é um cara extremamente sensível, de fala serena, que tem conquistado um espaço importante na cena do Rap Nacional e que tem composto o movimento da BASS Music em Salvador, junto a tantos outros artistas. Sem dúvida ficou claro que este movimento no sudoeste da Bahia junto aos produtores de Salvador, tem ganhado força e representado uma sonoridade de grande influência na música eletrônica mundial, em que há a assimilação do pagode e de outros ritmos baianos dentro do Trap e das bases graves. Neste contexto também ocorre a mistura do discurso da favela invadindo o mainstream, ressignificando e dando voz a outros saberes. Este conteúdo é potente, fruto das desigualdades e da violência social vivida diariamente, mas é sobretudo nutrido pela diversidade que fortalece e ressignifica a arte do gueto.

O Baile Barril Dobrado se encerrou com a apresentação potente do Complexo Ragga que tem um público cada vez maior e do DJ Loro Voodoo que já está consolidado e é um dos artistas mais esperados das apresentações. Juntos, essa família tem criado e produzido uma arena fértil para a vivência da pluralidade. São nestas festas que os gays, as mulheres, o rap e o eletrônico, se encontram e abrem os caminhos para a expressão livre do indivíduo e da cultura local. “Tipo Laz Veghaz” como diz Vandal, é a Las vegas reinventada pelos que estão mediando e interagindo de forma diferente com a sociedade ideal do consumo, se apropriando da ostentação e da “lacração” de forma paradoxal, invadindo as pistas em que a favela agora é protagonista e chega com força produzindo novos sentidos. Então minha gente, quem tiver ouvidos que ouça!



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