Conquista: Saiba como foi o show Belchior Elétrico no Teatro Carlos Jeovah

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Por Mariana Kaoos

Foto: Maiêeh Sousa
Foto: Maiêeh Sousa

Acredito que na vida que nos rege, nos caminhos que trilhamos, algumas pessoas muito especiais aparecem e nos mostram a beleza da existência através de pequenos detalhes do cotidiano. Ainda que não saibam a intensidade disso, ainda que nós mesmos não saibamos a intensidade disso no momento preciso, essas pessoas e essas belezas permanecem e justificam, dão sentido à expressão “estar vivo”. Pelo menos é assim comigo. E assim sendo, começo essa matéria agradecendo a Maria Eduarda Carvalho, minha amiga e parceira profissional, por, no ano de 2013, ter me apresentado um disco intitulado Alucinação, de um cantor conhecido como Belchior.

Ela não sabe disso, mas foi na época em que fazíamos a assessoria de comunicação do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima. Passávamos as tardes por lá conversando cultura, ouvindo músicas, aprendendo poesia, praticando jornalismo, acreditando que poderíamos ser agentes transformadoras do meio social em que estávamos inseridas. Numa tarde de sol, dentro da sala iluminada, ela colocou Belchior para tocar e, naquele exato instante, eu me apaixonei por ele. Na época eu tinha 23 anos de idade e possuía uma enorme sede, paixão de vida.

Alucinação é um disco de 10 faixas, do ano de 1976. A canção de abertura se chama Apenas Um Rapaz Latino Americano, uma das mais conhecidas do cantor. Ela fala de esperança, de medo e de juventude. Ela fala do dia a dia e da utopia, dos sonhos. Ela fala disso tudo através de uma narrativa simples e direta, assim como as outras músicas engendradas no disco. Na verdade, para mim, essa é a obra de Belchior onde todas as faixas dialogam entre si.

A questão da juventude e dos sentimentos despertados por ela e dentro dela é muito forte. Muito forte e muito bonita. Sem sombra de dúvidas, ter conhecido Belchior naquele momento mudou a minha vida por inteiro. Mudou a minha vida por inteiro porque foi com ele que eu voltei a ser utópica e a jogar todos os meus ideais, todas as minhas crenças nas minhas práticas culturais diárias. Não consigo imaginar como eu seria hoje em dia se, naquele ano de 2013, Duda não tivesse colocado Alucinação para tocar. Não consigo medir o tanto de sonho que deixaria de ter tido se eu não tivesse incorporado em mim a sabedoria de Belchior, através de suas músicas. Não consigo compreender quantos risos eu teria perdido por cantar errado (de maneira proposital) alguns trechos de algumas de suas músicas.

Foto: Maiêeh Sousa
Foto: Maiêeh Sousa

Quero uma balada nova, falando de brotos e coisas assim…

E aí estamos quase que terminando o ano de 2015 e novamente Belchior volta com tudo nos meus pensamentos. Sim, tendo se passado dois anos da minha primeira experiência com ele, agora eu me reconheci, me reconectei e recriei uma teia de significados em minha vida por sua causa. Dessa vez, o responsável por isso foi um cantor, músico, instrumentista daqui de Vitória da Conquista, chamado Eurí Meira.

Eurí vem ocupando, movimentando as noites conquistenses com muita qualidade e competência profissional. Sempre acompanhado de outros também excelentes instrumentistas, ele oferece aos amantes das artes em geral muita música boa, mpb, bossa nova, jazz, e, com isso e por isso, alimenta e dignifica o que chamamos de cultura local.

Há mais ou menos um mês ele montou uma apresentação intitulada Belchior Elétrico para exibir no Aquarius Gourmet, um barzinho bem bacana aqui da cidade. A proposta era fazer uma releitura da obra de Belchior, incorporando nela o seu próprio estilo de tocar e cantar. A empreitada deu certo e ele resolveu repetir a dose, dessa vez no teatro Carlos Jehovah, nessa última quinta feira, 19 de novembro.

E foi lá que me reapaixonei por Belchior, através dos músicos envolvidos no projeto. Kayque Donatto estava comandando a bateria de maneira muito apaixonada. Saulo Silva deu um show na percussão e repaginou todas as canções de maneira fatal. Erick Lopo, cheio de classe, comandou o baixo e, junto com Eurí, Ítalo Silva tomou conta dos vocais. De Ítalo eu não vou falar muito, porque já é explicito que, para mim, ele é o maior interprete da nossa cidade e que tudo que ele faz, a maneira como ele faz, demonstra um respeito sem tamanho pela música e pela cultura brasileira. Os cinco, em palco, estavam completos, seguros de si e extasiados com o momento. A plateia parecia se encontrar exatamente da mesma maneira.

E bom, se for para falar dessa noite, preciso começar pela descrição do cenário: estava lindíssimo, super criativo. No chão, vários aviõezinhos de papel, coloridos. Pendurado no teto, diversos outros aviões de brinquedo. Um de cada cor. Foi tudo minimalista, mas de uma classe sem tamanho. Para quem não sabe, o cenário é uma referência direta a uma canção de Belchior que se chama Medo de Avião. Essa mesma canção, inclusive, compôs o repertorio do show.

O repertório, por sua vez, perpassou por toda a obra de Belchior. Estava rico em conteúdo. Paralelas, Fotografia 3 x 4, Hora do Almoço, Divina Comédia Humana e Todos Sujo de Batom foram algumas das canções apresentadas. Eurí e Ítalo revezavam para cantar as músicas. Ambos acompanhados sempre do público que fazia coro e gritava, sorria, aplaudia e assoviava a cada termino delas.

Resumindo tudo, foi uma apresentação muitíssimo bem trabalhada. Necessária, inclusive. Necessária porque a obra de Belchior é muito rica e muito importante dentro do cenário da nossa música popular brasileira, a um nível nacional. Pensar e oferecer ao público um show voltado para sua carreira artística é uma forma de mantê-lo vivo, mantê-lo fértil dentro dessa nova geração que se permite conhecer as mais variadas formas de cultura.

Possa ser que alguém tenha se sensibilizado no show da mesma maneira que eu me sensibilizei há dois anos, quando ouvi Alucinação pela primeira vez. E, caso isso tenha acontecido, possa ser que essa pessoa passe a ouvir mais e mais Belchior e que a sua sensibilidade para com a vida se transforme de alguma forma por conta disso.

Desde quinta-feira não consigo parar de ouvir Hora do Almoço e deixar tudo de lado para cuidar da vida. Desde quinta-feira não paro de sorrir e de maquinar sonhos matinais. Desde quinta-feira me pego pensando e agradecendo por ser jovem e sã e salva e forte, por ser brasileira, baiana, por morar em Vitória da Conquista e por ter ido ao show. Desde quinta-feira fico aqui constatando a beleza que foi Duda ter aparecido em minha vida e ter me presentado com Belchior, lá em 2013. Desde quinta-feira fico aqui com vontade de poder falar palavra sobre essas coisas sem jeito que eu trago no peito e que eu acho tão bom.

Se comecei essa matéria agradecendo a Maria Eduarda, termino a mesma agradecendo a Eurí pelo compromisso com a nossa cultura, pelo respeito com o público, pela sabedoria da homenagem e pela beleza de ter trazido Belchior novamente até a mim. Que mais shows como esse surjam por aqui.



Cultura, Vitória da Conquista

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