A Bofetada foi um sucesso em Vitória da Conquista

Por Mariana Kaoos

Queridos, há mais de um ano conheci um carinha muito bacaninha, muito boa pinta chamado Mikhail Bahktin. Fomos apresentados de maneira tímida e apressada. A principio achei ele um tanto quanto misterioso e profundo, mas, devido a divergências de tempo e até mesmo disposição, seguimos nossos caminhos cada qual para o seu lado. Dia desses finalmente tive a oportunidade de sentar com calma e bater um longo e instigante papo com Bahks, apelido carinhoso pelo qual o chamo. Pois bem, no meio do converseiro e de falas apaixonadas, ouvi com atenção Bahktin me contar sobre uma de suas loucas teorias de vida, a qual ele vem chamar de dialogismo.

Fotos: Amanda Nascto
Fotos: Amanda Nascto

De acordo com ele, dialogismo (o que alguns conhecem também como intertextualidade) é o processo de construção de um discurso, texto, enunciado (e aqui se faz preciso ressaltar que esses conceitos não se restringem à escrita) que se consolida a partir de si e do outro. Ora, sabemos bem que para nos entendermos, nos compreendermos enquanto um, é necessário que haja o outro, a diferença, a comparação. Pois bem, no dialogismo, todo discurso é ocupado, atravessado por discursos e referências alheias.

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Ou seja, o dialogismo é a relação de sentido que se estabelece entre os dois enunciados. Ele se dá através do funcionamento da linguagem e, com precisão, podemos afirmar que todo processo de comunicação é dialógico. Mas não só, o dialogismo assume uma forma composicional. Ele incorpora as vozes dos outros que, sem sombra de dúvidas, são calcadas em subjetividade. Essa, por sua vez, nasce no seio das relações sociais de que participa o sujeito.

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Além do dialogismo, meu amigo Bahks possui mais uma serie de loucas teorias que valem a pena serem lidas. Contudo, como essa é apenas a parte um da história, prossigamos na narrativa: Nesse último sábado, 29, fui assistir a nova temporada da peça teatral A Bofetada, produzida e encenada pela Cia Baiana de Patifaria. Muito bem trazida à cidade de Vitória da Conquista por Ellen Vila Nova, A Bofetada ficou em cartaz de quinta a domingo, no auditório do Cemae, sempre às 20 horas (com exceção de domingo, que começou às 17 horas). O primeiro ponto importantíssimo de se ressaltar é que o público apreciador da arte compareceu em peso mostrando assim que a carência do teatro PRECISA ser suprida na cidade e que existe o desejo de um forte e intenso consumo cultural na área.

Orfãos de bons espaços (alô Centro de Cultura e Cine Madrigal!) na cidade, o auditório do Cemae tem sido um valioso quebra galho para a vinda e exibições de produtos cênicos e de dança. A Bofetada não ficou de fora. Há 29 anos em cartaz, a peça tem um formato comercial de comédia pastelão. Um enquadramento bem óbvio (e que sempre dá certo) em que os atores ironizam e satirizam a plateia, depois sobem ao palco, iniciam o espetáculo, sempre recheado de piadinhas que levam os presentes a darem crises e mais crises de riso. Homens travestidos, com roupas e trejeitos atribuídos ao universo femino, o que confere um ar tragicômico à encenação, pouco cenário e espaço muito bem demarcado em cena. Tudo muito óbvio e nada que já não tenhamos visto por aí.

Como eu já tinha visto outra temporada da peça e conhecia a utilização desse formato pela Cia de Patifaria, fui consciente de que não teria uma experiência estética, e sim de mero e exclusivo entretenimento. Contudo, entretanto, porém, todavia, com muita satisfação eu fui surpreendida pela sagacidade e inteligência do roteiro d’A Bofetada que, além de ter me arrancado gargalhadas, me ofertou um momento de embasamento crítico e diversos questionamentos acerca da nossa atual conjuntura política e social.

Então bom, não deu outra. Passados dez minutos de espetáculo, quem me veio à cabeça foi Bahktin com seu incrível conceito dialógico. E o porquê disso? O porquê disso? Calma que explicarei agora, meus queridos: A construção discursiva da peça é incrível. Sempre num viés cômico/irônico, o texto perpassa por outros enunciados que vão desde a criação e concepção grega do teatro (berço primordial dessa arte), a partir da sátira, da tragédia e da comedia a tema relevantes da atualidade, como a aprovação da #pecdofimdomundo, os protestos Fora Temer, e o apartamento do Guarujá.

Algumas criticas bem sutis à liquidez pós moderna da nossa contemporaneidade tecnológica e frívola se insere, dialogando com o que há de mais pop e massivo na nossa indústria cultural brasileira. A atuação dos atores é intensa e de qualidade, o que contribui no processo de preencher as lacunas que, erroneamente, costumamos atribuir às peças ditas comerciais. O que quero dizer é que A Bofetada oferece a opção de ser vista como um produto de entretenimento, mas também abre a possibilidade para um caminho inteligente e sarcástico de lucidez política e social.

Ela, a peça, nada mais é do que um retrato do cotidiano com seus momentos mais simples e que, geralmente, passam despercebidos por todos nós. Desde uma conversa com a comadre, à expectativa para o surgimento da puberdade e o primeiro baile. São fragmentos diários de uma força imprescindível que perpassam pela nossa realidade (muitas vezes sentida de outras maneiras) e assumem um ar engraçado, quase que num processo de carnavalização (outro conceito do queridíssimo Bahktin que merece ser lido). Certamente que a vinda do espetáculo para Vitória da Conquista (justamente no fim de semana de eleição de segundo turno) foi uma sacada genial e precisa. Na verdade Ellen Vila Nova vem tendo uma lucidez e uma força de vontade em reavivar a cultura teatral que merece ser destacada e reconhecida por todos nós.

De acordo com Lelo Filho, ator e diretor d’A Bofetada, a perspectiva é de trazer, em 2017, para Conquista a primeira peça da Cia Baiana de Patifaria, intitulada Abafabanca e um monólogo seu, inspirado da canção Fora da Ordem, de Caetano Veloso. Esperamos, espero eu, que a nova gestão de governo do município reconheça a importância da cultura e do teatro na cidade e possa oferecer espaços de melhor qualidade para que esses espetáculos possam ocupar o lugar que merecem e que, cada vez mais, o público vá conferi-los de perto. Evoé!



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