A EXISTÊNCIA NA VIDA

Essa coluna é assinada pela jornalista Elen Vila Nova

Morrer é deixar de ser visto. Não sei de quem é a frase. Uma rápida pesquisa no Google me trouxe tantos autores que prefiro não dar o crédito a nenhum deles. Mas a minha humilde assinatura vem embaixo.

De quem quer que seja, esta frase me marcou desde o primeiro instante em que a ouvi. Porque, simplesmente, não acredito na morte. Não acredito na morte do ser.

Acredito, contudo, em outros falecimentos. Acredito na morte do dia-a-dia. Todos os dias morremos um pouco. E nascemos também. Morremos para algumas causas, alguns objetivos. E, muitas vezes, conseguimos renascer para outras vontades. Morremos para algumas pessoas. Nascemos na vida de outras. O antigo namorado morreu. Aquela pessoa com quem vivíamos, tínhamos planos, desfrutávamos momentos bons, acompanhávamos nos momentos ruins,
acreditávamos amar…esta, sim, morreu. Deixou de ser para nós, de estar conosco.

Hipoteticamente, para a figura deste ex-namorado, nasceu um amigo. Hipoteticamente também, há de ter nascido um mero “conhecido”. Esta imagem de alguém deixar de ser visto em nossas vidas com uma “função” específica, como uma verdadeira persona, suaviza em mim a ideia da morte. Da morte real. Assim, em todas as mortes, em vida ou não, morrer seria apenas sumir. Sumir por uns tempos. Fazer uma longa viagem. Sem data para voltar. Ou sem data para irmos ao seu encontro.

Por motivos que não cabem aqui, quando meu avô morreu, me esconderam a notícia por um ano. Eu não podia, não queria saber do seu fim de vida. Contaram para mim que ele havia viajado. Mentiram? Hoje, eu entendo que foi mesmo o que aconteceu.

Ele viajou. Mudou de metas, de planos. De plano. Foi-se em busca de caminhos que eram somente seus. Eu não cabia mais naquela existência. Como também não cabiam seus amigos, seu filho, sua mulher. Nascemos sós. Compartilhamos em vida momentos com quem consideramos especiais. Depois, partimos. Igualmente sós.

Com quantas pessoas compartilhamos momentos que não vão voltar, que não podem voltar? Em dimensões diferentes, a maioria destas pessoas com quem desfrutamos de ocasiões especiais, há muito, já morreu para nós. Morreu de um jeito, e renasceu de outro.

O grande amigo de hoje é mais amigo que ontem. O conhecido de outrora, é hoje confidente, companheiro. O amor que era da vida não passa de um desconhecido atualmente.

Se nascemos e morremos sempre para os outros e, pasmem!, para nós mesmos; se as pessoas nascem e morrem continuamente para a gente, por que damos tanto peso à morte real, quando alguém vai MESMO embora?

Será que é pela real e fatídica impossibilidade de rever? Não! Não há avião, dinheiro, tempo que possa me levar ao encontro de tal pessoa novamente. Será pela certeza de não poder dizer aquela frase que faltou, de não poder expressar aquele sentimento…

Quando as pessoas “morrem” apenas em vida (os tais ex-namorados, amigos de tempos atrás), há uma zona de conforto que nos diz: um dia a gente se encontra! Do nada, tropeçaremos na padaria da esquina e conseguirei dizer que ela foi, sim, importante para mim. Quem sabe quando eu tiver filhos, os filhos daquela amiga com quem eu brincava tanto na infância não brinquem juntos? Sim! Há a esperança clara do reencontro.

Procrastinamos e deixamos que a vida cuide dos reencontros. Mas a vida tem mais o que viver, e na nossa irresponsabilidade sobre quem queremos perto da gente, deixamos tudo passar até que o encontro fortuito com a morte real vem como um baque: como eu poderia ter feito diferente! Por que não liguei? Por que não falei? Por que não xinguei? Por quê?

Morrer é deixar de ser visto. De existir para gente, jamais.



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