“Recuperação judicial é uma alternativa para empresas em crise e não deve ser confundida falência”, alerta especialista

A notícia de que uma das concessionárias de transporte público de Vitória da Conquista entrou em processo de recuperação judicial fez surgir inúmeros questionamentos nos mais variados setores da sociedade: O que é uma recuperação judicial? Como ficam os credores e as dívidas? Quanto tempo pode durar esse processo? O Blog do Rodrigo Ferraz foi atrás de algumas respostas. Entrevistou o advogado Victor Barbosa Dutra, especialista em Direito Empresarial, com Doutorado em curso e Mestrado pela UFMG e que recentemente foi nomeado pela Justiça para supervisionar a Viação Vitória durante o processo de recuperação judicial.

BRF: O que é um processo de recuperação judicial?

A recuperação judicial é um processo no qual uma empresa que se encontra em dificuldade financeira pede auxílio à Justiça para tentar superar a situação de crise econômico-financeira. A intenção da Lei é manter a fonte produtora, o emprego dos trabalhadores, preservar a empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, que é importante para todos.

BRF: A recuperação judicial é a mesma coisa da falência?

Não. A RJ serve exatamente para evitar a falência. O processo de Recuperação Judicial de uma empresa não representa um pedido de falência, muito pelo contrário, este processo possibilita que o empresário busque auxílio do Judiciário para superar um grave momento de crise econômica, visando resguardar os empregos oferecidos à população e o pagamento dos seus credores e dos impostos.

É melhor as pessoas ajuizarem uma Recuperação do que fechar irregularmente as atividades, porque nesse último caso o problema perseguirá o empresário durante praticamente toda a sua vida.

As pessoas continuam tendo uma ideia equivocada acerca dos dois tipos de processos por alguns motivos:

Primeiro porque a recuperação judicial é algo novo (nasceu em 2005), então muitas pessoas ainda a confundem com a antiga concordata, que era um procedimento muito rígido, que não dava flexibilidade para o devedor negociar com seus credores e, realmente, acabava sendo um prenúncio da falência. Mas isso mudou. A recuperação judicial é muito diferente.

Segundo porque muitas empresas demoram a tomar uma decisão pela recuperação… e quando entram com a RJ já estão em estado quase falimentar. É como aquele paciente que fica se automedicando e a doença vai se agravando. Então nesses casos, a empresa já está com grandes dificuldades de se manter viável e as chances de recuperação podem diminuir. Por esse motivo, um diagnóstico rápido do problema e uma tomada de decisão rápida pelo empresário ajudam muito nas chances de recuperação.

BRF: Qual a diferença de um processo de recuperação judicial para os demais processos judiciais?

Esse é um processo que tem uma importância social muito grande. Porque a empresa gera empregos, gera tributos, dinamiza a economia local … então se ela fecha, há um impacto negativo para onde ela atua: para famílias que dependem dos empregos, para trabalhadores, para os órgãos públicos que deixam de arrecadar, para outras empresas que interagiam com ela. Por causa disso, é um processo que merece ser tratado com muita atenção pelo Poder Judiciário, pois é diferente de uma ação de cobrança, de uma discussão de contrato, de um despejo de aluguel – nos quais apenas o interesse de poucas partes está em jogo. Na recuperação judicial há muitos interesses em questão (de famílias inteiras, de órgãos públicos, de outras empresas, de uma comunidade toda…)

Além disso, é um processo em que o poder de decisão sobre o plano de recuperação está nas mãos dos credores e não do juiz, o que demanda, portanto, análises e estratégias específicas para negociar com os credores durante o processo.

BRF: Quais benefícios as empresas buscam ao pedir a recuperação judicial?

Bem, uma empresa que está em crise e decide pedir recuperação judicial encontrará ajuda da Lei para uma série de questões:

  1. Em primeiro lugar, ela terá um tempo de proteção no qual os credores não poderão atacar o patrimônio da empresa por meio de penhoras, bloqueios e etc. Além disso, durante certo prazo, são dispensadas certidões negativas e, em alguns casos, são suspensos os protestos e negativações;
  2. Em 60 dias a empresa deve apresentar um plano de recuperação e a lei concede muita flexibilidade para que a empresa possa implantar o meio de recuperação que ela achar mais adequado. Se ela precisar de desconto sobre o valor da dívida, se precisar de parcelamentos, se deseja vender parte do seu negócio, tudo isso pode ser previsto no plano. Qualquer meio é aceito pela lei, desde que seja lícito e venha a ser aprovado pelos credores. E nesse ponto a criatividade e a experiência prévia dos profissionais envolvidos é muito importante para o sucesso da recuperação.
  3. Além disso, há parcelamentos tributários especiais para empresas em recuperação judicial – o que pode ajudar na equalização do pagamento de impostos, que – via de regra – não vão ser negociados dentro do processo de recuperação.

BRF: Quais são os trâmites de um processo desse?

Em um processo de Recuperação Judicial, o juiz suspende durante 180 dias os processos, cobranças, execuções, penhoras, reclamações trabalhistas contra a empresa e permite que em 60 dias a empresa apresente um Plano de Recuperação. Através desse plano, a empresa deve demonstrar ao Juiz e aos seus credores como pretende superar a crise econômica e de que forma pretende cumprir com as suas obrigações perante os credores.

Após, se algum credor discordar do plano, será marcada a Assembleia de Credores, momento em que aqueles que possuem créditos junto à empresa analisarão o Plano de Recuperação e votarão pela aprovação ou rejeição. É importante esclarecer que, para que tenha direito ao voto, os credores devem apresentar (habilitar) os seus créditos junto ao Administrador Judicial nomeado pela Justiça, que é quem irá intermediar o contato entre a empresa em Recuperação Judicial e os seus credores.

BRF: Qual a sua função nesse processo?

Por questões de ética profissional, vou comentar sobre a função do administrador judicial em termos genéricos, ao invés de casos específicos em andamento, tudo bem? O Administrador Judicial é um profissional que a lei estabelece como auxiliar do juízo responsável pelo processo. Ele não tem poder de decisão, pois é o juiz ou juíza que decidirá todas as questões do processo.

O seu dever é fiscalizar, opinar tecnicamente, dar transparência para os credores que não podem acompanhar de perto a recuperação e – caso o empresário venha a ser afastado da empresa – o Administrador Judicial assume a gestão das atividades, em situações excepcionais. O Administrador Judicial também é o responsável por verificar o tamanho da dívida da empresa, apresentá-la para o juiz e para os credores e, ao final do processo, presidir a Assembleia de Credores que discutirá e votará o plano.

BRF: Qual a perspectiva para as empresas que estão nessa situação delicada?

Bem, as crises são cíclicas. Eles vêm e vão a todo momento. No nosso país, de tempos em tempos, enfrentamos instabilidades. Às vezes há fatores externos (como crises econômicas internacionais, crises políticas etc.) e às vezes há problemas internos à empresa (gestão precária, divergência entre sócios, concorrência acirrada), enfim. E tudo isso impacta no ambiente de negócios. Fato é que empreender no Brasil é um desafio…

O que posso dizer é que a Lei reconhece a importância social dos empresários e oferece meios de recuperação (sejam eles judiciais ou extrajudiciais). Mas, para que este processo tenha êxito, é necessário que o empresário procure ajuda em tempo hábil e esteja disposto a superar a crise dentro dos limites que a lei oferece.



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