“Vocês não sonham não?”

Texto: Marco Antonio Jardim Melo

Meses atrás, mais precisamente em novembro de 2016, fui à inauguração da CazAzul, uma proposta de teatro-escola que, sob a consultoria artístico-pedagógica de Adriana Amorim, já dava “as caras” em Vitória da Conquista com uma festa que traduzia, de imediato, a vibração pretendida: um misto de linguagens artísticas variadas, com manifesto, música, performances, instalações, artes visuais e, claro, teatro. A atmosfera construída ali já foi tão intensa que saí da casa com o dia amanhecendo, sem precisar, entretanto, a extensão daquele reflexo primordial. Dias depois passei em frente à casa e resolvi entrar. O clima era o mesmo, com uma oficina percussiva rolando num ambiente e pessoas lendo textos em outro. Tempos depois, amigos, com e sem formação teórica ou prática no teatro, me contavam que participaram de uma seleção de elenco e aguardavam os resultados com certo ar novidadeiro. Eis que agora, nessa última terça (20), a CazAzul apresentou os efeitos de seus encontros na primeira noite de sua primeira Mostra Cênica. Com pleonasmo ou sem pleonasmo, um marco!

A primeira noite foi dedicada à turma de meninas que se encaixam na faixa juvenil com a pequena pérola “Depósito de Alegrias Esquecidas”, uma adaptação de contos e cantigas populares assinada pelo jovem e atencioso Vicente di Paulo. Aliás, jovens também são os talentos por trás da montagem, desde a delicada maquiagem de bonecas feita pelo multitalentoso Ítalo Silva, passando pela fotografia de Rebeca Reis, à direção musical de Ana Barroso, a suavíssima voz que marcou, acompanhada do próprio violão, as principais passagens de cena. Delicadeza, por sinal, é um substantivo que se encaixa na produção. Cada detalhe parecia ser exposto como reflexo daquela mesma atmosfera de meses atrás: a cenografia, simples e bela, com elementos de cena que remetiam ao universo dos sonhos e da infância; a iluminação baixa, singela, respeitando os tons; o figurino todo na escala dos terrosos, pontilhado de vermelho-coração, de laços, fitas, flores e pedras brilhantes em vestidos que remetiam, outra vez, às inocentes figuras de pano.

Até o teatro Carlos Jehovah ajudou na composição. Comumente desconfortável, dessa vez emprestou intimismo na aproximação entre público e cena. Não cabe aqui julgar expressões elaboradas ou falhas de marcação de texto, seria acintoso. O que vale, com o enxuto espetáculo, é reconhecer o valor de meninas que buscam, bem orientadas, “ouvirem-se, notarem-se, lerem-se, amarem-se” numa cidade em que não há, faz tempo, nenhuma cena teatral estabelecida, só um incômodo “silêncio mudo”. Este, o único lamento e, aquele, o maior valor: as personagens, ao buscarem seu “anjo” de natureza virtuosa, quase inocente, representavam, em prova pública, a busca do projeto em se fixar e tornar firme (pleonasmo?) esta coragem de reconstruir o teatro em Vitória da Conquista (e dialogarem com outras trupes que, isoladamente, talvez sem nenhum apoio, ainda fazem suas montagens aqui e ali). Com acertos, no fim da rua, no começo da montanha, o coletivo CazAzul apresenta sua chama de reavivar o sonho da cultura popular pelo teatro. Palmas intensas de uma plateia cheia.

P.S.: pra quem ficou no teatro após o espetáculo, os jogos teatrais de improvisação foram saborosíssimos (e engraçadíssimos)!

*A 1ª Mostra Cênica CazAzul aconteceu nos dias 20 e 21 no Teatro Municipal Carlos Jehovah, marcando o encerramento do semestre das turmas de iniciação ao teatro – juvenil e adulto, assim como da oficina de Improvisação- Awêry Vivências Cênicas, ambas oferecidas pela CazAzul Teatro Escola. Marco Antônio Jardim Melo assistiu o primeiro dia de espetáculos como crítico convidado.



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