Conquista: Câmara celebra Dia do Capoeirista e cobra mais políticas públicas de inclusão

Na noite desta quinta-feira, 5, a Câmara Municipal de Vitória da Conquista (CMVC) realizou uma audiência pública em comemoração ao Dia do Capoeirista, comemorado em 3 de agosto.

Proponente da audiência, o vereador Alexandre Xandó (PT) assegurou que seu mandato está à disposição para auxiliar os grupos de capoeira a conseguirem um CNPJ e em outras demandas dos praticantes. Ele ressaltou que a força da capoeira foi o que trouxe os capoeiristas para dentro da Câmara. “Quem imaginava que a gente ia estar entrando numa Câmara de Vereadores de abadá, de chinelo? Isso foi o que o povo foi empurrando e a força da capoeira”, apontou o parlamentar destacando que a capoeira é um ato político.

Articulação e apoio – Representando o Grupo Ceta Capoeira, Mestre Dendê iniciou pronunciamento relembrando a articulação que resultou na lei que estabelece a Semana da Capoeira em Vitória da Conquista. “Hoje não deveria ser um dia atípico”, afirmou Dendê.

Ele ressaltou a importância da Casa da Capoeira, criada no município durante o Governo de Guilherme Menezes e mantida até hoje pelo Poder Público. O mestre ressaltou a importância desse apoio. “Esperamos que a prefeita Sheila Lemos possa dar continuidade a esse compromisso assumido por Herzem Gusmão no inicio do seu mandato”, afirmou.

Outro aspecto abordado foi a realização de concurso público para capoeiristas que atuam na Rede Municipal de Educação. Mestre Dendê lembrou que em 2014, o Conselho de Mestres iniciou essa discussão e lamentou o fato de vários professores de capoeira terem perdido o emprego durante a pandemia.

Vitória da Conquista possui mais de cinco mil praticantes de capoeira e quase todos os grupos possuem trabalho social realizado em Conquista.

História – O Mestre Manoel Sarará fez um apanhado histórico da prática da capoeira em Vitória da Conquista. Ele contou que aprendeu capoeira com um colega em um circo onde se apresentava em números de “luta livre”. “1968, eu tinha 13 anos na época. Aprendi a gingar, a tocar berimbau”, contou. “Trabalhava até sexta-feira, descia pra Salvador, fui me entrosando”, seguiu ele contando seus esforços para aprender mais a respeito da capoeira e trazê-la para Conquista. “Hoje o grupo está grande. A capoeira de Conquista se tornou tão forte que outros mestres, de fora, vieram pra Conquista e não conseguiram ficar”, apontou ele, destacando a força da cena local.

Desafios da Capoeira – Outra personalidade do mundo da capoeira que participou da audiência pública foi a professora doutora Rosângela Costa Araújo, também conhecida como Mestra Janja. Falando direto de Salvador, de forma remota, ela destacou a necessidade de inserção da mulher no mundo da capoeira, das transformações ocorridas nessa área nos últimos anos e dos desafios e perspectivas que a capoeira terá pela frente.  Entre esses desafios, Mestra Janja ressaltou a importância das diferentes ideologias políticas que envolvem todos os grupos. “Precisamos virar esse cenário político que se apropriou dos elementos do Brasil, sem respeitar as heranças e tradições da nossa cultura. A pergunta que eu faço é qual é o projeto de sociedade que nós, enquanto capoeiristas, nos filiamos?”, indagou a educadora.

Formada em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Mestra Janja lembrou ainda as discussões que se estabeleceram para instituir o Dia do Capoeirista. Apesar dessa representatividade, ela reafirmou a necessidade de continuar lutando por um cenário mais inclusivo. “A gente se faz capoeirista de fato, é quando a gente deixa nosso lugar de conforto. Deixo aqui o exemplo da vida do Mestre Moa do Catendê”, afirmou Janja.

Movimento de trabalhadores, pobres, de favela – Mestre Duda ressaltou que a capoeira e seus praticantes ainda precisam dedicar-se em uma jornada para reivindicar o que já lhes é direito. “Tem sido uma jornada muito trabalhosa reivindicar o que a gente tem direito”, apontou. O mestre pontuou ainda a necessidade de a capoeira reorganizar seus grupos. “A gente precisa reorganizar nossos grupos e começar a resgatar o que a capoeira sempre foi: de esquerda. É trabalhador, e pobre, é gente de favela”, disse. “A capoeira forma”, finalizou ele.

 

LGBT na Capoeira – O capoeirista e educador social, Puma Camillê, participou da audiência diretamente da Finlândia, por meio remoto. Ele trouxe para a discussão a importância de garantir a presença do público LGBT dentro da capoeira. “Gostaria muito de evidenciar a falta de representação dentro da capoeiragem. A gente tem pensado a capoeira só a partir do prisma do homem hétero normativo”, criticou Puma. Ele ressaltou que vivenciou essa falta de pertencimento, mesmo reconhecendo a capoeira, desde o primeiro contato com essa cultura ancestral. “Foi a partir desse encontro que descobri uma nova forma de comunicar e de conectar com o meu próprio corpo.

Puma enfatizou também que a capoeira precisa ser um instrumento de luta na construção de novas políticas públicas. Falando na inclusão da comunidade LGBTQI+, ele acredita que o candomblé pode contribuir com a capoeira para incluir essas pessoas que carecem dessa representatividade. “Capoeira é a oportunidade de experienciar você mesmo a partir do outro, de trazer o movimento como cura. Jogar capoeira é você entender o outro em você. Enxergar o outro como espelho. De enxergar a minha ética, de como eu enxergo o mundo a partir do outro. Me enxergar em comunidade. Ler o outro a partir de mim”, afirmou.

Capoeira merece mais – O vereador Fernando Jacaré (PT) apontou que o recado que ele percebeu da audiência é de que a capoeira precisa, quer e merece mais do que lhe tem sido destinado. “O município precisa acordar para essa realidade”, disse ele, apontando que as políticas públicas municipais são insuficientes, sem deixar de reconhecer que os vereadores também precisam dar mais atenção ao esporte. “Estamos juntos, participando, e temos que apoiar mais”, disse o parlamentar.

“Capoeira é resistência, é luta, é garra, é determinação. Nós temos que discutir, debater, quebrar preconceitos”, alertou Jacaré.

Busca por respeito e atenção – Mestre Don destacou que a capoeira segue cobrando respeito e atenção. “É uma luta do povo preto”, apontou ele. Mestre Don ressaltou ainda que as seleções e editais são desenvolvidos com critérios distantes da realidade da maioria dos praticantes da capoeira. “Existem seleções, existem editais cujos critérios foram pensados por outros e não por nós”, disse. “Estamos cansados”, completou.

Instrumento de luta – O contra-mestre Kekel parabenizou o vereador Alexandre Xandó por essa iniciativa e falou da capoeira como um instrumento de luta do povo negro e de periferia. No entanto, ele criticou a falta de políticas públicas para esse segmento. “Tem muita gente que luta capoeira, mas não luta pela capoeiragem. Hoje estamos aqui resistindo para manter a luta”, afirmou Kekel. Ele ilustrou a fala tratando sobre a lei que estabelece a Semana da Capoeira em Vitoria da Conquista. “A lei não me representa porque ela veta qualquer situação para que a capoeira seja beneficiada em suas manifestações. A gente joga capoeira todos os dias, mas só temos o reconhecimento quando é folclore”, criticou.

Kekel ainda falou sobre os dilemas enfrentados pelos professores de capoeira ao lidar com crianças de baixa renda na Rede Municipal de Educação, enfatizando os desafios desse trabalho.

Ele ainda tratou sobre a ausência de espaços para garantir a prática da capoeira no município. “Há quantos anos estamos buscando nosso espaço com a Praça da Capoeira, com a Casa da Capoeira? Existe recurso, a verba vem, mas a capoeira fica de fora”, lamentou o contra-mestre.

 



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