Natal, silêncio… Ele vai nascer

Por Mozart Tanajura Júnior

É Natal, um silêncio sagrado se faz no universo! Não ouves? Ele vai nascer! O Verbo Divino se faz humano e arma a sua tenda em nosso mundo. É dia luminoso, repleto de júbilo e silêncio escondido, bem escondido, imperceptível aos ouvidos desatentos. Deus rompe o barulho humano e se revela a nós, frágeis mortais. Por sua encarnação, somos preenchidos existencialmente pela sua terna e eterna presença em nosso meio.

Não há mais o que esconder; na plenitude dos tempos, já nos afirmara o texto sagrado:
Deus quis se tornar um conosco. Se somos merecedores de tamanha graça? Evidente que não! Mas assim o quis, o Senhor! Hoje, quando acordei, fui logo à minha biblioteca e garimpei uma poesia sobre o Natal. Encontrei um poema de autoria de meu saudoso e amado Pai, Professor Mozart Tanajura, intitulado Natal, ontem e hoje. Li, reli o texto e passo a compartilhá-lo, ainda que em fragmentos, com os leitores ávidos por letras poéticas de cunho social, em tempos tão difíceis como o nosso. Diz o poeta:

Natal!
Nada de neve nem pinheirinhos
nem homens embuçados
nem chalés escorrendo neve,
Natal do país do Nordeste
onde o Sol – mergulhador audaz –
faz misérias de acrobata.
Natal das cidadezinhas perdidas nas lonjuras
que lembram Fernãos Pais Dias Lemos
ou Raposos Tavares,
Frades Capuchinhos e missionários,
Natal bem brasileiro
[…]
Natal!
Não há festa de papai Noel
(invenção que apareceria depois
para incrementar o capitalismo)
[…]
Natal!
Mudaram os povos e os tempos
(A comunicação ajoujou os homens pela mesma canga),

A Televisão manda para toda a parte
as mesmas imagens de Papai Noel:
um velho gordo, de barbas compridas
e brancas
com uma sacola às costas
distribuindo um mundo de ilusões
(- “Oh, quem me dera aquela boneca loira
que caminha, fala e dorme!”
Suspira depois a pobre menina
dos mocambos de Pernambuco,
dos alagados da Bahia
ou dos sertões do São Francisco).
Natal!
Mudam os povos e os tempos.
O telefone transmite mensagens
pré-estudadas
e o Correio cartões estereotipados
como se o espírito natalino
ainda vivesse entre os homens.
(TANAJURA, Mozart. Natal, ontem e hoje. In: Tribuna do Café. Nº 631. Vitória da
Conquista, 24 dez. 1978)

Na poesia “Natal, ontem e hoje” fica patente o sentimento do autor em denunciar as mazelas sociais que afligem, ano após ano, nossa complexa realidade brasileira.

Denuncia também o estereótipo natal “americanizado” com a figura emblemática dos sonhos de areia, que se desfazem diante das injustiças produzidas pelo sistema capitalista, que privilegia uns poucos em detrimento da grande massa sem moradia digna, sem ter o que comer, sem escola, sem saúde adequada e sem horizontes para correr, brincar e sonhar com um mundo mais fraterno.

“Natal, ontem e hoje” é poesia social, que deve nos interpelar e ressoar em nossa consciência: Há ainda o espírito natalino em meio a tantas controvérsias de nossa época? Vejam só, passam-se os anos e os abismos sociais só aumentam! A poesia não ficou paralisada no tempo, no ano de 1978, quando publicada. Atualizou-se na memória poética e viajou pelo tempo, a ponto de adentrar num novo século e ser ainda arauto profético de quem acredita na força das letras para vencer as injustiças; ser a voz dos pequeninos, rompendo o silêncio, ainda que insistentemente os poderosos tendem a escondê-lo e a aprisioná-lo por medo de escutar nele a voz da consciência.

Não, minha gente, o natal propagandeado em nosso século não é, nem de perto, o Natal do silêncio profético que há dois milênios encantou e acolheu a humanidade em sua manjedoura.



Artigos, Conquista, Destaques, Política, Vitória da Conquista

Comentário(s)