Conquista: Conheça a situação dos moradores de rua da cidade

Do Blog de Giorlando Lima

Do meio da praça, entre uma igreja fechada e um fórum de justiça em que eles não podem entrar, porque não se vestem adequadamente, eles me viram. Eu passava com a câmera fotográfica pendurada pelo pescoço, elas perceberam e gritaram: “Ei, faz uma foto da gente”. Há em mim um projeto de fotógrafo e um repórter insistente que não desprezam a oportunidade de contar uma história.

– Vocês moram aí?

– A gente veio para cá depois que a prefeitura começou a mexer na Vítor Brito e expulsaram a gente de lá.

– Vocês estão nesse local há quanto tempo?

– Aaahhh, já tem dias.

– E vão ficar aí mesmo?

– E tem outro jeito? A Casa do Andarilho só aceita a gente por uns dias; a prefeitura não tem outro lugar.

– Mas, vocês são daqui mesmo?

– A gente é de todo lugar. Eu sou de Itarantim e só queria o dinheiro para ir embora, mas a prefeitura não dá.

– Ei, faz foto de mim, faz foto do meu bumbum…

Isso foi no dia 10 de novembro. Eles eram cinco pessoas e quatro cachorros no momento em que eu me dirigia ao ponto de ônibus da Praça Estevão Santos (Praça do Fórum). Abrigavam-se, se é que se pode falar assim, entre árvores, sentados ou deitados sobre cobertores estendidos no chão bem varrido por eles. Panos coloridos, mochilas e sacolas coloridas davam um tom vivo ao acampamento sem cobertura. Ainda era dia e não chovia.

Um mês depois, no dia 11 de dezembro, chovia e eu cumpria a rotina de tomar o ônibus da Cidade Verde para retornar para casa, quando revi algumas daquelas pessoas. Estavam em três homens, uma mulher e dois cachorros. Aproveitavam que o trailer de sanduíche da praça estava fechado e evitavam a chuva aproveitando a proteção oferecida pelo toldo da lanchonete.

Puxei conversa.

– Vocês são as mesmas pessoas que estavam no meio da praça?

– Sim. Mas, a chuva chegou e a gente fugiu para cá.

Mas, estão faltando uns e tem outros que eu não tinha visto.

– Quem não está aqui está por aí.

Pouca gente tem a dimensão do problema dos moradores de rua. Em uma de suas edições, a revista Conexão, editada por mim, trouxe uma ampla matéria, levantando dados e ouvindo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (Semdes). Depois de fotografar o grupo que ocupa a Praça Estêvão Santos (em frente ao fórum João Mangabeira), o BLOG conversou com a responsável pelo setor que cuida do assunto na Semdes, a assistente social Kadija de Andrade Silva, gerente do Centro POP adulto. Ela foi procurada por indicação da Secretaria de Comunicação, quando o BLOG solicitou posicionamento do governo municipal em relação a matéria publicada pelo Blog do Anderson, em 19 de novembro, informando que quase cem pessoas dormem nas ruas de Conquista todas as noites. Segundo Anderson, a secretária da Semdes, Irma Lemos, explicou que, no último mês de junho duas casas foram alugadas para abrigar os moradores de rua, no entanto “nenhum quis ir morar”. Eles têm tudo, mas das ruas não querem sair”, teria afirmado Irma, que também é a vice-prefeita de Conquista.

Segundo Kadija, que é especialista em projetos sociais e também é pedagoga, uma equipe da secretaria faz uma abordagem social, com um levantamento frequente das pessoas que estão nas ruas, seu perfil, suas necessidades, se têm vínculo familiar, uma casa no município. Depois desse trabalho, as pessoas identificadas são encaminhadas para o Centro de Atendimento à População de Rua (Centro POP Adulto) ou para unidades corresponsáveis da rede de assistência social, que são os Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS II e CAPS AD), a Casa do Andarilho, que é parceira da prefeitura para abrigamento. No Centro POP Adulto a pessoa que não for de Conquista pode obter o auxílio-viagem para retornar para casa, se quiser.

PERFIS VARIADOS

Kadija diz que não há 100 pessoas morando nas ruas. Ela diz que pelos levantamentos constantes feitos pelas equipes da Semdes, o número varia de 60 a 80, de perfis variados. “Tem gente que sobrevive das ruas, passa o dia nas ruas, por conta do uso de substâncias psicoativas, dos ‘corre’, como dizem, mas à noite voltam para casa. E tem aquelas que dormem nas ruas, são moradores de ruas”.

As ações da Semdes em relação a essa questão são várias e são diárias, explica a gerente do serviço. Inicialmente, o pessoal da abordagem social vai às ruas do centro e dos bairros, atendendo informações que chegam por telefone ou pessoalmente, ou por observação própria da equipe, que circula vários pontos, principalmente os mais críticos, que são aqueles onde a presença dessa população é mais frequente, como as avenidas Olívia Flores e Frei Benjamin e algumas praças. No Centro POP a ação inclui apoio psicológico e recreação, além de alimentação. “A gente procura proporcionar a essas pessoas respeito e valorização. Fazemos, inclusive, festas em datas comemorativas, como São João e Natal, com uma ceia”.

Kadija Andrade, no meio, com a equipe do Centro POP (Foto: Arquivo Pessoal)

VÁRIOS MOTIVOS

A gerente do Centro POP esclarece que são dois públicos-alvo, já que as pessoas em situação de rua se subdividem, com aqueles que usam a rua para sobreviver e os que moram nas ruas e, dentro desses grupos ainda há os migrantes, que não vão ficar em Conquista, estão de passagem, os chamados andarilhos. “É um outro estilo de vida, por vários motivos”, fala Kadija. Muitas vezes, explica ela, é alguém que perdeu o emprego numa determinada cidade e está viajando para outra em busca de trabalho; às vezes o motivo é uma decepção amorosa ou vínculos familiares rompidos.

“Ao passar por Conquista, uma cidade atrativa para pessoas em situação de rua, porque o pessoal que mora nas ruas de Conquista é um pessoal acolhedor, essas pessoas fazem amizade e acabam ficando por aqui”, conta, assegurando que as ações são diárias, nas ruas e dentro do Centro POP. “Uma vez por mês a equipe de abordagem social faz uma ação grande, realizando rodas de conversa sobre violência, cuidados com a saúde do corpo, sobre as vulnerabilidades de quem mora nas ruas, todos temas voltados para a realidade dessas pessoas”.

Kadija explica que a determinação do prefeito Herzem Gusmão é que as ações de atenção às pessoas em situação de rua sejam efetivas e permanentes. Mas, diz ela, existem algumas dificuldades, que não específicas de Vitória da Conquista. “A Constituição dá direito da pessoa ir e vir e permanecer onde ela quiser, então, existem pessoas em situação de rua que não querem mudar essa condição. Se você oferecer uma casa, dar a oportunidade de abrigo, elas vão recusar”.

Kadija conta o caso de um grupo que já passou uma temporada na Praça Vítor Brito, outra temporada sob a marquise do Banco do Brasil e hoje está na Praça do Fórum. Ela fala do nosso grupo de amigos, mencionados no começo desta matéria. “Um dos idosos que estão lá é beneficiário do INSS, a gente já fez orientação com ele, a equipe já o acompanhou para alugar uma casa, ele ficou com a chave da casa pendurada no pescoço, mas ele se recusou a ir morar nessa casa. Disse que não se acostuma mais em uma casa, ele quer viver na rua. São vários os perfis e essa é a maior dificuldade. Mesmo a gente tendo todo o apoio do governo, com a retaguarda da administração com relação ao auxílio-passagem, da parceria com a Casa do Andarilho, as dificuldades são grandes ainda”.

PLANOS DE UM ABRIGO

A assistente social fala que há necessidade de implantação de um abrigo municipal, “em que a gente possa acolher melhor essas pessoas, porque é uma quantidade grande e a gente vem lutando por isso. Nós da Semdes, com apoio da secretária Irma Lemos, e o interesse do prefeito Herzem Gusmão, estamos nos mobilizando para a implantação de uma política municipal de assistência às pessoas em situação de rua”. Mas, ela reafirma, uma das dificuldades principais do trabalho é o próprio usuário, que, em alguns casos, se nega a fazer o tratamento de desintoxicação ou a receber o auxílio de abrigamento da Casa do Andarilho ou ainda, como falado, não aceita o apoio para voltar a morar em uma casa. E muitos recebem o auxílio-passagem, viajam, mas acabam voltando a Conquista.

A questão maior, nestes casos, de acordo com Kadija Andrade, é o uso do álcool ou de alguma substância psicoativa. “A gente tem casos de adultos que são acompanhados pelo Centro POP Adulto, que já foram crianças e adolescentes em situação de risco, quer dizer, não é uma situação de agora. Não emergiu nos últimos dois anos, já existia há muito tempo em Vitória da Conquista. Há maior visibilidade agora, talvez, porque os blogs estão abordando o assunto. Mas, esse assunto está em discussão há muitos anos no município. A população de rua sempre existiu e sempre existirá, pois, apesar do esforço de todas as equipes que atendem esse público, a gente tem que respeitar a vontade do indivíduo”.

Isso que Kadija fala é muito parecido com o que uma daquelas pessoas que eu encontrei na praça disse, bem alto – e com esperança.

– Tomara que a prefeitura deixe a gente ficar, é nosso lugar.



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