Sobre o futuro do teatro conquistense

Euclides Santos Mendes[1]

Euclides Santos Mendes[1]

Impulsionada pela potência da relação com a tradição popular, a música, a literatura, as artes plásticas, o cinema e o audiovisual, a produção cultural de Vitória da Conquista movimenta-se novamente, agora com o teatro. O espaço cênico ressurge na cidade como parte do processo de formação teatral de crianças, jovens e adultos. Tal processo é estimulado, sobretudo, pelos cursos livres e eventos realizados pela CazAzul Teatro Escola, cuja presença cria novas interlocuções culturais na cidade baiana como, por exemplo, uma aproximação criativa entre estudantes e professores do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) com estudantes e professores de teatro.

No livro “A aventura do teatro”[2], a dramaturga, atriz e diretora Maria Clara Machado (2011, p. 13) enfatiza que “teatro é uma arte que necessita de muito esforço, muita dedicação e muito trabalho”. Essa reflexão é necessária à compreensão do sentido processual que caracteriza o trabalho de formação em teatro (interpretação, dramaturgia, direção, iluminação, cenografia, figurino, sonoplastia, produção etc.). A peça em cena não é simplesmente o resultado do processo formativo, mas o instante imediato e irrepetível do encontro da ficção com a realidade, da forma com o conteúdo, da personagem com o público.

Ao promover a 3ª Mostra Culte (Cursos Livres de Teatro), a CazAzul adensa seu processo de formação teatral, ao mesmo tempo em que incentiva a diversificação e a renovação da cena cultural na cidade. Com o aconselhamento artístico-pedagógico de Adriana Amorim, atriz, dramaturga e professora de teatro, a mostra apresentou as montagens de cinco peças teatrais, propiciando ao público que lotou o Teatro Municipal Carlos Jehovah, nos dias 18 e 19 de junho de 2018, ver de perto a energia que emana de um palco iluminado.

O segundo espetáculo da mostra, “Partiste”, surgiu como trabalho de conclusão do curso de Princípios da Direção Teatral. Adaptação de fragmentos da peça escrita pelo dramaturgo Paulo Henrique Alcântara, “Partiste” foi dirigida por Rogério Luiz Oliveira, fotógrafo, documentarista e professor do curso de Cinema e Audiovisual da Uesb. Em cena, uma família de Livramento de Nossa Senhora, sertão baiano, vive as impermanências e memórias que extravasam nos dramas pessoais de cada um. De modo sutil, questões que tangenciam a liberdade, a necessidade de partir e o enfrentamento da solidão se estendem das personagens aos espectadores em algo que nos atravessa a todos: os afetos.

O tema dos afetos também marcou a terceira peça da mostra, “Um dia naquela semana”, que aborda o universo feminino em sua potência solidária e transformadora. Nesse sentido, a peça – escrita por Adriana Amorim, dirigida por Thiana Barbosa e encenada por jovens atrizes do curso de Iniciação ao Teatro – dá visibilidade a questões ligadas à ressignificação do papel social da mulher.

A mostra também apresentou duas comédias. Em “A morte bate à sua porta”, o tema da finitude do corpo é tratado de maneira bem-humorada, aspecto intensificado pela parceria dos dois atores em cena. Adaptação livre da peça homônima do dramaturgo e cineasta Woody Allen, a montagem dirigida por Gabriela de Souza como trabalho de conclusão do curso de Princípios da Direção Teatral naturaliza o tema da morte, aproximando-o da vida através do riso.

Espetáculo de encerramento da mostra, “Meu coração é brega” surgiu a partir do repertório da música romântica popular brasileira. O musical foi escrito e dirigido por Isac Flores, cujo interesse em música romântica popular também resultou no documentário “Diamante de Poções”, filme sobre o cantor Danga Batista realizado como trabalho de conclusão do curso de Cinema e Audiovisual da Uesb. “Meu coração é brega” incorpora e encena de maneira bem-humorada as letras de canções como “Eu não sou cachorro, não”, de Waldik Soriano, entre outras, criando um espaço cênico em que o corpo é o principal meio pelo qual jovens atrizes e atores do curso de Iniciação ao Teatro expressam suas personagens.

Maria Clara Machado (2011, p. 23) ensina que a atriz e o ator precisam aprender a relaxar, a dominar seus gestos e ações quando estão em cena, pois, se estão tensos, isto é, cheios de medo, envergonhados ou preocupados em não esquecer o papel, não conseguem nem dizer direito as suas falas, nem se movimentar na marcação. Isso faz parte de um denso processo de educação da sensibilidade. Mergulhada nesse processo, a 3ª Mostra Culte possibilitou reviver, nos dias frios do quase inverno do planalto conquistense, a potência do olhar sobre a cena, como processo criativo e coletivo, na pequena e importante arena do Teatro Municipal Carlos Jehovah, onde foi possível perceber a presença de um público ávido pelo encantamento através da arte. É dessa potência formativa e criadora que irá emergir o futuro do teatro conquistense, como espaço social, educativo, econômico e cultural resultante de um persistente e responsável trabalho de sensibilização artística, voltado principalmente às jovens gerações.

[1] Jornalista, pesquisador e professor, faz pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade (PPGMLS), da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).

[2] MACHADO, Maria Clara. “A aventura do teatro”. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.



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