Opinião: O que eu quero para o dia das mães

Por Luciana Santos Silva (Advogada, professora do curso de direito da UESB e diretora de assuntos jurídicos e educacionais da União de Mulheres de Vitória da Conquista)

O dias das mães é o segundo melhor período de vendas para o comércio perdendo apenas para o Natal. E para as mãe, qual o real ganho nessa data? Para além do ponto de vista comercial o que pode significar o Dia das Mães? Ser mãe é maravilho mas não ficamos apenas no paraíso. A sociedade traz um falso endeusamanto da maternidade que torna muito doloroso o seu outro lado.

Um ponto importante para começar a desmascarar esse ideário inatingível é aceitar que nem toda mulher precisa ser mãe. O culto a maternidade traz consigo a obrigação da mulher em ter filhos. Ser mãe é uma opção e não uma imposição. As mulheres que não querem ter filhos são tachadas de loucas, “meia-mulher” ou insensíveis, ainda que isso seja dito de forma velada. As que não podem reproduzir são muitas vezes levadas a autoculpabilização, ao sentimento de impotência ou ao desespero por não cumprir o destino social  que foi traçado para as mulheres: ser mãe.

As que enveredam pela maternidade passam a conhecer o seu lado oculto. Um deles é a violência obstrética que é vivenciada por mulheres durante o pré-parto e parto. Como advogada ouvi o relato de uma mulher que chegou no hospital com nove meses de gestação e sentindo cólicas. Ela foi “atendida” e lhe recomendaram que voltasse para casa.  Ao chegar em casa ela desmaiou, retornou ao hospital e foi levada direto para o centro cirúrgico. Já não era possível fazer a cesariana. Isso não foi dito para ela que foi conduzida ao parto normal, com uso do forceps e pariu ouvindo frases como: “você não quer que seu filho nasça”; “ele vai nascer com problemas e a culpa vai ser sua”; “ele não nasceu ainda porque você não quer colocar força”; “vamos, deixe de preguiça”. Segundo a Fundação Perseu Abramo uma em cada quatro mulheres sofre violência obstrética no Brasil.

Após o parto muitas mulheres são acometidas por transtornos e sofrimentos mentais relacionados a maternidade sem verbalizar o que sentem. Afinal o centro é a criança e a maternidade é um momento mágico. Esse ideário faz com que a mulher silencie sobre as angústias de sua realidade como a mudança no corpo, alteração da rotina e as cobranças sociais que são atribuídas as mães. A solidão do puerpéril passou a ser tema de debate após relatos de algumas mães nas redes sociais mas ainda é um tema pouco discutido. A FIOCRUZ aponta que uma em cada quatro brasileiras possui sintoma de depressão pós-parto. Há um movimento mundial para reconher a primeira quarta-feira do mês de maio como: o Dia Mundial  da Saúde Mental Materna.

O IBGE indica que as mulheres são as principais responsáveis pelas crianças. A diferença de tempo entre a licença maternidade e paternidade sinaliza que a sociedade imputa ao feminino o dever de cuidado com a prole. Por conta disso as mulheres sofrem fortes cobranças quanto a criação dos filhos que somado aos afazeres domésticos gera uma alta carga de trabalho emocional que consiste no tempo dispendido com a preoupação com outro: a educação, saúde e bem estar, deixando em segundo plano o cuidado de si.

Alguns anos atrás fiz uma fala na câmara de veradores, durante a entrega do prêmio Loreta Valadares, problematizando esse ideário da mãe como mulher abnegada que sempre sacrifica a si em prol da familia. Citei um conto de Clarice Lispetor em que uma mulher diante de uma galinha foi remomorando todos os pedaços que cada pessoa da sua família gostava de comer e, ao final, ele se deu conta que sabia o gosta de cada familiar mas não o dela. Após a sessão um vereador me disse que nunca tinha pensado na perspectiva da abnegação materna como algo cruel e narrou que até então achava essa uma das maiores virtude da sua mãe.

Assim como fez o vereador é necessário que a sociedade descontrua esse modelo idealizado e, por isso, irreal e opressor da maternidade.  Ser mãe é maravilhoso mas não pode ser uma imposição. Aportermos no real para romper os silêncios das angustias maternas, deixem-nos falar. Deem-nos ouvidos para nos escutar. Tirem-nos do lugar comum e vamos juntos construir uma nova maternidade.  Ser mãe é uma experiência extraordinária e deve ser celebrada. Sim, deve ser celebrada. Mas a comemoração para ser realmente grandiosa deve ir além dos presentes e traspor as idealizações da maternidade.



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