ENTREVISTA: “Com a terceirização, a classe trabalhadora praticamente perde os direitos trabalhistas, como férias, décimo terceiro, FGTS, licença maternidade”, explica a economista Sofia Manzano

Fotos: Adusb

O mercado de trabalho brasileiro tem uma nova Lei, a 13.429/2017, que amplia e regulamenta a terceirização de forma irrestrita. Foi sancionada pelo presidente Michel Temer em 31 de março, e já está valendo. Foi também dia 31 de março que aconteceram protestos em pelo menos 22 estados mais o distrito federal contra as medidas do governo federal para “modernizar” as relações trabalhistas, como a terceirização (aprovada) e as propostas de reformas da Previdência e Trabalhistas, ainda em tramitação no Congresso.

O texto da Lei 13.429/2017 foi elaborado ainda durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), tinha sido aprovado no Senado em 2002 e faltava a aprovação na Câmara Federal. No início de março, o projeto foi desengavetado no legislativo em manobra do governo Temer e votado em 23 do mesmo mês. Como já tinha passado pelo Senado, foi direto para sanção presidencial. Esse processo todo foi realizado de forma rápida, com pouca divulgação nos meios de comunicação.

A partir de agora, qualquer atividade de uma empresa poderá ser desempenhada por um(a) trabalhador(a) terceirizado (a). Antes, a terceirização só era permitida pela Justiça para atividade-meio, não para atividade-fim de uma empresa. O supermercado, por exemplo, pode agora terceirizar os serviços de operador(a) de caixa ou atendente de padaria. Essa é apenas uma das mudanças da Lei de Terceirização.

Para esclarecer dúvidas sobre o tema, o blog Rodrigo Ferraz entrevista a economista Sofia Manzano, professora do curso de Economia da Uesb. Ela aborda os prejuízos trazidos pela terceirização irrestrita tanto no setor privado como no público, especialmente na educação, e os grandes ganhadores e os perdedores neste nosso contexto de mercado de trabalho.  Além disso, Manzano aponta a saída para reverter as medidas do atual governo:  “Chegamos num ponto em que só grandes paralisações, mobilização nas ruas, greves gerais, farão esses governantes perceberem que não poderão lidar assim com a vida das pessoas. Nós não podemos ficar parados, só a luta muda a vida”.

 

BRF – O discurso do empresariado brasileiro defendido pelo governo de Michel Temer diz que a Lei da Terceirização trará maior produtividade para as empresas e, consequentemente, mais emprego. Como você avalia esse argumento?

SM – Todas as vezes que a economia entra em crise, os empresários atacam os direitos dos trabalhadores e argumentam que somente a retirada desses direitos aumentará o nível de emprego. Devemos perguntar, então, como foi que o emprego cresceu tanto de 2004 até 2012, com as mesmas regras que agora querem destruir? Se é a legislação trabalhista que impede a criação de empregos, como eles foram criados anteriormente, com a vigência dessas mesmas regras? O que eu quero dizer é que o crescimento do emprego não tem relação com a legislação trabalhista, agora, o aumento da lucratividade das empresas, num período de crise como esse, sim. A terceirização não vai aumentar o nível de emprego, vai aumentar a taxa de lucro.

BRF – O que muda para o (a) trabalhador(a) da iniciativa privada? O que é atividade-fim e atividade-meio?

SM – A Lei da Terceirização afeta muito mais os trabalhadores do setor privado, pois, teoricamente, todos poderão ser terceirizados. No setor público, apesar de abrir a brecha para a terceirização nos serviços de saúde e educação, ainda existe forte pressão contrária. Quanto à atividade fim, é aquela para a qual a empresa foi criada, por exemplo, numa empresa que faz calçado, todos os trabalhadores que trabalham diretamente nas máquinas que produzem o calçado são trabalhadores da atividade-fim. A atividade-meio é aquela que, mesmo importante para a produção, não é está diretamente ligada com o produto final, por exemplo, a manutenção das máquinas, limpeza, segurança, serviços de escritório, entrega, etc.

BRF – Quais são os direitos trabalhistas que a Lei elimina? O direito à licença maternidade permanece? Qual a expectativa em relação à renda desses trabalhadores terceirizados?

SM – Na verdade, a Lei 13.429/2017 pode eliminar quase todos os direitos trabalhistas porque ela, além de estender a terceirização para as atividades fins, amplia as possibilidades do trabalho por tempo determinado. Essa modificação talvez seja bem pior que a terceirização. Se bem que, atualmente fica difícil saber o que é pior. Com a contratação por prazo determinado, e através de empresas terceiras, o(a) trabalhador(a) perde praticamente todos os direitos, como férias, décimo terceiro, FGTS, licença maternidade, além da insegurança jurídica no que se refere à real relação de trabalho. Em relação à licença maternidade, que é um direito constitucional, com a contratação por prazo determinado, a trabalhadora, na prática, perde esse direito. Uma mulher pode ser contratada por seis meses e, findado o contrato, a empresa não tem mais nenhuma obrigação para com ela. Na prática, as empresas se livraram da licença maternidade e as mulheres terão muito mais dificuldade de conseguir boas colocações, com contratos permanentes, no mercado de trabalho.

Com relação aos salários dos terceirizados, esses sempre foram o principal objetivo de ampliar a terceirização. Além de fragmentar a classe trabalhadora impedindo sua união na defesa de seus direitos. Todos sabem que os trabalhadores terceirizados ganham muito menos que seus colegas, às vezes na mesma função. Era para isso que os empresários queriam essa lei, para aumentarem os lucros.

 

BRF – O que muda para os empresários? Eles deixarão de pagar impostos? Terão menos processos trabalhistas?

SM – Os empresários querem voltar a ter a relação de trabalho sem interferência do Estado, ou seja, que a contratação se dê de forma individual. Isso já ocorreu, tanto no Brasil, como em outros países, e os trabalhadores eram submetidos às condições mais brutais de trabalho. Com essa lei, há um avanço nesse sentido. Os empresários não precisam cumprir a legislação trabalhista, transferem para outros empresários, que, por sua vez, também não cumprem. E assim, cria uma insegurança jurídica enorme para o(a) trabalhador(a). Afinal, qual empresa será responsabilizada pelos direitos dos trabalhadores? Se os empresários podem jogar, entre si, para se livrar dos direitos trabalhistas, também o farão com relação aos impostos, deixando para discutir na justiça, o que leva décadas para se resolver. Como já afirmei, essa lei aumenta a insegurança jurídica para o(a) trabalhador(a). Pode sim gerar muito mais processos trabalhistas, só que agora serão muito mais demorados (como se já não fossem!), pois uma empresa vai jogar a responsabilidade para outra e assim vão adiando suas responsabilidades.

BRF- Qual o impacto fiscal nas contas do governo com a redução de arrecadação dos encargos trabalhistas? Isso vai afetar a Previdência Social?

SM- Pela lei aprovada não haverá impacto, pois as empresas continuam obrigadas a recolher o INSS. O que pode aumentar é a sonegação.

BRF- Quais trabalhadores serão os mais prejudicados? Em um recorte de gênero, pode-se dizer que as mulheres serão as grandes perdedoras?

SM – Agora, todos os trabalhadores poderão não só ser terceirizados, como também ter contratos por prazo determinado. É claro que a mulheres serão as mais prejudicadas. Vejam o que vai acontecer agora: as mulheres serão contratadas pelo prazo máximo de seis meses, quando terminar o prazo, se ela não tiver grávida, poderá ter seu contrato ampliado por mais três meses. Se tiver grávida, não vai ser mais contratada e nem ter direito a licença maternidade. Depois disso, terá, obrigatoriamente, que ficar fora dessa empresa por mais três meses, para poder voltar a trabalhar.  Na prática, de acordo com a vontade da empresa, os trabalhadores só terão emprego por nove meses, durante três meses estarão fora.

 

BRF – Porque a terceirização aumenta a rotatividade de trabalhadores?

SM – Não é só a terceirização que aumenta a rotatividade, a contratação por prazo determinado vai gerar uma enorme rotatividade, justamente pelo que expliquei acima. Um(a) mesmo(a) trabalhador(a) não poderá trabalhar na mesma empresa por mais de nove meses. Já imaginou isso, a cada nove meses ter que começar tudo novamente? E as férias, o décimo terceiro, o FGTS, tudo isso acaba. A não ser que os empresários achem que esses três meses sem trabalhar nem receber salário sejam as férias…..

 

BRF – De que forma essa lei vai afetar a administração pública? Daqui para frente, os concursos públicos podem acabar?

SM – A terceirização vai permitir ao setor público deixar de cumprir suas funções de prover saúde, educação, assistência social, fiscalização, segurança, com qualidade. Poderá terceirizar essas atividades. Teoricamente, para essas funções os concursos diminuirão.

 

BRF – Na educação, como fica a terceirização de professores? Essa prática trará danos ao ensino, à pesquisa e à extensão (projetos destinados a atender a comunidade externa), no caso da universidade pública? E nas escolas de ensino fundamental e médio?

SM – A terceirização na área da educação (pública e privada) é o grande sonho do capital financeiro que tem investido nessa área. Surgirão enormes empresas para fornecer “professores” cuja única função será preencher a hora aula na sala de aula. A relação da educação com o conhecimento não mais existirá, pois o professor será apenas o repetidor de fórmulas prontas, apostiladas, com programas computadorizados para difundir conteúdos acríticos aos estudantes. Isso tanto nas escolas do ensino básico e médio, quanto nas universidades. A insegurança jurídica quanto à sua relação de trabalho faz com que qualquer profissional não tenha condições de se dedicar integralmente ao trabalho, isso vale muito mais para os profissionais da educação e da saúde. Como é que um médico ou um professor vai se dedicar ao seu trabalho sabendo que daqui a poucos meses não estará mais trabalhando, terá que sair atrás de outro emprego?

 

BRF – Para qual projeto de país estamos nos encaminhando a partir da terceirização irrestrita?

SM – De fato existe um projeto de país sendo efetivado há uns vinte anos, é o projeto do capital financeiro de transformar tudo em mercadoria e extrair o máximo de lucros possível, tanto no setor privado, com as reformas trabalhistas que na prática reduzem os salários e as condições de trabalho, quanto no setor público, que reserva a maior parte do fundo público para esse capital financeiro. É um projeto que está jogando o país no mais brutal subdesenvolvimento. Mesmo no período dos governos do PT esse projeto esteve em andamento, com o aprofundamento da exploração dos trabalhadores.

 

BRF – Depois de aprovada na Câmara e sancionada pelo presidente Michel Temer, existe alguma forma de reverter a Lei 13.429/2017?

SM – A única forma de reverter qualquer medida que os governantes tomam contra os trabalhadores é a nossa luta. Chegamos num ponto em que só grandes paralisações, mobilização nas ruas, greves gerais, farão esses governantes perceberem que não poderão lidar assim com a vida das pessoas. Nós não podemos ficar parados, só a luta muda a vida.



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