Opinião: A Cidade (i) Legal e o (des) Caminho do Parque

Por Claudio Oliveira de Carvalho*

A cidade não para, a cidade só cresce. O de cima sobe e o de baixo desce. Chico Science & Nação Zumbi 

Não é a primeira vez que os moradores do Caminho do Parque tentam restringir o seu acesso a moradores e pessoas autorizadas. Há mais de quinze anos já se quis transformar o Caminho do Parque em um condomínio fechado.

Ao contrário do que a população conquistense comumente afirma, o Caminho do Parque não é um condomínio fechado, mas sim um loteamento integrante do Bairro Recreio. Não obstante a confusão corriqueira, loteamentos e condomínios são institutos jurídicos completamente diferentes. O primeiro é uma forma de parcelamento do solo urbano, enquanto o segundo é um direito exercido por mais de uma pessoa sobre o mesmo bem ao mesmo tempo.

Por esse motivo, qualquer pessoa pode transitar por ele através dos acessos na Av. Marcelino Rosa (pela Av. Genésio Porto) ou na Rua Pompílio Neto (pela Av. Luís Eduardo Magalhães).

Diferentemente do que ocorre em um legítimo condomínio fechado (em conformidade com a legislação civil), as vias do Caminho do Parque são públicas. O artigo 99, inciso I, do Código Civil afirma serem bens públicos “os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;”.

Dessa forma, as ruas do Caminho do Parque, que não foi constituído como condomínio fechado, são bens públicos. Os particulares que desejam utilizar bens públicos com exclusividade (chamada de utilização especial de bens públicos por particulares), como é o caso dos moradores do Caminho do Parque, devem ter o consentimento do Poder Público para tanto, que sempre deve obedecer ao interesse público.

O fechamento de uma ou outra via pública deve ser medida excepcional que não pode, em última análise, contrariar o interesse público. O direito de ir e vir de todos os cidadãos não pode perecer em benefício de interesses de associações de moradores. O fim do acesso ao Caminho do Parque pela Rua Pompílio Neto e a construção da Av. Guanabara são uma forma indireta de fechamento deste loteamento.

Com a operação coordenada da construção da Av. Guanabara e da interdição da Rua Pompílio Neto, não haverá mais qualquer interesse no trânsito através do Caminho do Parque. Mas qual é mesmo a justificativa para a construção da Av. Guanabara? A Prefeitura afirma ser segurança viária (governo passado e o atual). Religar as vias públicas do Caminho do Parque ao restante das vias de Vitória da Conquista não seria uma forma eficaz de garantir a segurança viária dos munícipes?

Enquanto o caminho do parque tem “permissão” para colocar um “belo” portão, por outro lado, as ocupações em Conquista são combatidas e acusadas de “enfeiar” a cidade e destruir o meio ambiente. Na semana passada escrevemos artigo sobre a ocupação comunidade maravilhosinha que foi desocupada com o argumento de áreas pertencente ao Parque Municipal da Serra do Piripiri . No sábado passado a Prefeitura Municipal realizou a mesma operação na ocupação cidade bonita com o mesmo argumento.

A situação encontrada reforça que o urbanismo brasileiro (entendido aqui como planejamento e regulação urbanística) não tem comprometimento com a realidade concreta, mas com uma ordem que diz respeito a uma parte da cidade, apenas. Pretensamente, a lei se refere a todos os indivíduos, de acordo com os princípios da lei. Mas podemos dizer que o Direito se aplica a uma parcela da sociedade reafirmando e reproduzindo desigualdades e privilégios.

A realidade é que a divisão entre as ordens formal e informal, entre a cidade “legal” e a cidade “ilegal”, depende das circunstâncias e dos interesses envolvidos. A (in) eficácia da legislação é, de fato, apenas aparente, para os moradores das ocupações maravilhosinha, cidade bonita e caminho do parque, pois constitui um instrumento fundamental para o exercício de fronteiras de poder. Sua aplicação segue a lógica da cidadania restrita a alguns.

Na verdade, a legalidade urbana organiza e classifica territórios urbanos, conferindo significados e legitimidade para o modo de vida e micropolítica dos grupos mais envolvidos na formulação dos instrumentos legais. Por outro lado, a legislação discrimina agenciamentos espaciais e sociais distintos do padrão sancionado pela lei.  Este é, sem dúvida, um dos aspectos mais interessantes da lei. Aparentemente, esta funciona como uma espécie de molde da cidade ideal ou desejável. E Conquista tem mostrado qual é a cidade desejada.

* Professor Adjunto de Direito Ambiental, Urbanístico e Agrário da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Doutor em Desenvolvimento e Planejamento Urbano. Mestre em Direito Ambiental. Advogado. Integrante do Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa (NAJA) e do Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade (GPDS). Militante da Consulta Popular.



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