Comunidade Maravilhosinha: Em que cidade você se encaixa?!

Por Professor Claudio Oliveira de Carvalho*

Nos barracos da cidade, ninguém mais tem ilusão no poder da autoridade de tomar a decisão.

E o poder da autoridade se pode não faz questão. Se faz questão não consegue enfrentar o tubarão. Gilberto Gil

A cidade com fundamento no Direito Ambiental e Direito Urbanístico, na medida em que o ordenamento racional do espaço urbano não pode dissociar-se da proteção ambiental. As normas urbanísticas e ambientais mantêm entre si estreito relacionamento com o intuito de garantir a qualidade de vida dos habitantes da cidade diante dos impactos ao meio ambiente e crescimento dos adensamentos urbanos. Compreendida por muitos como o oposto do campo, da natureza e da simplicidade, a cidade necessariamente não se opõe ao meio ambiente, na medida em que o espaço urbano é constituído pelo ambiente construído e pelo ambiente natural.

O caso da ocupação maravilhosinha aponta para uma questão histórica da necessidade de preservação ambiental das APPs (Mata ciliar, restinga, mangue etc), Unidades de Conservação (Parques, Reserva de Biodiversidade, APAs etc) e uma intensa litigiosidade, em que estão presentes os interesses das comunidades que estão na posse de moradia e o interesse de toda coletividade de manter a preservação ambiental. De um lado, o executivo municipal prega incondicionalmente a necessidade da intocabilidade de determinados ecossistemas. De outro, movimentos sociais pela terra procuram equacionar o problema habitacional de maneira a não aguçar o déficit habitacional.

Essas ocupações, assentamentos irregulares, “marginais”, em áreas de preservação também são fruto do processo de exclusão territorial e pilhagem ambiental em face do modelo capitalista. A forma devastadora de apropriação da terra, do espaço “natural”, caminha paralelamente a ilegalidade das propriedades, e esse casamento tem sido o principal agente de segregação socioambiental nas cidades. Devastação e sobrevivência são os elementos contraditórios da relação homem-natureza na prática cotidiana de produzir e reproduzir o habitat. Ao ocupar as terras disponíveis na periferia, a população atua de forma massiva, orientada por estratégias de sobrevivência imediata e, ao fazê-lo, ela produz espaço. Este movimento é percebido pela própria população, que identifica, claramente, que viver, para o homem, é produzir espaço. No contexto da dinâmica urbana espoliadora, excludente, o universo natural emerge, aos olhos da população, como o universo da abundância, das inúmeras possibilidades de ‘viver, porque, de fato, esse universo “natural”, percebido como aquele diferente do social, é o universo que contém o recurso básico, estrutural, possibilitador da sobrevivência no meio urbano – a terra.

Os dois Planos Diretores de Vitória da Conquista que foram aprovados em contextos políticos diferentes não modificaram a dinâmica urbana. Observa-se que os avanços no Plano Diretor Urbano de 2007, em relação ao de 1976, se deram no campo institucional, já que, no sentido de promover a democratização do acesso à terra urbana, introduziu instrumentos de promoção da distribuição da terra – ex: ZEIS, IPTU progressivo etc. – e processos de gestão descentralizada e democratização das decisões, porém estes instrumentos ainda não foram aplicados e a cidade segue sua marcha de segregação, com investimentos e concentração em áreas nobres.

Sem espaço nas áreas valorizadas de Vitória da Conquista, a grande massa que se alojou nela teve e tem de buscar alternativas de sobrevivência. Os aglomerados subnormais, como a ocupação Maravilhosinha, avançaram sobre o ambiente urbano e, com eles, a miséria, o desemprego, a violência, a falta de oportunidades. O modelo socialmente excludente e espacialmente segregador de Vitória da Conquista gerou/gera inúmeros problemas que prejudicam as condições de viver dignamente de grande parte da população. As linhas gerais que deveriam reger minimamente o conjunto das políticas públicas, no tocante à moradia, são disputadas por interesses socioeconômicos diversos – mercado imobiliário versus habitação popular – lei e ordem versus dignidade da pessoa humana.

Os imensos vazios na malha urbana, que poderiam ser utilizados para a construção de equipamentos de uso coletivo, incluindo a construção de moradias populares, são na verdade instrumentos pelos quais construtoras, incorporadoras, empreiteiras e demais agentes do mercado de capitais se utilizam para fomentar a especulação imobiliária e assim auferir lucros, ainda que sem investir um centavo no terreno nu.

Moradia é um direito enquanto Política Pública de habitação, e não como regularização fundiária em áreas de proteção especial. O que vale, por fim, é o atingimento do bem comum, mediante um planejamento sério e a responsável do Poder Público. O Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o Direito à moradia são Direitos fundamentais.

Vitória da Conquista há que oferecer, por imposição constitucional, condições e oportunidades equitativas aos habitantes, para que atinjam a dignidade humana em toda a sua amplitude. O direito à cidade inclui, portanto, o direito à terra, aos meios de subsistência, ao saneamento, à moradia, à saúde, à educação, ao transporte público, à alimentação, ao lazer, ao trabalho, à informação, à pluralidade étnica e cultural, à preservação da herança histórica e do patrimônio ambiental.

* Professor Adjunto de Direito Ambiental, Urbanístico e Agrário da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Doutor em Desenvolvimento e Planejamento Urbano. Mestre em Direito Ambiental. Advogado. Integrante do Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa (NAJA) e do Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade (GPDS). Militante da Consulta Popular



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