Coluna: O que vimos na Mostra Awery de Teatro. Do real ao poético, ou seria o contrário?

Por *Vilmar Rocha

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Cazazul. Este o nome do teatro escola inaugurado recentemente aqui em Conquista. Eu estive lá no dia e fui calorosamente recebido pelas anfitriãs. Na última terça-feira (23) então, me fiz presente no Carlos Jeohvah para conferir a Mostra Awery de Teatro, produzido pela Cazazul.

Sentei-me quase que ao lado da minha querida Mariana Kaoos, que, de forma brilhante, escreveu sobre o espetáculo. Creio que se ambos estamos dedicando os nossos escritos ao mesmo evento cultural é porque foi bom. Realmente bom.

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Naquela noite, o público foi contemplado com quatro apresentações: 1 – De braços (adaptação de A Falecida, de Nelson Rodrigues); 2 – Dara (solo de dança afro); 3 – Das tripas en-laçadas (adaptação de O Abajur Lilás, de Plínio Marcos); e 4 – Grupo Percussiclável.

De fato, houve uma socialização intensa da diversidade de sons, movimentos corporais e expressões no sentido de levar o público à história ou deixar-se envolver pela música e pela dança. A ordem das apresentações me agradou, visto que a intercalação de representações nos leva a mundos distintos em momentos sequenciais.

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Algo me chamou a atenção: o elenco e público eram majoritariamente jovens, o que denota que o grupo social etário da cultura cervejeira de Conquista está também fora dele e com sede de arte e espetáculo.

Vamos, sem pestanejar, ao que vimos:

Sobre Dara, vi o axé se formar no ambiente que se espalhou pela plateia e energizou o lugar. O figurino era retalhado. Notava-se que coragem e devoção estavam estampados na face do artista.

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De Braços trouxe ironicamente a faceta da traição e a expertise do traído ao ganhar dinheiro do traidor, com base em chantagens e superfaturamento do velório. Ora, isso não retrata a realidade de muitos inescrupulosos por aí, que se aproveitam de informações privilegiadas de outros para se dar bem às suas custas? Mas, se ele foi traído, seria puramente um acerto de contas? A esquete foi encenada de forma leve e terminou com os risos do marido traído que perdeu a esposa infiel, mas que estava com dinheiro no bolso. Uma notada inversão de valores, típicos de sujeitos gananciosos que são retratados na contemporaneidade, bem do nosso lado.

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As dores humanas fortemente representadas e com uma escolha lexical carregada, sem pudores que chocavam, Das Tripas En-laçadas usou da carga semântica das palavras para nos remeter à triste realidade dos seres marginalizados das ruas que nela ganham o seu sustento, através da comercialização do prazer pelo seu próprio corpo, nos horários mais frios e sombrios das noites. O preto predominava no figurino dos personagens e a morte, vinda por assassinato, esteve presente como sinal de doce vingança leviana e que nos mostra um pouco (do pouco) valor de algumas vidas. Será que andamos julgando os nossos pares por aquilo fazem?

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Por fim, a agitação tomou conta do público com o bater dos tambores de material reciclado do Grupo Percussiclável. A mensagem era clara: preservação ambiental, através do chamamento do batuque que lembrava os batimentos cardíacos, no sentido de ir direto, sim, ao coração. Vivemos em um planeta cada vez mais poluído e a arte precisa fazer a sua parte para conscientizar os seres para essa questão que nunca será démodé.

Repare, caro leitor, que tudo isso reflete alguns padrões de comportamento dos sujeitos em determinados contextos: a corrupção e o jeitinho brasileiro; a solidificação e a eterna luta por espaço das religiões afro; o modo de vida e os seus percalços das profissionais do sexo; e a alegria do som vindo da percussão violonada, embebecida com um recado claro de preservação ambiental.

Depois dessas emoções transmitidas em palavras, termino dizendo que arte, corpo, mente, voz, sensações e emoções são ferramentas que representam e denunciam a realidade e que precisam ser notadas, vistas, ouvidas e sentidas em meio ao turbilhão do nosso cotidiano.

*Vilmar Rocha é licenciado em Letras pela Uneb e professor de português, como idioma vernáculo e inglês, como língua adicional. É especialista em Ensino de Línguas Mediado Por Computador pela UFMG e Mestrando em Letras: Cultura, Educação e Linguagens na Uesb. Também é Administrador e Especialista em Gestão Empresarial. Já trabalhou na gestão de contratos e desenvolveu projetos socioambientais.

 



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