Conquista: Reflexões culturais, Devaneios Sonoros e Wesley Safadão

Por Mariana Kaoos

“São tempos difíceis para os sonhadores”

A vida tá correndo. Vocês estão ligados? A vida tá correndo e os fatos, os ocorridos, as experiências cotidianas se apresentam numa velocidade tão exorbitante que, nesses últimos tempos, estão todas se atropelando umas às outras. Jornal de ontem é notícia de ante ontem, história passada, desprezada, irrelevante, rebaixada ao limbo. Quero dizer, vocês já repararam o que fazemos com os jornais, as informações de ontem? Isso mesmo, colocamos elas para servirem de suporte para mijo e bosta de animais diversos. E no final das contas quem lê, quem pensa, quem se importa, quem reflete sobre todos os ocorridos quando se tem merda em cima deles?

A pós modernidade líquida nos impõe essa recusa à reflexão crítica da sociedade e realidade em que estamos inseridos. O consumo torna-se cada vez mais exorbitante. Só queremos saber do que vem e se apresenta como novo e sedutor. Compramos, compramos, compramos, consumimos, comemos, bebemos, ouvimos, obedecemos calados os ditames do capital que nos impulsiona a desejar e pensar sempre no agora. O amanhã se transforma em algo incerto, inseguro e impalpável. Avazies de conteúdo torna-se rotineira em nossas existências e navegamos à deriva nesse (como diz Achiles) mar de refrigerante. E tudo isso por que? Acredito eu que seja porque estamos nos tornando um povo sem história. Digo, a nossa história está na merda e, uma vez estando lá, ela fede e é jogada no lixo. Nossos jornais. Aliás, hoje em dia, em que se importa com os jornais?

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No último fim de semana, nos dias 6 e 7 de novembro, tivemos mais uma edição do Devaneios Sonoros, pensado, produzido e executado pelo Coletivo Suiça Baiana. A proposta desse último Devaneios, intitulado Escola de Rock, foi a de apresentar ao público conquistense um total de dez bandas autorais brasileiras. Duas delas foram a Overfuzz, de Goiás e a Ventre, do Rio de Janeiro. Os ingressos para o evento saíram pelo valor de vinte reais o dia e o passaporte a trinta reais. A cerveja puro malte podia ser adquira pelo valor de quatro reais (três por dez) e as comidas entre quatro e cinco reais. O festival ocorreu na Faculdade Maurício de Nassau, na rua Otávio Santos, praticamente centro da cidade. A perspectiva da produção era de duzentos pagantes por dia, mas só foi alcançado um número de 70 pessoas.

Partindo da perspectiva de que toda festa exige um certo valor de gasto do público e que este, por sua vez, varia em gostos culturais e situação econômica, supõe-se que a Escola de Rock saiu a um preço moderado e acessível às pessoas que gostam dessa vertente artística.

Foto: Danilo Nunes
Foto: Danilo Nunes

Ainda na terça feira, 8, dessa semana, tivemos outra grande produção na cidade. A Toa Toa, em parceria com a Guerreiro Produções, trouxe à Vitória da Conquista o show de Wesley Safadão que ocorreu no Parque de Exposições Teopompo de Almeida. Além dele, as bandas Chikabana, Kart Love e o cantor Thierry se apresentaram. O camarote, open bar de cerveja, refri e água saiu por 170 reais. Já na pista, o ingresso ficou por 70 reais (esses foram os valores do último lote). Segundo informações do jornalista mais querido da cidade, Rodrigo Ferraz, o show foi genial, uma mega produção que reuniu doze mil pessoas.

A pretensão inicial desse texto era de tentar escrever algumas linhas em manifesto a favor de Safadão. Digo, o cara é mais um produto da indústria cultural, foi pensado e modelado para atingir as massas. Suas composições giram em torno do universo etílico e da pegação, por vezes até mesmo da sofrência. Seu estilo de se vestir e se portar corresponde ao estereótipo, à representação social que os artistas do sertanejo universitário estão inseridos. E, além dele ser o mais safado do Brasil, Wesley é, atualmente, o maior nome nas paradas de sucesso de todo o país.

Como todos sabemos, nós, pseudo intelectuais, temos um habito terrível de depreciar, diminuir os produtos da indústria cultural por “não apresentarem conteúdo, substância”. A bem da verdade é que não tem um, não tem um que resista ao som  de Safadão ou que, tomando uma cerveja num dia de sol, não arrisque uns passinhos em alguma de suas canções. Produto massificado ou não, vazio de conteúdo ou não, o cara é bom. O cara é bom e possui um público muito fiel que valoriza, incentiva e consome tudo o que ele lança.

E está exatamente aí a diferença. Por que o público alvo da cultura de massas investe (e aqui falo em todos os sentidos) nas produções segmentadas a eles e o público alvo da cultura dita independente e alternativa pouco liga para isso? Aqui em Vitória da Conquista existe um habito terrível em que as pessoas reclamam a torto e a direito que não existe produção, incentivo, disseminação, que não existem opções, programações culturais para o público alternativo. Ora bolas, nesses últimos tempos, além do Devaneios, tivemos Italo Silva em Caê, Retiros Autorais, pre inauguração da Cazazul, inauguração do bar Cultura Bacana, além de vários espaços gostosos no Canto do Sabiá e no Underground Pub. Alguns deles foram ocupados de maneira veemente, principalmente os que tinham como atrativo o open bar, outros nem tanto assim.

Mas o que está faltando, de fato? O que o público quer? E, por outro lado, no que os produtores estão errando? A comunicação tem se centrado demais apenas nas redes sociais? A fórmula tá gasta? As atrações não são tão interessantes assim? Ou estamos pecando pelo excesso? É preciso que as produções sejam sempre open bar para atrair as pessoas? Até aonde a cena sobrevive sem apoio do público? Como compreender os novos consumidores que chegam e suas necessidades? É preciso que a gente pense nisso tudo. Que peguemos as notícias de nossos jornais de ontem e que façamos uma leitura muito atenta a todas elas, a fim de tentar melhor compreendê-las e, quem sabe, até mesmo traduzi-las. Pensar talvez seja um dos atos mais difíceis realizado pelos seres humanos. Contudo, é necessário, não é mesmo?

Pensar nos próximos passos e no desdobramento da cultura “alternativa” conquistense exige uma retomada com afinco, uma rememoração de toda a trajetória de ontem, de ante ontem, dos últimos tempos. Talvez assim, compreendendo a nossa história possamos, quem sabe, enxergar novas trilhas rumo a um presente e um futuro mais palpável dentro das produções artísticas independentes. Está na hora de recuperarmos os nossos jornais.

 

P.S. Dedico essa coluna ao queridíssimo Paulo Mascena, grande produtor cultural de Vitória da Conquista.



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