Conquista: Inauguração da Cazazul e alguns comentários culturais

Por Mariana Kaoos

Fotos: Amanda Nascto
Fotos: Amanda Nascto

Não sei vocês, mas de uns tempos para cá eu venho pensando, pensando, pensando e, cada vez mais, chegando a conclusão de que existe uma tremenda diferença entre produções de entretenimento e produções estéticas. Não que uma seja melhor que a outra ou que conte mais no que chamamos de construção de uma cena cultural. No fim da contas, ambas as vertentes são produtos que visam oferecer um arcabouço, uma experiencia existencial calcada em diversão e prazer. O que difere, no entanto, uma produção de entretenimento de uma produção estética é o formato, o conteúdo e o proposito que ela visa alcançar.

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Aqui em Vitória da Conquista, por exemplo, temos presenciado um boom de festinhas mais pops, destinadas a um público jovem, dito alternativo, e que tem como prerrogativa festejar em torno da bebida e da pegação (nos dias atuais o termo paquera tornou-se um tanto quanto demodê). Reg do Twitter, Berequetê, Xcania, Oba Oba, Fantasy, Ahh Desgraçada e Ambilivibow foram algumas delas. Essas produções, em sua grande maioria, funcionam da seguinte forma: Uma comunicação mais direta e ousada, publicidade focada no público LGBT, flyers e teasers com conteudo erótico, open bar, djs com um setlist mais trabalhado em gêneros musicais como ragga, pagode, funk, sertanejo universitário e pop music e pegação. Essas são as famosas festas em que os frequentadores vão para “meter o loko” e ficar com “boca de loucura”. Os comentários pós evento são expostos de maneira aberta (principalmente nas redes sociais) e giram em torno da ingestão de alcool e quantidade de beijos conquistados na noite. Dificilmente observa-se algo sobre a decoração, inovação tecnologica, interação com outras vertentes artisticas porque esses pontos QUASE nunca são oferecidos ao público consumidor.

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Já as produções estéticas caminham por outras trilhas. As produções estéticas compreendem a cultura enquanto espaço de consciencia, desconstrução, reconstrução e formação. Formação de sujeitos que se inserem numa vida social e precisam realizar uma leitura sobre ela, já que incidem diretamente nas disputas de representação, poder e arte. As produções estéticas, por sua vez, objetivam não apenas o entretenimento (é claro que ele ainda é um de seus pontos maximos a ser alcançado). Ela vai além. Ela busca oferecer ao sujeito consumidor uma experiência quase que existencial e palpavel da sensibilidade e beleza artistica. Geralmente há uma maior preocupação com um possível dialogo entre culturas distintas através do uso (muito bem criativo, por sinal) do lugar de fala, da lucidez política e de elementos tecnologicos e globais. É certo que cada vez mais, vemos menos produções assim na cidade. No entanto, elas ainda sobrevivem até como forma de resistencia contra uma cultura massificada. E, quando ocorrem, é função nossa, dos narradores sociais (ou, se preferirem, jornalistas) exalta-las e tentar fazer com que isso chegue ao maior número de pessoas possíveis.

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É uma tendencia terrivel de nós, seres humanos, nos acostumarmos com a vida. Comodidade, é o que quero dizer. Porque, dando um exemplo bem básico e chulo, depois de nos habituarmos com as coisas, elas deixam de ser tão importante, e até mesmo bonitas, para nós. Elas se tornam comum. Comum porque conquistadas e, uma vez conquistadas, supostamente descartaveis. Talvez a palavra descatavel seja muito forte para o contexto presente. Eu estou querendo chegar ao ponto em que afirmo, e acredito que vocês hão de concordar, que quando vivenciamos em demasia certas experiências, elas acabam se tornando “mais do mesmo” diante dos nossos preguiçosos olhos. É preciso sempre que levemos uma sacudida de alguém ou até mesmo da própria vida para que não nos esqueçamos de tentar preservar o olhar de paixão e surpresa para o mundo.

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Eu fui me dar conta dessas questões na noite dessa última terça feira, 01, quando, acompanhada de pessoas muito interessantes, fui conferir de perto a inauguração da Cazazul, espaço cultural proposto por Adriana Amorim, professora do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. A ideia básica é do local servir para aulas de teatro, de dança e, é claro, abrigar produções culturais da cidade. Na terça, o que rolou foi uma festa, um momento de descontração e encontros regado ao que há de melhor do universo artistico de Vitória da Conquista. Quem me convidou para pintar por lá foi a cantora, compositora e atriz Ana Barroso. Gosto de falar de Ana porque tenho um profundo respeito e admiração profissional por ela. Não só por ela, mas outras pessoas que lá estariam como Fillipe Sampaio e sua banda, Ciclanos de Tais, Luiza Audaz, Lys Alexandrina. Para minha grande surpresa e alegria a Cazazul estava cheia de figuras ilustres, que pensam, fazem e lutam para que a cena estética cultural sobreviva fértil em Conquista: Ítalo Silva, Esmon Primo, George Neri, João Neto, Gilmar Dantas, Ana Luiza, Amanda Nascto, Vinicius Gil, Rafael Flores, Ana Paula Marques e, é claro, a anfitriã, Adriana Amorim.

(Aqui se faz necessário um adendo sobre Adriana: Não temos muita proximidade e ficamos de realizar uma entrevista que até hoje não rolou, mas venho, há muito, observando as iniciativas de dela dentro e fora da universidade. O que me chama a atenção é que ela é a primeira professora que parece ter uma real preocupação em levar o curso de Cinema, o teatro (principalmente numa estética focada no teatro do oprimido), a palavra (através de análises socioculturais muito inteligentes) e as produções para além dos muros da Uesb e isso é uma coisa genial. Digo, poder levar o conhecimento gerado na academia para a comunidade e poder levar as praticas e demandas da comunidade para a universidade. Posso estar redondamente enganada já que não nos conhecemos a fundo, mas observo um respeito e um comprometimento muito grande em Adriana pela cultura. Acredito eu que a Cazazul será um valioso e importante espaço em Vitória da Conquista).

E bom, falando do evento de maneira resumida, ele foi mais ou menos assim: muita música boa, projeções ( comandadas por Luiza Audaz) fantasticas, entrada a um preço acessível, cerveja barata e gelada, pessoas bonitas, falas lúcidas sobre a importância de nos inserirmos politicamente nessa atual conjuntura do país, preocupação muito bacana dos organizadores com o lixo no local, aperto e filas quilometricas para o banheiro (é preciso sanar esse problema do banheiro), reconhecimento da importância do espaço e da cultura local, apresentação de musicas autorais e papos, encontros de altissima qualidade. Tudo muito lindo, mas também tudo muito já vivido por grande parte dos que estavam lá. E, como disse anteriormente, para quem está habituado a experiencias assim, a exaltação deixa de ser tão intensa e efusiva.

E justamente por conta disso, não vejo tanta precisão em comentar muito sobre as apresentações de Lys, Ana, Fillipe e assim por diante porque, já é sabido por todos, foram escandalosas e fatais. Para mim, o ponto máximo da noite foi ter conhecido duas garotas, duas meninas (de 20 e 21 anos de idade) que estavam indo pela primeira vez na vida a uma festa, um espaço de produção estetica e cultural como o da Cazazul. E bom, pelo pouco que pude perceber e conversar, as meninas fazem parte do grupo “jovem e LGBT” tão seduzido pelos produtores da cidade. Elas tem como habito frequentar produções de entretenimento, principalmente as voltadas para questão do open bar, djs com músicas pop e pegação. Ou seja, foi lindo de se ver o brilho de encanto e descoberta nos olhos delas. As duas mais pareciam umas baratas tontas, toda hora iam e vinham, dançavam em frente ao palco, subiam para ver melhor o show do “alto”, sorriam, sorriam muito, se deslumbravam com as falas, com as musicas e com as pessoas. E, por fim, não contente em esbanjar felicidade aos quatro cantos, uma delas chegou a agradecer pela descoberta e pelo convite para estar ali e por ter tido a oportunidade de desvendar um universo antes inimaginado por ela.

Ou seja, as duas meninas, através de seus gestos de exaltação foram a sacudida necessária para que eu me desse conta da beleza e da importância de produções esteticas- culturais como a Cazazul, bem como da necessidade do não se acomodar, não ter olhos acostumados, olhos de preguiça para o mundo. Portanto, queridas e queridos, vocês já pensaram que assim como aquelas duas meninas, existem tantas outras pessoas aqui na cidade loucas para serem arrebatadas por uma experiencia cultural de qualidade? E vocês também já pensaram como isso pode modificar caminhos, consciências, sensibilidades e posturas sociais? Digo mais, vocês já se deram conta de que nós, dinossauros e conhecedores da cena, podemos nos renovar, nos jovializar através dessas novas pessoinhas que podem e devem começar a se aproximar? Mais importante que todas essas questões é começarmos a ter noção da riqueza, profundidade, sentido e beleza que essas produções possuem, é termos a lucidez do que pode significar o surgimento da Cazazul nesse momento averso e alheio ao investimento nas produções locais. A perspectiva com a ascensão de uma gestão mais conservadora no poder municipal é que o olhar voltado para a cultura diminua cada vez mais. A resistencia é preciso. A renovação de ambientes e, ainda mais, de pessoas também. Acredito que estamos com a faca e o queijo na mão. Está na hora de distribuirmos isso para o povo.



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