Tome Nota Especial: Entrevista Fillipe Sampaio

novo horizonte

Por Mariana Kaoos


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Fillipe é do signo de câncer, mas mais parece um leãozinho. Filhote de leão, melhor dizendo. Sua juba cor de cobre e seu olhar de descoberta e surpresa para o universo dão a ele um encanto, uma aura de beleza e esplendor como já pude observar em pouquíssimas pessoas que adentram o meu caminho. Ele possui uma sensibilidade extrema e delicada com as artes no geral: Fillipe é poeta, escritor, compositor, interprete, cantor. Já participou de inúmeros projetos com outros tantos artistas incríveis, dentre eles Ana Barroso, Gabriela Maia, Davi Prates e Rafael Gomes.  Também já ganhou alguns bons concursos de música aqui em Vitória da Conquista e em outros lugares da Bahia.

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Atualmente Fillipe se reveza entre as apresentações em barzinhos da cidade, o que lhe permite, a muito custo e suor, “sobreviver”, e entre seus projetos mais artísticos, estéticos, voltados para a complexidade e riqueza das palavras e dos sons. O bacana é que além dele produzir cultura na região, ele também pensa, analisa criticamente como ela se dá, a quem atinge e de que maneira é distribuída. Fizemos um bate papo bem bacana sobre isso, dentre otras cositas mas. Você confere logo abaixo:

Mariana Kaoos: Vitória da Conquista oferece estrutura econômica e espacial para sobrevivência de artistas através de seus trabalhos? Como funciona o esquema de apresentações em barzinhos?

Fillipe Sampaio: Acredito que Vitória da Conquista, seja uma das poucas cidades que ainda se dá para “sobre-viver” somente de música no interior baiano, entretanto, o processo até chegar nessa “sobrevivência”, demanda tempo, trabalho (muito trabalho) e dedicação.

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A cidade em ascensão através das universidades, empresas de grande porte, um comércio que atende cidades circunvizinhas, Conquista me parece quase uma cidade metropolitana, e consequentemente o trânsito de pessoas e tribos, a fomentação cultural tende a acompanhar esse ritmo de crescimento.

Das poucas vezes em que precisei da Secretaria de Cultura no município eu fui ajudado dentro de alguma medida, porém é importante salientar de que a secretaria não existe para empregar artistas, mas sim pra fomentar cultura a população (teatro, musica, cinema, artes plásticas, esportes*, etc).

O que acontece é que o cenário politico (FORA TEMER) não tem favorecido, ultimamente, essa “valorização” à cultura no modo geral, em todas as cidades desse nosso Brasil e não só na música. Eu percebo, dentre os oito anos de idas e vindas, percorrendo outras cidades da Bahia e outros estados como Minas Gerais e Espirito Santo, por exemplo, que ainda falta muita coisa dentro das limitações em “nossa” cidade, como em todas que já percorri, mas comparado ao panorama das realidades que vi por ai, as outras cidades ainda são muito precárias em relação a Conquista. Percebo que a gestão atual se preocupa sim com questões culturais, apesar dos eventos anuais e esporádicos não serem suficientes para demanda de cantorxs, compositorxs, atorxs, pintorxs, escritorxs, etc, enfim toda classe artística. Como disse, percebo que estamos na frente de vários municípios baianos que deixam a desejar no âmbito cultural, e claro, precisamos sempre exercer nossa cidadania em busca de melhorias pra todos os artistas e consumidores da arte.

A cidade oferece uma variedade de barzinhos, botecos, restaurantes com música ao vivo de todo tipo, assim como oferece também uma variedade de artistas de qualidade por todo canto e isso é muito bom pra rotatividade de estilos e opções de entretenimento, apesar de ser visível um monopólio grande em relação a alguns ritmos, mas isso é outra história (risos). Infelizmente ainda temos que trabalhar muito, as vezes por muitas horas (o que me rendeu uma LER na mão esquerda), pra ganhar o pão de cada dia, e diversas vezes somos desrespeitados por donos de estabelecimentos. Mas claro que toda regra tem sua exceção.

MK: O que falta para que os poderes publico e privado voltem seus olhares para o incentivo da cultura local?

FS: Falta continuar. Acho que a Secretaria de turismo esportes e lazer é muito abrangente pra dar conta de questões muito peculiares. Eu vejo que cultura por aqui não deixa de ser vista, mesmo sempre tão amplo a responsabilidade de uma única secretaria.

Falta produção, falta união, falta uma só voz.

Conquista já tem uma turma que se joga nas produções independentes e arrasam! Não sou muito de sair, mas vejo as repercussões de eventos independentes e só ouço coisa boa! Temos produtores ai em potencial. Um público em potencial, exigente, inteligente, e pra frente.

O que eu acho que falta mesmo é mais produções, não só de eventos, mas os artistas produzirem mesmo, compor, pintar, atuar, dirigir, o que quer que seja, quanto mais melhor! Temos que ser vistos, assistidos. Precisamos reavivar esse costume! Vitória da Conquista é um celeiro de grandes artistas! E o mais importante de tudo, precisamos deixar nossas diferenças de lado e nos unir em prol a esse reconhecimento.

Acredito que quando as coisas começam a acontecer, como já vem acontecendo, o poder público percebe que a cultura ela movimenta todo um contexto, ela age em vários âmbitos, da educação a saúde. É como aqueles remédios de vó que serve pra tudo. E claro, precisamos sempre, sempre, sempre, lutar, gritar e pedir melhorias, mais editais, mais projetos ligados a cultura, enfim.

MK: Cultura é política e política é cultura? Você enxerga alguma necessidade de mesclar a sua arte com esse contexto sócio histórico político no qual estamos inseridos? E, sem sim, de que maneira você faz isso?

 

FS: Tudo é politica. Desde que vivamos em comunidade, com o outro, a politica ela vem quase que já dentro do nosso DNA (risos). O amor é politico, nascer é politico. Difícil desassociar a politica da vida como um todo.

Na cultura é importante se ter um conceito politico, principalmente para atender essas questões mais emergenciais, no sentido de colocar na arte o posicionamento pessoal e conteúdo que problematize questões cotidianas e politicas, em foco, por exemplo, as minorias e maiorias. Não tem como viver todas essas experiências, como as fobias, os preconceitos, as questões ambientais, de educação, de desigualdade, enfim, sem imprimi-las na subjetividade artística. É o contexto, e também é difícil desassociar o contexto da arte em que ele está embutido.

Claro que as questões politicas “sociais” não devem nem podem limitar a arte. Afinal de contas existe uma outra politica, que é esse amor onírico que vivemos todos os dias, as paixões, que fazem de nós humanos, e que também podem ser retratadas no universo do artista que vive.

MK: Recentemente você realizou um show com seu projeto Ciclanos de Tais onde diversos outros artistas da região fizeram parte, agregando ainda mais valor à apresentação. Como você vê esse dialogo entre produtores de arte? Há competição? O que falta para que a classe possa se unir cada vez mais?

FS: A gente vive no mundo politico, diverso de opiniões e posicionamentos, e claro que sempre haverá “competições”. Mas a vida não é um “eterno festival”, e não devemos competir o tempo inteiro. Cada um tem sua verdade, sua arte, e cada um se familiariza com quem achar que deve, onde se sente bem, onde se sente acolhido, tanto musicalmente como na vida mesmo. Eu vejo muito assim, as energias se encontram e se completam dentro dos caminhos que a própria vida do artista toma.

O artista se estende além de sua obra, não dá pra correr. Cada artista tem ali o seu publico que o acompanha, eu acho que isso restringe muito o processo, por isso que acredito que temos que voar, ir além das fronteiras da nossa jurisdição e percorrer outros caminhos, levando o trabalho pra outros públicos, etc.

Por isso que eu achei importante o convite a Ana, Achiles, Luiza, Ronaldo Ros, Jhonny, Loro, etc. E eu pretendo convidar outros e outras deliciosidades que essa cidade tem. Nos shows que faço fora daqui sempre levo o nome dos artistas que conheço e me familiarizo, a gente tem esse dever com o outro. Estamos todos no mesmo barco no fim das contas, cada um dentro do seu âmbito.

Conquista é um ponto de partida. É a casa da gente. É só um lugar. Claro que é importante esse vinculo e essa “competição” saudável. Mas a gente precisa pensar pra frente. E pensar sempre em se movimentar pra fora levando o “som”, a verdade aonde for possível levar!

MK: Fillipe Sampaio e Vitória da Conquista. O que há de você na cidade e o que há da cidade em você e em seu trabalho?

 

FS: A cidade influencia minha musica, sobretudo pelos afetos que vivi aqui, as pessoas, os lugares, experiências, mas não necessariamente com os exponentes artísticos como Papalo Monteiro, Elomar, Edilson Dil, Alisson Meneses, Evandro Correia, Gutemberg Vieira, Geslaney, etc. Eu não cresci ouvindo isso.

Eu nasci em Jequié, cresci ouvindo uma coisa mais enérgica, quente, sem tirar claro a energia e a maravilha que são esses artistas daqui.

Eu não vivi os micaretas nem festivais de Conquista. Não levo essas influencias na minha musica. Mas sim as minhas vivencias que tive aqui, no dia a dia, os meus afetos e desafetos.

E dentro das possibilidades, tento trazer a minha musicalidade sempre que possível por ai. Volta e meia a gente faz eventos independentes pra levar o nosso som pra galera, e toda semana ando soltando a voz por um boteco ali, outro aqui, na correria desse dia a dia pesado de ser artista independente.

Posso dizer que amo essa cidade e que Conquista tem me rendido muito boas experiências. O local onde se vive tem essa influencia mesmo na gente. É um corpo ocupando um contexto, uma rotina, uma realidade. Difícil desassociar. Difícil não importar.

 



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