Tome Nota Especial: Entrevista Exclusiva com o ator e diretor Marcelo Benigno

Por Mariana Kaoos

Alô alô amantes da cultura e das artes em geral. Como andam todos vocês? Divinos e maravilhosos? E os planos de vida e luz para a estação das flores que demora, mas não tarda a chegar? Tudo a mil? Que maravilha então. Bom, o papo de hoje é delícia cremosa, consciente e antropofágica. Fechando com chave de ouro este último Toma Note de inverno, escolhi ninguém mais ninguém menos que o queridíssimo ator e diretor teatral Marcelo Benigno. Pera aí, pera aí, vocês não sabem quem é Marcelo?

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Então senta lá, Cláudia, e presta atenção no que eu vou dizer: Marcelo é ator, arte educador, artista popular, performer, catingueiro e sertanejo do Guigó, com muito orgulho sim sinhô. Ele foi a cabeça pensante, o diretor do grupo Caçuá de Teatro, em Vitória da Conquista. Tá bom ou quer mais? Ok, lá vai: Benigno também foi Membro do Conselho Fiscal do SATED-BA, e coordenador do Movai – Movimento de Valorização do Artista do interior. Professor Substituto do Departamento de Fundamentos do Teatro, Cursos de Licenciatura em Teatro – Escola de Teatro – UFBA – 2009.2 – 2011; Professor Efetivo da rede pública estadual de Ensino do Estado da Bahia, na disciplina Artes e na rede municipal e particular em Vitória da Conquista – Ba e São Paulo – SP. Foi responsável pelo Ateliê de Teatro da Fábrica de Cultura – polo do Jaçanã, São Paulo, e como Artista Educador de Teatro também da Cia Aruanã em São José do Rio Pardo, companhia que trabalhava com a dança, o teatro e o circo integradas. Recentemente, aprovado em concurso público, trabalhou no Núcleo Pedagógico da SMED em Conquista e participou da Curadoria Artística do Festival Petz em Salvador

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E, além desse tanto de coisa que acabei de listar, Marcelo também é um grande observador e crítico social. Batemos um papo muito bacana sobre o universo das artes cênicas. Vem cá conferir:

Mariana Kaoos: Como você pensa a questão das artes cênicas em Vitória da Conquista nos dias atuais? O que falta, o que transborda?

Marcelo Benigno: As artes cênicas em Conquista estão inseridas num cenário artístico e cultural que envolve outros elementos, que formam uma cadeia produtiva fundamental: Investimento, Público, Espaços e Profissionais da área: os artistas- que são os fazedores; e os gestores e produtores culturais, que movimentar a área. Em Conquista esses quatro elementos andam separados e só juntos podem fomentar a arte e cultura numa cidade. Há também um recorrente problema na Vila Imperial Conquista, a falta de referência dessa nova geração, que costumo chamar de geração google: da citação colada da internet descontextualizada da prática e vivência no seu corpo/discurso. Então, para quem se basta na internet, nos canais a cabo, na fachada de  descoladxs e modernxs, para que serve a arte e a cultura fora das telas cybernéticas de um mundo perfeito? Não faz diferença ter ou não. Atualmente o rio de Tebas Conquistense está seco, não trasborda e a morte é certa… Falta respeito, valorização, investimentos, zelo, afetos, encontros. Transborda de entidades, artistas e fazedorxs que sucumbem seu fazer a falta do óbvio.

 

Mariana Kaoos: É obrigação do poder público pensar em viabilizar instrumentos para a difusão cultural? Como seria possível impulsionar a arte em vca através dos poderes públicos?

Marcelo Benigno: Sim, é obrigação do poder público viabilizar e investir em formação cultural em suas cidades. Vou baixar meu lado acadêmico e trazer nessa conversa Albino Rubim, professor e pesquisador da Ufba e ex secretário de Cultura da Bahia quando diz: “As políticas culturais devem compreender esse panorama como um sistema em sua totalidade articulada: 1. Criação, invenção e inovação; 2. Difusão, divulgação e transmissão; 3. Circulação, intercâmbio, trocas, cooperação; 4. Análise, crítica, estudo, investigação, pesquisa e reflexão; 5. Fruição, consumo e públicos; 6. Conservação e preservação; 7. Organização, legislação, gestão e produção da cultura. ” Como se vê é uma cadeia de ações envolvendo vários atores sociais e entidades, neste mercado da Cultura, se não há um olhar especializado direcionado para a área não haverá produtos!

Nas terras brasilis as políticas culturais são consideradas políticas sociais e a presença governamental é recente, o ponto forte é o Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas, na gestão do ministro Gustavo Capanema (1934-1945), só para contextualizar um pouco o papo, pois os ignorantes acham que nós, artistas e profissionais da cultura não contextualizamos nosso labor! Mas as contribuições de Mario de Andrade, salve grande mestre, com a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Instituto Nacional do Livro, o Instituto Nacional de Cinema e o Serviço Nacional de Teatro, além de sua passagem pelo Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, (1935 a 1938) é considerado, pelos pesquisadores, o momento que abriu e expandiu as políticas culturais no Brasil, e por ai vai…

As Políticas públicas culturais mudam definitivamente uma cidade, seja pela Economia Criativa impulsionada, seja na arte como formação pessoal, artística e cidadã, ou na profissionalização, através de cursos e oficinas, seja através da fruição e contato com obra de arte in loco, através de suas variadas expressões… Veja o Recife por exemplo, é conhecido pela sua cultura popular! Pra não ir tão longe Feira de Santana e Ilhéus tem investimento na arte e artistas locais, através de ações do poder público, o que em Conquista, cidade de Glauber Rocha e Elomar, por ironia de Deus ou do Diabo na Terra do Sol, nada acontece! Que vergonha, Meu Dionísio! Se tivéssemos editais públicos e uma política cultural de investimentos e não de eventos, toda a cidade se beneficiaria! Não pode é ter essa mentalidade que profissional das artes é mendigo! Que Artista não deve receber pelo seu trabalho, ou receber muito pouco! Falta valorização, respeito! Artista trabalha muito, tem contas a pagar, aluguel, despesas, caga, mija, come, tem filhxs, consome, vive do seu trabalho, que é digno com qualquer outro!

“Uma política pública é feita de presenças e ausências. Uma vez que o Estado não atua em determinada área, imagina-se que esta seja secundária, não fazendo parte das prioridades das políticas implantadas. Partindo desse pressuposto, é possível perceber que apesar da formação de gestores e produtores culturais no Brasil ser atualmente um dos grandes desafios postos diante do poder público, em seus três níveis, ainda é uma ação continuamente preterida perante tantas demandas. ”  Leonardo Figueiredo Costa.

Mariana Kaoos: Recentemente você participou da festa o putete, apresentando uma performance antropofágica permeando por identidades brasileiras. Qual q importância de inserirmos, dialogarmos as mais distintas vertentes artísticas? Para você existe diferença entre produção de entretenimento e produção cultural?

Marcelo Benigno: A cultura e arte estão presentes em todos os lugares! Nas grandes capitais os eventos de entretenimento focam na arte como diferencial, ao ponto que se diverte e participa de uma experiência estética. O mercado de cultura é amplo, a diferença para mim é o que você quer como produtor cultural: Você só está interessado na cultura como mercadoria capitalista consumista ou vê a cultura como formação e transformação das pessoas?! Um produtor pode só oferecer entretenimento comercial, afirmando oferecer cultura e arte, quando na verdade, seu interesse é meramente o lucro. Salve Gramsci, Canclini e Bourdieu! Costumo sempre falar que cultura e arte não é meramente entretenimento, é transformação, e se os poderes públicos, que são responsáveis por mobilizar e oferecer o melhor a sua população, não o fazem, os empresários do ramo entram em ação! Mas se tratando de Conquista isso nem acontece muito porque a profissionalização é limitada por aqui, nos espaços, na pouca mão de obra especializada, no entender o mercado…

Se eu passar um rider técnico de teatro, por exemplo, com um mapa de luz e som para montagem de um cenário, quantos profissionais saberão lê-lo e executá-lo? Uma montagem de uma exposição de artes plásticas com instalações específicas, um material necessário para fazer uma cena ou performance em dança… etc. Acontece coisas por aqui que você não acredita, aí quando me recurso a participar de determinados eventos acham que sou chato, mas sou mesmo, eu não brinco em serviço, sou profissional da cultura cansado de Guerra já, de Caçuá são quase 20 anos, comecei a fazer teatro com 9 anos de idade, vivo disso! Certa vez um espetáculo do Palco Giratório veio para Conquista com uma produção bastante especifica, o encarregado local, desconhecendo e menosprezando a importância disso, não fez a produção adequada e o resultado foi catastrófico na apresentação em espaço aberto. Tinha um Secretário de Cultura aqui em Conquista que nem sabia o que era DRT… É para rir ou chorar? Pessoas são empoderadas para uma área que desconhecem totalmente, aí não admito fulanx ou sicranx que é de outra área, meter o bedelho na minha, sem conhecer, e dizer quais são as minhas necessidades e o que eu preciso, é mole?! Uma vergonha! Peço licença e faço minhas agora, as palavras do mestre Gilberto Gil, no discurso de posse como Ministro da Cultura, em 2003. Kawó Kabiesilé!! “E o que entendo por cultura vai muito além do âmbito restrito e restritivo das concepções acadêmicas, ou dos ritos e da liturgia de uma suposta “classe artística e intelectual”. Cultura, como alguém já disse, não é apenas “uma espécie de ignorância que distingue os estudiosos”. Cultura como tudo aquilo que, no uso de qualquer coisa, se manifesta para além do mero valor de uso. Cultura como aquilo que, em cada objeto que produzimos, transcende o meramente técnico. Cultura como usina de símbolos de um povo. Cultura como conjunto de signos de cada comunidade e de toda a nação. Cultura como o sentido de nossos atos, a soma de nossos gestos, o senso de nossos jeitos. Desta perspectiva, as ações do Ministério da Cultura deverão ser entendidas como exercícios de antropologia aplicada. ”

E quem arremata esta prosa é a filosofa Marilena Chauí: “Um dos instrumentos mais poderosos e eficazes da legitimação do Estado contemporâneo é a política cultural e a indústria cultural (…) porém, a política cultural pode oferecer-se como política nacional que interessa à nação e à sociedade como um todo, enquanto a indústria cultural se oferece diretamente determinada pelo jogo do mercado e da competição. A política cultural pode aparecer como incentivo à produção cultural, enquanto a indústria cultural se baseia exclusivamente no consumo dos chamados bens culturais (CHAUÍ, 1984).

Mariana Kaoos: Temos visto o teatro ser deixado de lado em inúmeros cantos. Não se valoriza os artistas, tampouco os espaços. Em salvador o teatro Vila Velha está quase fechando as portas. Em vca, há mais de quatro anos que o centro de cultura está inviabilizado. Como a própria população pode atuar em prol da cena, cobrando mais investimento dos espaços e valorização dos artistas?

Marcelo Benigno: A ausência de políticas públicas culturais afeta, definitivamente, a relação entre formação e profissionalização nessa área. Se a população não tem acesso a arte e cultura não vai sentir falta. Nesses últimos anos estamos vivendo no Brasil uma onda conservadora que tenta ressarcir tudo o que é diferente e foge do metro. Há um emburecimento e uma dominação religiosa das pessoas que abitola e castra, sobretudo, em relação a arte, cultura e diversidade. Nem a cultura popular, que é algo tão presente e natural na vida das pessoas, sobretudo, no meio rural, (vivemos numa caatinga onde a população rural é imensa e invisível e não numa Suíça Baiana!) é valorizada e incentivada. Por essas bandas, Kaoos, tudo vira manobra política partidária, tudo é promessa, mentira e hipocrisia. Se a população não tem consciência política a arte vira isso, ou entretenimento caro destinado a quem pode pagar ou consumir, ou discurso vazio dos “pseudos artistas locais” que oferecem sua arte/mercadoria despolitizada de qualquer discurso emancipador e de qualidade gosto questionáveis numa bandeja de prata… E se tratando do cenário e dos gestores no Arraial da Ressaca, as perspectivas não são as melhores… É o velho ditado: Em terra de cego quem tem um olho só é rei!

Nessa minha temporada recente em Conquista, entre a cruz, a espada e a estrada, sempre, fiz algumas pequenas intervenções e trabalhos que destaco: uma Formação de Professores para com minha persona Mortícia para a SMED, em julho, que até hoje não recebi o cachê; uma performance numa Sessão na Câmara de Vereadores sobre o Sistema Municipal de Cultura (só estavam presentes 3 vereadores, para você ter uma ideia); e recentemente o evento do Putetê, que foi lindo e tem uma proposta antropofagicamente bastante interessante. Ontem, dia 19 de setembro, fui em mais uma reunião, no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima (ainda fechado), da Câmara Temática de Cultura, envolvendo o Território de Identidade de Conquista e região. Pra mim, o mais forte da noite foi sentir no meu flashback da memória e no meu corpo o quanto aquele espaço me afeta como pessoa, cidadão e artista, e o como me formou, e a tantxs outrxs que experienciaram comigo tudo que fizemos ali! Cada parede, cada espaço, cada projeto, cada intervenção do MOVAI, cada protesto nas ruas e no poder público, cada artigos nos jornais, cada edital e prêmio ganho, com tanta gente pulsante que respirava, estudava, praticava e vivia arte e teatro para os seus e sua comunidade! Vê aquilo morto, vazio, amorfo… É a imagem mais forte e representa tudo isso que estamos falando.  Torna-se repetitivo as coisas em Lost VDC, pois a estagnação é notória e só quem vivenciou o cenário cultural e a potência do teatro ( e das outras artes) em Conquista, sabe o que estou falando! Ninguém fica na cidade! Virou uma cidade fantasma amaldiçoada no seu signo de escorpião com sangue mongoió derramado. Quem tem emprego “civil” noutras áreas vive dele e não de arte e cultura! Na terra das ausências, os artistas morrem, mudam, migram e o ciclo fecha e acaba, assim como a cortina vermelha do espetáculo. Se a população não se apropriar dos espaços públicos tomando-os para si, esse clima fúnebre permanecerá. No espetáculo funesto das eleições, em ano de golpe político no país, o óbvio é preludio do que vem por ai. Gostaria de ser otimista e encerrar o papo “para cima”, em clima solar, mas meus anos de janelas e experiência dizem o contrário.

Agradeço o espaço Mariana e encerro com um pensamento de um dos meus mestres evocado e enraizado em meu corpo/poética/discurso. Andemos! Axé, Evoé e Merda pra nós! Só a arte salva! “Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa.” Ariano Suassuna

 



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