Saiba como foi o show de Inês Brasil em Vitória da Conquista

Por Mariana Kaoos

Foto: Amanda Nascto - Blog do Rodrigo Ferraz
Foto: Amanda Nascto – Blog do Rodrigo Ferraz

Eu tinha onze anos de idade e estudava no Instituto Nossa Senhora da Piedade. Em uma manhã de sol, a aula que antecedia o recreio era de português, com a professora Lavínia. Com fome e dispersa, ouvi Lavínia pedir a todos nós, alunos, que pegássemos o caderno e a caneta que ela iria ditar algo para que escrevêssemos. Por um tempo indeterminado que mais pareceu uma eternidade, transcrevi naquelas folhas a letra da música Águas de Março. Pelas poucas recordações que tenho de Lavínia, ela era uma professora, uma pessoa com uma veia cultural muito forte. Águas de Março veio, naquele momento, como introdução para o estudo dos substantivos.

Foto: Amanda Nascto - Blog do Rodrigo Ferraz
Foto: Amanda Nascto – Blog do Rodrigo Ferraz

Foi a primeira vez que soube da existência e ouvi a canção. A experiência aos meus onze anos de idade nunca me foi esquecida. Muito pelo cansaço da escrita (Águas de Março possui uma letra enorme) e, é claro, pela beleza contida na música. Após escrevermos, Lavínia nos colocou para ouvir a melodia. Na versão de Elis Regina e Tom Jobim. Em mim, se deu uma louca paixão ao primeiro eco.

Foto: Amanda Nascto - Blog do Rodrigo Ferraz
Foto: Amanda Nascto – Blog do Rodrigo Ferraz

Seguindo por toda uma infância e adolescência de escuta, ouvi novamente Águas de Março na noite desse sábado, 30. Acredito que assim como se deu aos meus onze anos, muito provavelmente levarei essa cena por toda a minha vida. Foi mais ou menos assim:

Foto: Amanda Nascto - Blog do Rodrigo Ferraz
Foto: Amanda Nascto – Blog do Rodrigo Ferraz

Acompanhada da fotografa Amanda Nascto, das jornalistas Maria Eduarda Carvalho (Um Rolê No Índico) e Ana Paula Marques (Revista Gambiarra) e do estudante de cinema André Ottero, fui ao Baile da Panterona, evento produzido pela Universidade Conquistense de Baixaria. A festa ocorreu no Janela Cajaíba e contou com as apresentações de alguns djs (destaque para Glauber Rocha e Saravern) e o show da musa das redes sociais, Inês Brasil.

O ingresso estava num valor de 60 reais a área vip (com open bar até 1 hora da manhã) e 30 reais normal. Na base do frio  e da garoa persistente, os djs tentavam animar a festa que, ao contrário do que imaginei, não estava cheia como esperado.

Foto: Amanda Nascto - Blog do Rodrigo Ferraz
Foto: Amanda Nascto – Blog do Rodrigo Ferraz

A segurança no evento também foi bem distribuída e educada. Ponto positivo para a cerveja gelada e a um preço acessível (quatro reais a lata). Ponto negativo para a questão do banheiro (a produção não pensou na logística e não colocou banheiros químicos, deixando apenas os dois banheiros do espaço disponíveis, o que acabou gerando filas quilométricas durante toda a noite).

Bom, indo ao que interessa, todos estavam ali para ver Inês. Marcada para entrar a meia noite, ela só subiu ao palco por volta das duas horas da manhã. A respeito do show, segue alguns comentários:

– Acompanho Inês Brasil nas redes sociais, mas sequer poderia supor a real força que ela possui. É de uma voracidade enorme. Antes dela subir ao palco, o público já estava ensandecido, gritando seu nome e fazendo coro na letra de algumas de suas canções;

– Já vi algumas cenas de tietagem aqui em Vitória da Conquista, mas nenhuma de maneira tão intensa como foi com Inês. A sensação sobre aquele momento foi de veneração. Uma menina chorava desvairadamente olhando para a diva enquanto o restante do público tentava burlar os seguranças e invadir o palco;

– Sobre o palco e o seu acesso, a produção não se programou direito. Muita gente, mas muita gente mesmo, subiu e superlotou o palco (que já estava molhado por conta da garoa), o que fez com que ele cedesse e abrisse em alguns instantes. Inês chegou a parar o show por conta disso;

– Inês Brasil canta da seguinte maneira: O dj da play em uma de suas músicas e ela só acompanha no microfone. Digo, ela “recanta”. Isso não me agrada muito, mas o público pareceu não se importar;

– Ah, sua performance em palco é escandalizante. Usando apenas um salto alto, calcinha fio dental e um cropped rosa colado no corpo, Inês rebolou até o chão, se remexeu toda, virou a bunda para o público, falou palavrão, putaria e, é claro, vários de seus famosos bordões. Todo mundo foi à loucura;

– Se a intenção da Universidade Conquistense de Baixaria era promover uma festa trash, eles alcançaram seu objetivo de forma majestosa. Não digo isso em tom negativo. Muito pelo contrário. Essas festas com formato trash, para mim, são sempre as melhores. A pegação, a bebedeira, as narrativas, as risadas, tudo ganha uma forma grotesca de carnavalização* e ganha um aspecto muito divertido. Já tivemos muitas produções nesse modelo aqui em Conquista. Infelizmente, grande parte delas acabou assumindo outros formatos e tornando-se mais comerciais (leia-se: objetivando apenas o lucro);

– Não fiquei até o fim do show de Inês, mas soube que por conta de alguns problemas de produção ela abandonou o palco e interrompeu o show, deixando os fãs virados a mil;

Em determinado momento, pegando a todos de maneira desprevenida, Inês começou a cantar Águas de Março. Isso mesmo, Águas de Março. Digo, não foi apenas um cantar. Inês também dançou Águas de Março e fez encenações em alguns trechos da canção (principalmente naquele em que diz “é uma cobra, é um pau”).

O resultado? Desconstrução total. Inês Brasil, como inúmeros outros artistas é um produto da indústria cultural padronizado e que segue formatos pre estabelecidos. A partir do momento em que ela desloca uma música pertencente à bossa nova (esta, por sua vez, considerada um segmento de maior valor cultural) e coloca para dialogar com o seu “profano” repertório, ela, ainda que de maneira inconsciente (?), afirma que no final das contas tudo é simbolismo, cultura e que pode e deve ser acessível às massas.

Isso, sem sombra de dúvidas, é de uma importância tamanha. Ou, em outras palavras, mostrando que nessa nossa pós modernidade é possível brincar e se apropriar de absolutamente tudo. Acredito que ao cantar Águas de Março, o que Inês Brasil quis nos dizer foi: “É aquele ditado: Segura essa marimba, mon amour”.

*Referência a Bahktin



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