Especial São João: São João em Cachoeira e São Félix

Por Mariana Kaoos

“O melhor o tempo esconde, longe, muito longe, mas bem dentro aqui…”

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Descrição de cenário: Manhã, por volta das sete, oito horas. Cidade pequena do interior, rodeada de montanhas. Vegetação fértil: Mata Atlântica. Nenhum prédio. Casebres antigos e charmosos, com paredes pintadas de cores intensas. Teto das casas de telhas vermelhas. Ponte de ferro separando os povoados. Barragem, mais conhecida como Pedra do Cavalo, lá atrás. Rio. Rio abundante com forte maré. Velho Paraguaçu que corre em busca do mar. Aves de todas as espécies. Gaivotas, sabiás, bem-te-vis, garças. Poucos urubus. Chão de paralelepipedos. Ruas estreitas, calçadas pequenas. Barquinhos a navegar no rio. Canoas, lanchas, embarcações de pequeno e médio porte contendo visitantes com olhares curiosos, contendo pescadores. Trem cargueiro. Barracas de artesanato. Galinhas d’angola, corujas, panelas de barro. Pequeno parque de diversões, antigo e charmoso, no canto da rua. Neblina tomando toda a cidade.

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Descrição do personagem: Mariana Kaoos, vulgo, essa jornalista que vos fala. Signo: Capricornio. Cor: Azul. Comida: Feijoada. Cantor preferido: Tom Jobim. Cantora preferida: Maria Bethânia. Livro: Cem Anos de Solidão. Bebida: Cerveja gelada. Olhar: Curioso para a vida. Sorvete: Flocos com calda de kiwi. Não gosta de sair de Havaianas em meio de rua. Adora calor e suor. Acredita na cultura como maquina revolucionária de libertação. Ou: Meu nome é Kaoos, tenho vinte e seis anos, nasci em Itabuna, Bahia, e todo dia eu sonho alguém pra mim. “Acredito em Deus, gosto de baile, cinema. Admiro Caetano, Gil, Roberto, Erasmo, Macalé, Paulinho da Viola, Leni, Rogério Sganzela, Jorge Ben, Rogerio Duprat, Wally, Dircinho, Nando e o pessoal da pesada. E se um dia eu tiver alguém com bastante amor pra me dar, não precisa sobrenome, pois é o amor que faz o homem”.

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Ação: “É de manha. Vem o sol, mas os pingos da chuva que ontem caiu ainda estão a molhar, ainda estão a cantar ao vento alegre que me traz essa canção”. Passei o dia de quinta feira, vinte e três, viajando pelas estradas do estado da Bahia. Acredito que assim como a grande maioria de vocês, juntei uns trocados e decidi me aventurar nesses dias de São João escolhendo uma cidadezinha do interior para curtir paixão, comer amendoim e dançar forró. Meus passos caminharam em direção ao recôncavo baiano, mais especificamente às cidades de São Félix e Cachoeira. Seguindo os conselhos do papai, saí de Vitória da Conquista rumo a Salvador para, de lá, pegar o ônibus que iria me levar ao local desejado. O resultado é que deu ruim. O conselho do papai foi uma furada, pois a rodoviária de Salvador estava mais parecendo carnaval: Cheiro de mijo misturado com cerveja, gritaria, confusão, atraso, vuco vuco, balacobaco e tudo o mais. O ônibus que estava marcado para sair às três e vinte da tarde, só tomou seu rumo lá para as sete da noite. A viagem, por sua vez, que possuía uma duração de duas horas e meia, se estendeu por mais de quatro horas.

A estrada para o recôncavo anda muito bem cuidada. A empresa de ônibus que faz linha por essas bandas de cá é a Santana. O preço da passagem varia entre vinte e dois e trinta reais. Alguns veículos possuem até mesmo ar condicionado. A viagem foi tranquila, se não fosse o engarrafamento. Disseram que um caminhão tombou em dois carros na estrada para Feira de Santana, o que provocou espera e estresse por parte de muitos. Quem saiu de Salvador às cinco da manhã de quinta feira, por exemplo, só conseguiu chegar em Feira por volta das duas da tarde. De todo modo, como o caminho é outro para se chegar em Cachoeira, o engarrafamento se deu pelas imediações de Santo Amaro. O burburinho que rondava no ônibus é de que outro acidente acontecera ali por perto. Ou seja? Quando o assunto são as festas tradicionais, não dá pé, não tem pé nem cabeça isso de viajar em cima da hora. Primeiro porque a prudência e o cuidado ao se dirigir vai embora por conta da pressa de se chegar no destino desejado. Com isso os acidentes triplicam. Depois que é furada isso de viajar na boca do feriado justamente pelo atraso das coisas. Para os que não possuem paciência e tolerância como valores adquiridos, certamente que ficar o dia inteiro esperando, esperando, esperando o caminhar das coisas gerará altas doses de estresse e insatisfação.

Pensamento reflexivo: As Brumas de Avalon é uma coletânea de quatro livros da autora Marion Zimer Bradley. As obras possuem como tema central a história da lenda do Rei Arthur, só que a partir de um olhar feminino e espiritual. Referências como a religião celta na Grã Bretanha e os rituais das fogueiras de Beltane são amplamente expostas nos livros. Avalon é uma ilha, habitada por sacerdotisas, calcada no misticismo e magia. Localizada ao lado de um convento católico (Glastonbury), ela não pode ser visitada por todos. Apenas por aqueles que possuem um contato com o divino e acreditam na religião da Deusa. Protegida pelas suas seguidoras, o que separa Avalon do mundo “comum” são brumas ou neblinas, como denominamos no dialeto popular. Para adentrar na ilha é preciso, antes, separar, dissipar as brumas. Só assim é possível chegar ao local. Através das descrições contidas nos livros, Avalon é um espaço misterioso e intenso. Bonito. Por vezes inebriante. A minha sensação ao ler sobre a ilha é de que ela é um lugar fora do tempo. Digo, em uma só palavra: Transcendente.

Acordei com os olhos inchados de cansaço na manhã de sexta feira. Ainda sonolenta e andando meio bamba pelo chão de ladrilhos do hotel, me dirigi à varanda onde o café foi servido. Ao levantar minha cabeça e olhar para a paisagem que estava bem na minha frente, meu primeiro impacto foi com a claridade do dia. Quero dizer, eu nunca tinha visto um dia tão claro assim. Claro com um amarelo ouro e um branco brilhante que me fez contrair as retinas e apelar ao óculos escuro. Aos poucos, adequando o meu olhar para a luz, pude perceber o tesouro que estava escondido atrás do clarão: A cidade de Cachoeira se mostrava para mim de maneira única e voraz. As brumas tomavam conta de todos os locais: Montanhas, rio, parque, ponte de ferro, casebres com telhados vermelhos, feirinha de artesanato. No céu, além do Astro Rei, se encontravam inúmeras gaivotas, voando baixo, à procura de algum peixe no rio para servir de alimento. Transbordando em outras referências, ao olhar (com espanto e devoção) Cachoeira pela primeira vez consegui sentir um pouco do que seria a concretude e a força da sensação Avalon e da magia de imergir em um espaço fora do tempo.

Curiosidades das cidades:

. Cachoeira e São Félix são duas cidades pequeninicas, acredito que com menos de quarenta mil habitantes. Enquanto São Félix é mais conservadora, tradicional e pacata, Cachoeira tem uma vida cultural ativa e é habitada por estudantes em sua maioria;

. Existem cerca de sessenta terreiros de religiões de matriz africana em Cachoeira e São Félix. Contudo, a doutrina evangélica é muito difundida e intensa no dia a dia do local;

. O São João em Cachoeira já é tradição em toda a região. Há o espaço para o forró, mas também outros ritmos. Na noite de sexta-feira, quem se apresentou foi o cantor Saulo Fernandes. Ah, todos os dias, quem abre a programação são grupos e bandas de samba aqui mesmo do recôncavo;

. O custo de vida em ambas as cidades é muito barato. Agora nesse feriado, por exemplo, comida e bebida não saem caro. Uma feijoada num boteco em frente ao rio sai por quinze reais. Já a cerveja latão fica a quatro reais. Os artesanatos também saem em conta: a depender do produto e do material, eles variam entre um real e cinquenta reais;

. O cantor de reggae Edson Gomes é natural de São Félix. Todo dia vinte e quatro de junho ele se apresenta, junto com sua família, em um trio elétrico no meio da praça principal. A programação é gratuita e reúne gente de todas as idades;

. Algumas tradições são bem marcadas por aqui. Todo São João há o cortejo do caboclo ( em Cachoeira) e da cabocla (em São Félix). As comemorações da independencia da Bahia também são carro chefe. No sábado, vinte e cinco, quem marcou presença na cidade foi o governador Rui Costa. Para quem não sabe, todo dia vinte e cinco, a capital da Bahia deixa de ser Salvador para se tornar Cachoeira;

. Avalon, Cachoeira, São Félix, recôncavo, misticismo, lugares fora do tempo, Bahia: Estação primeira do Brasil. Viva a mata tá tá , viva a mulata tá tá tá tá. Sorrisos, descoberta, pertencimento, entrega, paixão. Ser povo. Origem, simplicidade, tomar banho de rio. Samba de roda, cultura pulsante, amor. Quem nunca veio tem que vir. E que os oriás protejam esse lugar.



Bahia, Cultura, Destaques

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