Especial Devaneios Sonoros: Entrevista Anelis Assumpção

Por Mariana Kaoos

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“Abaixem suas armas, deixem raiar o sol!”

Queridos, para quem não foi ontem, 03, conferir de perto a primeira noite do Devaneios Sonoros, eu só digo uma coisa: erraram. Erraram feio. Erraram rude. Em torno de 300 pessoas compareceram ao Bar Ice Drink e se esbaldaram ao som da DJ Paulinha Chernobyl, da banda Dost e da banca Scambo. O burburinho que anda rolando por aí é de que foi um dos melhores eventos dos últimos tempos, portanto, para os ausentes (que estão sempre errados), choram as rosas.

Mas calma, não fiquem triste porque hoje ainda tem mais. A partir das 20:30h quem comanda a pick up de som é o DJ Rafha. Na sequencia, a dupla mais linda de Vitória da Conquista, Lys Alexandrina e Chico Ramalho, com seu projeto intitulado Um Lugar Para Dois. Por fim, fechando a noite com um gosto cremoso, quem sobe ao palco é ninguém mais, ninguém menos que Anelis Assumpção. Diva, deia, deusa, Anelis promete fazer um som numa pegada deliciante e saborosa. Dia desses bati um papinho com ela sobre resistência artística, preservação da cultura popular e outras coisinhas mais. Vem cá comigo conferir:

Mariana Kaoos: Cultura é politica e política é cultura? Como você avalia a inserção dos artistas no debate e na luta a favor da democracia, bem como nas ocupações, Brasil a fora, de espaços culturais a favor da permanência do Ministério da Cultura?

Anelis: Eu acredito que seja importante a ação dos artistas em relação às ocupações, à permanência do Minc e outras demandas políticas, ate mesmo porque antes de sermos artistas, somos cidadãos. Contudo, não vejo obrigatoriedade dentro da arte nesse aspecto. O jeito de se fazer politica é cultural. Faz parte de um país, mas a arte não é cultura exclusivamente. A cultura abrange muitas outras frentes. A arte é uma delas. A arte está dentro da cultura, assim como uma forma de se fazer política.

De repente ficou uma pressão muito grande sobre pessoas que não se manifestaram de forma tão direta. Não ir a uma manifestação, não levantar nenhuma bandeira não faz desse artista menor. Por outro lado existem vários outros artistas que não tem nem discurso e nem postura artística, de trabalho que seja condizente com isso tudo que estamos conversando e também não se posicionam, ou se posicionam do outro lado. Acho que não é porque é artista que tem que ser de esquerda. Eu acho uma pena quando vejo artistas que tem discursos ignorantes sobre tudo isso. Mas não acho que as pessoas tenham que pensar ou agir da mesma forma. A arte não existe para salvar ninguém.

Mariana Kaoos: Paralelo a essa atual inserção dos produtores e consumidores de cultura no cenário político, alguns artistas se propõem a produzir certas obras voltadas mais para a questão social. Exemplo disso é o zine Sexo Ágil, de Karina Buhr, comprometido em explicitar a opressão que as mulheres sofrem dentro de uma sociedade patriarcal e misógina. Você acredita que uma das funções da arte é se comprometer com determinados temas? E, no caso, a arte pela arte teria um valor menor diante disso?

Anelis: Bom, como disse antes, acredito que a arte não tenha obrigatoriedade de nada. Acho muito interessante quando um artista, como você citou a Karina, usar uma das formas  de expressão, no caso dela o desenho, pra fazer um zine, um blog, chamado Sexo Ágil e usar esse canal de comunicação para colocar ali seus pensamentos acerca do feminismo, opressão da mulher na sociedade e tudo o mais. Isso é uma coisa muito pessoal. A Karina tem necessidade, além de ter a possibilidade, porque desenha e escreve muito bem. Mas não só o zine. O ultimo disco dela é bastante feminista. Mas não é pelo modismo, não é porque agora é o momento. É porque eh uma expressão dela artística.

Não acredito de forma alguma que exista essa obrigatoriedade dentro da arte. É fantástico quando isso acontece. E a arte é um caminho, mas se ela começar a ser usada somente para doutrina, educação, fica complicado porque você acaba polindo uma coisa que é líquida em sua essência. Ela é algo que a gente não pode pregar, moldurar, dizer que tem que ser de um jeito ou de outro. Se expressar através da arte é uma forma de se expressar. A arte está sendo só um caminho de comunicação, condução de ideias. Mas obrigatoriedade nesse aspecto eu acho que não tem nada a ver.

 

Mariana Kaoos: Uma das suas músicas, intituladas Neverland, faz referência direta a diversas narrativas de ficção. Narrativas essas, em sua grande maioria, voltadas para o realismo fantástico onde elementos como magia, crença e possibilidades são muito explorados. Em que momento a leitura entra na sua vida, qual a importância dela e de que maneira ela ecoa no seu trabalho artístico?

Anelis: . Quando eu compus Neverland , a minha filha tinha uns 4 ou 5 anos na época. Hoje em dia ela já tem 14 anos. Muitos dos filmes, muitas das narrativas citadas além da canção, passagens de referencias a um mundo de fantasia tem a ver com esse universo que eu tive muito contato dentro da infância dela. É um “recontato” na verdade. Porque o contato com a fantasia que eu tive quando era criança é bem diferente de acessar isso em um lugar de “adulta” e eu acho que foi importante me reconectar a isso, esse mundo fantástico com as possibilidades. Isso está na forma como a gente pode conduzir a nossa fé, se expressar religiosamente sem ter uma religião, essa possibilidade de um lugar fantástico, de uma vida mais plena, tranquila e harmoniosa com qualquer tipo de ser. Acho que tem a ver com isso. Acredito que sempre esteve na minha vida.

Mariana Kaoos: Já vi duas participações suas no Lalá, em Salvador, nos festejos de Iemanjá. Bom, o dois de fevereiro é uma festa de largo e de cunho popular. Nesses últimos anos, estamos vendo um certo desmantelo dos propósitos festivos e a entrada do capital exacerbado (cada vez mais festas particulares, venda do espaço para grandes empresas de cerveja e etc), como foi muito bem denunciado por Kiko Dinucci, do Metá Metá. Qual a importância de salvarmos/preservarmos essas comemorações da cultura popular e não deixar que elas se percam dentro da indústria cultural para conceitos mais pops (pops no sentido de vendáveis)?

Anelis: A importância da preservação da cultura popular é fundamental. É i triste a gente ter que, ano após ano, reensinar as pessoas e ver uma substituição de linguagens que vão massacrando essas expressões culturais. Exemplo é esse dois de fevereiro. O Lalá infelizmente é um espaço que fechou porque Ricardo, o dono, não conseguiu dar conta de manter um lugar que fique do lado da preservação da cultura, do alternativo, das possibilidades que não são óbvias artisticamente sem apoio algum. Eu acho que é importante que a gente preserve tudo isso porque é uma casa que abre e não consegue se manter, já que  é massacrada por quatro outros vizinhos que vem com seus sons potentes, com sua cerveja patrocinadora e com sua programação que é massiva e, por vezes, alienante, dentro da indústria cultural.

A gente não pode desistir. Tem que alertar o Brasil inteiro em relação a isso. Não só no dois de fevereiro, mas o próprio carnaval de salvador, o São João em outros lugares da Bahia e do nordeste. Esse poder das cervejarias com a politica local é assustador. Precisamos quebrar essa corrente. Eu não tenho ideia de como se fazer. Às vezes boicotando né. Parando de comprar e beber. Porque fica meio difícil, muito restrito principalmente pra quem se expressa dentro de manifestações que tem mais cunho de cultura, de preservação. É muito importante cuidar e preservar é necessário. Uma coisa básica. A gente não pode deixar as casas e festas tradicionais para a nossa educação serem massacradas por latas de cerveja.

 

Mariana Kaoos: Não só no dois de fevereiro, mas vira e mexe você se encontra na Bahia, produzindo, compondo com outros tantos artistas locais. Qual e como se dá essa sua relação com a Bahia? Aonde você se encontra e aonde você se perde dentro das inúmeras identidades e representações dela?

Anelis: Eu penso que a Bahia é um lugar onde tem uma força de ancestralidade muito forte para mim. Eu me sinto muito bem sempre. Todas às vezes. Seja qual for o motivo ou razão ou a cidade em que eu vá. Eu sempre me sinto muito bem. Ela é importante para mim porque tem a minha história, uma negritude que em são Paulo a gente não sabe de onde vieram os nossos pretos. Então eu acho que existe um momento em que isso se dá na Bahia, pra qualquer um, sabe?! A relação com esse lugar é muito magica. A comida, as pessoas, a musicalidade, os pretos, enfim. Um clássico obvio assim, impossível não ser tocado por isso. Eu estou sempre por aí, sempre que  posso. Tenho muitos amigos, pessoas, artistas importantes, pensadores e pensadoras, mulheres fantásticas, enfim, figuras bastante importantes da minha geração que eu me alinho intelectualmente e estão aí em Salvador. Uma hora eu quero fazer meu porto seguro por aí, quem sabe, penso muito sobre isso. Acho que tem alguma história para mim nessas terras…

 

 



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