Especial Devaneios Sonoros: Um lugar para dois

Por Mariana Kaoos

“E eu me entreguei, inocentemente, como um selvagem com um brilho esperto dos olhos de um cão…”

Nessa última sexta feira, 27, fui à casa de Lys. A proposta, inicialmente, era fazer um caldo verde e tomar um vinho barato. Conversar das belezas da vida e sentir a poesia pulsando nos nossos segundos existenciais. Bom, chegando lá, para o meu sorriso e surpresa, o caldo foi substituído por azeitonas e torradas com manteiga e orégano e a cerveja foi o carro chefe das bebidas presentes.

Era meio de tarde e o amarelo do sol intensificava o azul celestial. Cheguei, junto com Larissa Caldeira e Amanda Nascto, numa casa de grade branca, na subida da Urbis I. A cachorra, que mais tarde eu viria saber que se chamava Pitanga, começou a latir e Lys abriu a porta e veio sorrindo nos receber.

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Ela me olhou assim, com aquele olhar escorregadio que só ela tem, e, na sequência, entramos em sua casa. Assim, logo de cara, me deparei com um bando de gente sentado em semi circulo no chão da sala. Só depois fui distinguindo rosto por rosto. Amigos, artistas, músicos, pensadores. Lá estavam Igor Barros, Chico Ramalho, Fillipe Sampaio, Isadora Oliveira, Elaine Pretinha e tantos outros que, naquela sexta-feira de amor, transbordaram vida. Vida e cultura. Grande parte dos nossos papos centralizaram-se da criação artística e no fazer cultural.

Não sei explicar ao certo em palavras, mas entre todos nós houve uma sintonia azul e voraz. Sintonia essa que ainda me proporciona sorrisos e sensações de descobertas toda vez que penso na minha última sexta-feira. Teve um momento, por exemplo, em que eu estava deitada no chão junto com Lys e Chico. Eu num canto, Chico no meio e Lys no outro. Não lembro exatamente do que conversávamos, mas sei que, em determinado momento, de descuido e entrega, Lys e Chico trocaram um olhar de cumplicidade como vi poucas vezes nessa vida.

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Para quem não sabe, eles estão seguindo com seu mais novo projeto, intitulado Um Lugar Para Dois. Se apresentaram no Teatro Municipal Carlos Jehovah no dia 21 de maio e o próximo show será nesse sábado, 4, no Devaneios Sonoros, festival produzido pelo Coletivo Suiça Bahiana. Pelo pouco que sei, o projeto tem como repertório uma mistura de músicas autorais e canções que Lys e Chico gostam e que fogem um pouco do circuito comercial. Tenho para mim que vai uma apresentação daquelas que nos arrepiam os pelos do corpo e nos impulsionam a acreditar e lutar pela sobrevivência da cultura local. Digo isso porque pude sentir um pouco da força que é Lys e Chico juntos, assim como pude me inundar pelos seus olhares, vozes, trejeitos e paixões.

Essa semana batemos um papo rapidíssimo enquanto eles ensaiavam. Ao ouvir os instrumentos lá atrás, fiquei sorrindo a toa. A conversa vocês podem ler por aqui. Já o encanto pode ser conferido no Devaneios Sonoros. Se liguem só:

Mariana Kaoos: Como vocês avaliam a produção e disseminação de cultura em Vitória da Conquista nesses últimos anos? Há investimento? O que falta? E o que transborda?

Lys Alexandrina: Eu acho que nos últimos anos a produção cultural tem crescido significativamente em Vitória da Conquista. Contudo, há muita falta de investimento, vide os problemas que a gente tem tido de fechamento de locais que são de disseminação de cultura na cidade e projetos que não vão ocorrer, por exemplo, o Festival da Juventude, que é mantido pela Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista. Por conta dessa nossa atual conjuntura política, dentre outros fatores, a gente tem que tá correndo atrás por nós mesmos.

Outro agravante aqui na cidade é que em grande parte dos eventos há uma supervalorização de bandas e artistas que já tocam há trocentos anos. E aí os artistas mais novos geralmente ficam de escanteio.  Ou tem que pegar e produzir sozinho, meter as caras e se arriscar, ou então não faz.

Também vejo uma discrepância no que se refere ao investimento financeiro com artistas locais e artistas de fora. Há uma tabela de desvalorização, né, porque pagam um cachê de quinze mil reais para alguém de fora e 400 reais para uma banda local.

Por outro lado, o que transborda é o encontro. Muita gente boa fazendo coisas o tempo inteiro. Nada para. Isso é uma forma de resistência também. A gente celebrar, fazer arte, produzir qualquer coisa numa conjuntura como a nossa é se colocar em linha de frente, é uma forma de fazer politica. A gente segue sem investimento, metendo a cara porque queremos promover nosso encontro e disseminar a arte.

 

Mariana Kaoos: Sobre o Devaneios Sonoros. Qual a importância da produção de eventos independentes como esse e como conseguir mesclar os mais diversos ritmos e agradar todo o público consumidor?

Chico Ramalho: O legal do Devaneios Sonoros é a visibilidade e oportunidade que ele oferece aos artistas locais. A também possibilidade de interagirmos com músicos e bandas mais conhecidas no cenário nacional.  Isso é algo que o Coletivo Suiça Bahiana sempre fez. Eles sempre deram voz à galera daqui, possibilitando uma troca com artistas de outros lugares. Agora eu acho que é uma dificuldade do publico comparecer às produções independentes quando são de cunho autoral. Geralmente estamos mais acostumados com releituras de bandas e cantores já conhecidos. De qualquer maneira isso tem crescido e precisamos fazer com que cresça cada vez mais. O desafio de nos estabelecermos transita por aí. Tanto para os produtores como para os músicos. Todos nós temos que estar abertos ao novo, seja em composições, seja em ritmos.

Mariana Kaoos: O que é o Um Lugar Para Dois? Como surgiu a ideia? E quais os planos de vocês de agora em diante?

Lys Alexandrina: Um Lugar Para Dois é o encontro de duas vozes, duas personalidades e dois signos completamente distintos que se complementam. O projeto nasceu porque eu tinha muita vontade de unir uma voz masculina e feminina. Eu sempre achei muito bonita, esteticamente, essa junção. E nunca tinha dado certo. Acho que é aquela historia de que quando é pra ser, é. E , conversando sobre isso com Chico, ele topou na hora e super mergulhou no processo. Super. Virou um projeto nosso. É uma coisa nossa. A gente tem vontade de seguir com ele incorporando diversos segmentos rítmicos e de criação, como, por exemplo, a questão autoral. Estamos ansiosos para nos apresentarmos no Devaneios Sonoros, acho que é quando poderemos sentir melhor a reação e a troca com o público. Vamos ver no que vai dar, mas espero que Um Lugar Para Dois tenha uma vida próspera e longa.



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