Tome Nota: Devaneios Sonoros

Por Mariana Kaoos

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Olá, queridos. Estou eu mais um dia por aqui, na nossa grandiosa e irônica República das Bananas, vivona e vivendo. Assim como Wally Salomão, permaneço com olhos de lince, atenta ao que me ronda, que me cerca. Existem momentos nessa nossa existência terrestre em que tudo perde um pouco do sentido, não é mesmo? O coração aperta pelas incertezas do amor (ou melhor falando, desamor?!), a mente não para de pensar, se preocupar com a conjuntura política, com a falta de água em Vitória da Conquista, com as diretrizes sociais que ruminamos a cada instante, com as dificuldades de sobrevivência, com as censuras (sutis e violentas) a que a comunicação está passando, enfim. Pegando emprestado um verso de Castro Alves, é aquele “turbilhão de espectro arrastadas em ânsia e mágoas vãs”.

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Vocês também se sentem dessa forma? Como quem partiu ou morreu? Bom, acho que não existe uma formula universal que acalme e tranquilize as pessoas de todas as maneiras. Sendo assim, posso compartilhar com vocês o que eu faço nessas horas mornas, sem sal: Me embriago de cultura. Isso mesmo. Parto sempre do pressuposto de que a cultura tem o dom de curar todos os males existentes. Ela sempre nos acrescenta algo, independente de sua vertente (musical, literária, cinematográfica, etc). Acalma o coração, faz a gente pensar melhor e, de quebra, nos arranca sorrisos e divagações no mínimo interessantes acerca do mundo.

É, tá certo que, vez enquando, é a dita cuja da cultura quem nos deixa cheia de caraminholas na cabeça. Quem de vocês não ficou aflito com a interdição do Aquarius Gourmet? Ou com a incerteza do Festival da Juventude que o nosso coordenador, Rudival Maturano, afirma que sai, mas até agora nenhum encaminhamento para a construção/produção foi feito? Já sei, não precisam me dizer isso, eu também fico de cara emburrada ao pensar que o projeto de implantação do Sistema Municipal de Cultura ainda não foi aprovado pela Câmara de Vereadores. Entra semana, sai semana, e eu continuo batendo nessas mesmas teclas aqui. Hora ou outra fico até me sentindo aquela tia, velha e chata, que só fala dos mesmos assuntos. Por outro lado, não é justamente esse o meu papel enquanto jornalista cultural? Se eu não falar, quem vai?

Bom, acredito que até mesmo aquela tia velha e chata tem um lado bacana e descolado. Sendo assim, por que eu fugiria à regra? Meto o pau em algumas questões, mas também sei reconhecer e exaltar outras. Uma delas é o Devaneios Sonoros, festival independente que ocorrerá nos dias 03 e 04 (sexta e sábado) de junho, no Bar Icedrinks. Produzido pelo Coletivo Suiça Bahiana, o Devaneios contará com a apresentação de dois djs ( Paulinha Chernobyl e Rafha), da banda Dost, do projeto liderado por Lys Alexandrina e Chico Ramalho, intitulado Um Lugar Para Dois, da banda Scambo e da cantora Anelis Assumpção. O evento já está movimentando a cidade e o burburinho não para.

Também pudera. Em tempos de crise como a que estamos passando (e aqui não me refiro a uma crise econômica, e sim cultural e de valores), produzir um festival independente voltado para um público considerado “alternativo” é um grito de resistência. Sendo assim, resolvi hoje fazer um Tome Nota diferente. Além de ele ser todo voltado para o Devaneios Sonoros, abrirei espaço, aqui, para reflexões e falas dos produtores, artistas e consumidores do festival. Se liguem só como ficou cremoso:

Gilmar Dantas – Integrante do Coletivo Suiça Bahiana e produtor do Devaneios Sonoros:

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Acho que eventos como Devaneios, Retiros Autorais, Noites Fora do Eixo, os eventos da Pedrada Produções, Revista Gambiarra e Trance 4Friends fundamentais pra manter as cenas que eles fazem parte. Não incluí as festas da Xcania e Orgasmaravalha porque elas já estão indo pra outro patamar, de eventos com mais de 500 pessoas. Nesse momento, nós, do Coletivo Suiça Bahiana, focando em projetos menores, abrimos mão do papel de protagonista para fazer parte da base da cena, o que também tem o seu valor.

Como particularidade, o Devaneios será um projeto que sempre buscará trazer artistas que nunca se apresentaram na cidade mesclando com outros que já estouram bilheteria – juntamente com representantes da cena local.

Rafael Flores – Jornalista da Revista Gambiarra, produtor cultural e DJ:

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A gente teve um período muito bacana entre 2011 e 2013 na cidade, que nos mostrava uma bela perspectiva pra essa consolidação de eventos independentes. Hoje, com a ocupação do Teatro Carlos Jeovah por uma galera e de espaços como o Ice Drinks, Canto do Sabiá e Janela Cajaíba por outros, começo a ver que essa “pausa” foi necessária pra florescer essas outras vontades. O Coletivo Suiça Bahiana, que realiza o Devaneios Sonoros, teve um papel de protagonista nesse primeiro ciclo e o interessante é que nesse momento de agora ele está lado a lado com outras produções e isso me deixa feliz pra caramba. Eu consigo enxergar hoje, por exemplo, que a cena independente produz muito mais e movimenta mais público do que o que a gente chama de “mainstream”. Se você pegar no mês de maio o público que frequentou estes ambientes, garanto que o número vai te chocar. Resumindo, a importância é essa, de se consolidar enquanto ambiente gerador de conteúdo cultural.

Para o Devaneios Sonoros estou preparando um set com novidades da música brasileira, tentando me ater a músicas lançadas entre 2014 e 2016. Minha marca como DJ é basicamente essa, de abrir os poros para novos sons, principalmente brasileiros. No entanto, vou fazer um pouco do que tenho feito nos meus últimos trabalhos em festas, que é mesclar com a música latina e africana, com ritmos e músicas que são muito a nossa cara e às vezes deixamos passar. Como toco no dia de Anelis Assumpção, que está presente na minha vida sonora desde o seu primeiro disco e é filha de um ídolo meu (Itamar Assumpção) também vou passear por coisas que dialogam com esse contexto.

Lucas Sampaio – Advogado e vocalista da banda Dost:

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O Devaneios Sonoros vem para consagrar essa nova leva de eventos mais culturais na cidade. Digo, desde o ano passado eu tenho percebido que muitas produções tem surgido no sentido de agregar e não mais segregar público através do estilo musical. O Festival Gambiarra e o Veraneio são exemplos disso.

Se formos pensar três anos atrás, as festas que surgiam eram restritas, sempre segmentadas no rock ou rap ou reggae e por aí vai. E aí os produtores começaram a perceber que na verdade nós precisamos de espaços que agreguem mais, porque nós somos de uma cena conhecida como “alternativa” e aí, bom, sabemos os percalços de sobreviver nela.

Um dos primeiros agravantes é que já perdemos em relação ao número de pessoas para o mainstream. A maioria das pessoas optam por frequentar eventos culturais que tenham aquela pegada “top” de festa na Arena Miraflores, Vila Music, sempre tocando sertanejo e por aí vai. Os próprios empresários preferem investir nesse universo.

Por conta disso, se nós, consumidores de uma cultura alternativa, segregarmos o que já é segregado, aí dificulta para todo mundo. Eu acredito que o Devaneios tem que ser levado em consideração justamente por ser um evento com uma cara nova e poderosa, de agregar público a partir da qualidade e não de vertentes específicas musicais. Parabenizo muito, principalmente Gilmar, por ter tido a coragem de fazer o festival do Ice Drinks e pelo cuidado em mesclar atrações mais conhecidas (Scambo e Anelis) com artistas locais.

Ana Paula Marques – Jornalista da Revista Gambiarra, produtora cultural e DJ:

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Apesar da gente estar vivenciando uma fase fértil para as festas de discotecagem, é importante que a cidade volte a ter eventos com essa proposta, que permita a circulação de artistas como Anelis Assumpção pelo interior da Bahia. Conquista teve esse período fértil há poucos anos atrás, a cidade é ainda considerada um dos principais pontos de circulação da Bahia, e já teve festivais e eventos importantes como o Avoador, o Suíça Bahiana e as Noites Fora do Eixo, mas isso deu uma “morgada” por uma série de fatores, deixando esse papel de formação de público para a administração municipal, que não soube aproveitar muito. Agora, a gente vê que a produção cultural na cidade tá ganhando caras novas e, da mesma forma, o público mudou bastante também. Resgatar esse princípio da formação de público é essencial pra retomar esse intercâmbio, tanto com o público, quanto com os artistas locais.

Pra sexta-feira, eu tô preparando um set com mashups bem legais, que tem um pouco a ver com o dia mais rock, com as apresentações de Scambo e Dost. Mas não vou deixar de passear um pouco pelo que tem me guiado ultimamente, que é o Bahia Bass e ritmos como Twerk, Funk e o Trap.

Maria Eduarda Carvalho – Jornalista, produtora cultural e irá como público ao Devaneios Sonoros:

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Nos últimos anos, infelizmente, o que a gente tem vivenciado é uma queda no número de produções que estimulem a cena local. Falta show e, consequentemente, o número de artistas e bandas locais/autorais também cai. Nesse ponto é importante um evento como esse que traga de novo para Vitória da Conquista os artistas independentes e que também dê espaço aos novos.

Luiza Audaz- Cantora, produtora cultural e irá como público ao Devaneios Sonoros:

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As produções do Suíça Bahiana sempre trazem um evento diferenciado em relação as demais produções locais com atrações já consolidadas nos palcos do eixo rio – Sp como da capital soteropolitana e que tem público de crescente expressão no interior baiano como Anelis Assumpção. Por ter experiência com eventos de pequeno e grande porte e pelo fato de continuarem encabeçando novas produções, o Suíça Bahiana acaba por ser uma referência e um agente articulador que pode catalizar se assim quiser, os diversos grupos que tem encabeçado novas produções fazendo parcerias como foi visto no Sarau organizado pelo Hotel Mambembe no teatro Carlos Jehovah. É importante também aglutinar as bandas locais de diferentes gêneros e vertentes como a proposta para o evento da sexta feira, integrando as bandas Dost e o projeto Um Lugar pra Dois que dividirão o palco com Scambo e Anelis. Este movimento de fortalecimento, de um coletivo que produz eventos há mais tempo com as bandas e produtores que estão começando a integrar a seara da produção é algo que deve ser mantido e nutrido para que se consolide uma cena alternativa cultural que seja plural e coletiva.

Devaneios Sonoros para mim enquanto público é uma iniciativa, das poucas que temos, que proporciona o contato com sonoridades que estão no fluxo da nova música popular brasileira e que tem muito a acrescentar para o público e para os músicos locais que são platéia volumosa nestes eventos. Anelis Assumpção sem dúvida é uma grata surpresa, creio que a enquete feita em sua fan page em que convoca o público do interior baiano e de outras cidades a responder se gostariam de ver a cantora em suas respectivas cidades, também tenha impulsionado a parceria para este evento



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