Pipoca Moderna: Um Lugar Para Dois

Por Mariana Kaoos

É engraçado como às vezes certas percepções, análises, compreensões de vida e sociedade só brotam a partir da sabedoria trazida pelo tempo, não é mesmo? Digo, quantas coisas, quantas perspectivas se davam de determinada maneira e, após uma série de experiências e aprendizados, passaram a assumir outro significado em nós?

Hoje em dia eu, por exemplo, acredito que a cultura esteja intimamente ligada à comunicação. Não que uma necessite da outra para sobreviver. Não é isso. Contudo, um dos suportes que pode auxiliar na manutenção, investimento e permanência da cultura em determinado local é, sem sombra de dúvidas, o falar sobre ela.

Foto: Naiade Bianchi
Foto: Naiade Bianchi

Fazer com que ela reverbere mundo a fora, coloca-la na boca do povo, instigar os poderes públicos e privados, a população, os próprios artistas a questionar, desenvolver e produzir mecanismo que auxiliem num maior desenvolvimento cultural. Porque se para alguns o significado da cultura se limita a questões de entretenimento e diversão, para mim, seu conceito vai mais além, perpassando por expressões como “sistema simbólico”, “representações”, “disputas identitárias”.

Foto: Naiade Bianchi
Foto: Naiade Bianchi

Bom, no último sábado, 21, Lys Alexandrina e Chico Ramalho se apresentaram no Teatro Municipal Carlos Jehovah com um show intitulado Um Lugar Para Dois. O Carlos Jehovah, de 2015 para cá, vem se tornando um dos principais locais da cidade a comportar produções mais elaboradas, pensadas e difundidas pelos nossos artistas. Infelizmente não pude conferir de perto Um Lugar Para Dois, mas, na tentativa de reverenciar a proposta, convidei um outro fazedor de cultura para escrever um pouco sobre as suas impressões acerca do show, Gilmar Dantas.

Foto: Naiade Bianchi
Foto: Naiade Bianchi

Acredito que esse nome dispense apresentações já que ele foi/é um dos maiores contribuintes para a construção de uma cena independente e alternativa em Vitória da Conquista. Sendo assim, sem mais delongas, segue abaixo o texto de Gilmar.

Gilmar Dantas

Recebi o convite de Mariana Kaoos para escrever um pouco sobre o show “Um lugar pra Dois”, projeto de Chico Ramalho e Lys Alexandrina que aconteceu no último sábado – no Teatro Carlos Jehovah. Já que não fui no show com esta intenção, certamente vou deixar de citar aspectos importantes que não observei, mas vou tentar cobrir estes buracos com alguma contextualização do lugar deste show na atual cena independente conquistense.

Foto: Naiade Bianchi
Foto: Naiade Bianchi

Um lugar pra Dois dá continuidade a uma série de projetos autorais (ou parcialmente autorais) que tem acontecido com frequência no Teatro Carlos Jehovah desde o ano passado. Aqui a gente pode incluir os projetos de intérpretes como Ítalo Silva, que, mesmo não sendo autorais, tem uma identidade própria, seguem um roteiro com objetivos específicos e são coerentes. Achiles pode até ter formatado a ideia e transformado em projeto e executado junto com nós do Coletivo Suíça Bahiana, mas o fato é que a ideia do Jehovah como um retiro pras diversas formas de ser autoral já vem acontecendo. Fazendo a transitividade do verbo, lembramos que quem se retira está saindo de algum lugar – e de que lugar estamos falando?

Pra responder a pergunta anterior, trago uma fala do grande Carlos Eduardo Miranda, em sua passagem por Vitória da Conquista: “a referência que me deram de Vitória da Conquista é de uma cidade de barzinhos, e é muito perigoso pra uma cidade ter essa avaliação”. Sim, Conquista tem uma quantidade imensa de bares com música ao vivo e cada semana temos um bar novo sendo aberto. Daí é legal que os artistas saibam utilizar destes espaços como uma ferramenta-meio e não como finalidade. Se não tiver cuidado, o bar lhe engole e você não consegue mais sair de lá. Vejo este movimento de ocupação do Carlos Jehovah como, principalmente, uma fuga do bar. Da mesma forma que um fotógrafo de casamento busca seu refúgio em outros espaços. Algo assim.

Mas é importante notar que esse refúgio também tem ocorrido dentro dos próprios bares, ou, pelo menos, em alguns deles. Aqui a gente pode citar o Café Society, Canto do Sabiá, Ice Drink, Janela Cajaíba, Aquariuus e Tambores e Cordas. Descentralizando uma cena que tinha o Viela Sebo-Café como referência e que agora deságua no pequeno teatro, com uma nova geração de atores, a qual Lys e Chico fazem parte.

Os dois se conheceram no “Por Isso É Que Eu Canto”, festival de novos talentos organizado pela prefeitura que já foi palco de nomes como Achiles, Ítalo Silva, Fillipe Sampaio, Narjara Paiva, Geci Brito, Dinha Andrade, Vanessa Oliveira, Mailon Lima, Marlua, Alexandrina e outros nomes legais. Lembrando que não devemos confundir Lys Alexandrinha com Alexandrina Santana, esta última integra o projeto Hotel Mambembe, que também faz parte desta cena que inclui todos citados acima.

Ufa, depois de tanta introdução, acredito que tá na hora de acabar este texto! Ou vocês não perceberam que estou enrolando pra não criticar o show em si? Afinal, como produtor cultural, não me sinto à vontade pra criticar shows e artistas da forma que faria sendo apenas um jornalista. Mas creio que algumas poucas palavras são permitidas.

Um aspecto que me chamou muito a atenção foi o quanto a proposta se difere da ideia de retiros de Achiles. Em vez de ser a música despida de tudo, Um lugar pra Dois vestiu as armas de Jorge e todas as vestimentas possíveis. Parafraseando a Banda Mais Bonita da Cidade, cabia tudo no palco: os dois, três vidas inteiras, uma penteadeira, o amor de todo mundo e as incríveis artes de Tadeu Cajado e Ully Flôres. Tudo muito bem harmonizado, num repertório, em sua maioria, de canções que nunca foram sucesso nas rádios, mas que já foram gravadas por nomes incríveis como Rubel, Juçara Marçal, Achiles, etc.

O que faltou de experiência e tranquilidade em Chico, sobrou em Lys (fruto de sua experiência nos bares, talvez?). Com sua voz doce, deliciosa e firme, ela tomou as rédeas do espetáculo e agiu como uma regente, tentando controlar o incontrolável e poderoso parceiro. A presença de palco de Chico é arrebatadora e destruidora, fazendo, às vezes, o título do projeto se tornar um paradoxo frente à sua força. Sua personalidade lembra muito a de Gilberto Gil, pela capacidade de se transformar no palco – de Pacato a Gato Guerreiro em instantes.

Quem ficou na curiosidade de conhecer o espetáculo pode aproveitar uma nova oportunidade já na semana que vem, dia 04 de junho (sábado), dentro do projeto Devaneios Sonoros, que também recebe Anelis Assumpção (pela primeira vez em Conquista) e o DJ Rafha. O projeto começa no dia anterior com shows de Scambo, Dost e DJ Paulinha Chernobyl.



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