Por Cláudio Carvalho e Alexandre Xandó*
Neste momento de “pausa democrática” o significado do que é democracia e do que é estado democrático de direito tem sido vilipendiado em nome de uma sobrevivência apressada. Importa questionar se o impedimento da Presidenta Dilma Rousself representa um avanço ou um retrocesso na caminhada civilizatória do Estado brasileiro.
Trata-se de um cenário, em que se debatem posições e interesses, em que se observa a ocorrência de desvirtuamento dos fins do Estado de Direito e que, portanto, necessita de exame mais acurado. Isso porque, a unificação da consciência do grupo no campo do Estado somente é viabilizado pela submissão ao Direito, que sustenta o poder transcendente e livre de qualquer amarra com as vontades subjetivas de um indivíduo, que seria o chefe em virtude de sua força pessoal.
O Estado, portanto, surge, e somente existe, na ideia de que a organização política do grupo deixa de ser considerada por seus membros como uma coordenação efêmera de forças instáveis e de interesses divergentes, para ser compreendida como uma ordem duradoura a serviço dos valores que ligam governantes e governados.
O que acontece no Brasil neste momento, que possui um efeito pragmático importante, descortina uma retórica oportunista, sobretudo, porque o compromisso de um golpe institucional-midiático é reiteradamente afrontar o devido processo legal e a ampla defesa, o que, a toda evidência, representa para a sociedade um capitis diminutio, a revelar descaso da soberania popular.
O Estado é o aquilo que merecemos que ele seja, porquanto o poder conferido à minoria governante se apoia sobre os representantes de uma sociedade nacional, para materializar na organização estatal a ideia que ela faz de Estado. Trocas, portanto, entre pessoas e pessoas, e instituições e pessoas, constituem a atividade política, ou a consagração de pessoas para o bem do Estado. Idéia que tem sido tão reduzida, simplificada e degradada pela artimanhas do cálculo político.
Mais do que se pensa, é o que se merece. Os grandes políticos, além de entregar às sociedades seus desejos mais secretos, entregam sonhos, às vezes sublimes, às vezes, vergonhosos.
Na verdade, no modelo democrático contemporâneo, especialmente o brasileiro, não é possível afirmar que o representante é a “expressão do Povo”, uma vez que é nas falsas promessas por melhores dias que grande parte da sociedade coloca as suas esperanças, que, no mais das vezes, sucumbem diante dos propósitos escusos que subjazem aos sorrisos largos.
É dizer que, muitas vezes, os desvios de finalidade praticados por aqueles que alçam os postos de autoridade decorrem do domínio de determinada classe, que, embora seja a representação quantitativa decorrente do processo eleitoral, não representam o desejo qualitativo da sociedade brasileira.
Essa correlação está sempre a depender do grau de informação, interesse e maturidade políticos que habitam determinada sociedade, o que, por óbvio, relaciona-se diretamente com as condições de sobrevivência e vivência experimentados pelo povo brasileiro.
O processo de impedimento, portanto, para além de um processo político-jurídico, é uma oportunidade, um argumento, a sustentar reclamos de segmentos da sociedade que se sentem desprestigiados, sub-representados e, portanto, enxergam, como historicamente ocorre, uma oportunidade para exercer a “pressão” sobre os poderes instituídos.
As insurgências sociais que tem se desencadeado e seguirão a se desenvolver não são, portanto, contra o impedimento conforme estabelece a Constituição da República de 1988, mas contra o que ele representa em seus bastidores, que traz consigo a oportunidade de descerrar o cenário para que se enxergue a “ponte para o futuro” do Estado.
* Claudio Carvalho é Doutor em Planejamento Urbano e Professor de Direito da UESB; Alexandre Xandó é Mestrando em Memória da UESB. Ambos são militantes da Consulta Popular, advogados populares e integrantes do NAJA – Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa e do GPDS – Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade da UESB.