Dica de Cinema: ‘A Juventude’ (La Giovinezza)

Por Luiz Frederico Leite Rêgo – Colaborador do Blog do Rodrigo Ferraz

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Atento e continuamente em estado de êxtase, assisti na última segunda-feira em Salvador ao filme “Juventude” (Youth), do diretor italiano Paolo Sorrentino, que descobri depois ser o vencedor de um Oscar no ano passado por seu trabalho anterior, “A Grande Beleza”, que ainda não conheço. A cena inicial é a imagem de uma jovem cantora em cima de um palco giratório, num lugar onírico ambientado num requintado resort nos alpes, com funcionários suíços e hóspedes de todas as partes do mundo, mas onde curiosamente todos se comunicam em língua inglesa (o filme é produção da Itália, França, Suíça e Reino Unido). A partir de então o filme se desloca de forma intensa, sem nunca cansar ao expectador, transmitindo com um toque espirituoso sua mensagem sobre a brevidade da vida e o medo da morte que tanto fazemos por evitar, mesmo conscientes da inexorabilidade da passagem do tempo em nossas vidas e o quanto isso afeta a nossas certezas.

As imagens são de uma beleza deslumbrante e as paisagens, como os personagens – todos esses visitantes de um sofisticado SPA encravado nos alpes suíços – são marcantes, com os protagonistas e coadjuvantes num palco de jogo de olhares entre os velhos, os jovens e gente na casa dos 40 anos, o meio termo onde se encontra aqueles entre os mais novos e os da terceira idade e onde o próprio diretor parece se situar. Observam e são observados esses hóspedes que, no resort dedicado à luta contra o envelhecimento, parecem estar fazendo cada um alguma coisa, mas ao mesmo tempo é como se ninguém estivesse fazendo nada, emocionalmente paralisados e presos em seus próprios mundos.

Na primeira aparição do compositor e regente de ópera aposentado Fred Ballinger (Michael Caine), ele está a recusar uma oferta da Rainha da Inglaterra para se apresentar no aniversário do Príncipe Philip, esposo da soberana. “Acho a monarquia tão cativante, tão vulnerável…”, diz o personagem de Caine ao emissário real, para então, arrematar: “Você elimina uma pessoa e, de repente, todo o mundo muda. Como em um casamento”. Profunda essa reflexão, sobretudo na semana que a monarca em questão, Elizabeth II, completa 90 anos.

Na temporada que passa no SPA suíço, o meu xará Fred tem a companhia de seu amigo de longa data, também octogenário, Mick Boyle (Harvey Keitel), um diretor de cinema num crescente desespero com o trabalho num roteiro daquele que imagina ser seu filme-testamento, que pretende deixar de legado. Velhos amigos, e também vinculados pelo fato da belíssima filha e assistente de Ballinger, Lena (uma apaixonante Rachel Weisz) ser casada com o filho de Boyle, Julian (Ed Stoppard), Fred e Mick, ricos e bem-sucedidos no outono de suas carreiras, tem naturezas diferentes diante das emoções que os rodeiam: enquanto o regente aposentado é alguém que deixa suas emoções de lado, o cineasta é um homem apaixonado, totalmente entregue às emoções, “você diz que as emoções são superestimadas. Mas isso é besteira. As emoções são tudo o que temos”, diz ao amigo compositor, a quem também observa que, somente aos 80 anos, é que o músico apontado pela filha como um pai ausente e esposo egoísta e insensível, consegue fazer uma declaração de amor à sua esposa com uma delicadeza tocante.

Fred e Mick tem uma maneira rabugenta e ao mesmo tempo divertida de lamentarem de suas velhices: queixam da juventude perdida e, com ela, as oportunidades sexuais perdidas – o que lembram em mais de uma ocasião. Abate-se sobre eles uma comovente auto-piedade macho-geriátrica. É forte a consciência de ambos de que o tempo passa inexoravelmente, e discorrem como tema principal em seus passeios, da capacidade de urinarem e se o fazem em quantidade satisfatória. Revelam suas ansiedades e expectativas e, sobretudo, os seus segredos, sabedores que suas memórias se perderão com o tempo (algumas até já forram perdidas). Tocante, a amizade desses dois homens de 80 anos é o tipo de amizade que desejamos ter, se tivermos a felicidade de chegar a tanta longevidade na companhia de nossos melhores amigos.

O quarteto de personagens principais é ainda completado por um ator jovem e famoso, que se prepara para um papel num filme alemão, Jimmy Tree (Paul Dano), o principal dentre os demais hóspedes do hotel com os quais Fred e Mick interagem. Impressiona ver como o jovem ator busca se conectar, talvez sem sucesso, com o personagem de Michael Caine, parecendo sugerir que está aprendendo com um homem mais velho e buscando mostrar ao músico que ambos são “vítimas” da cultura moderna, porque portadores de uma “leveza” que não é compreendida pelo mundo contemporâneo, um recado que o diretor Sorrentino passa em tom de denúncia da tirania da juventude, da ditadura da felicidade, e do culto fascista da beleza, da celebridade e do sucesso midiático como fim em si mesmo.

Há, ainda, além do quarteto principal, outros personagens, como um mundialmente conhecido e polêmico futebolista canhoto, um famoso e depressivo alpinista e uma recente vencedora do concurso Miss Universo, que tem um prazer peculiar: ficar completamente nua exibindo cada detalhe ímtimo de seu corpo escultural na luxuosa banheira de hidromassagem enquanto os dois personagens principais estão compartilhando com ela da piscina. Um fato que poderia me provocar uma parada cardíaca, veja lá com os dois octogenários.

“A Juventude” é um filme esteticamente belo e envolvente, com câmeras indo e vindo em todos os sentidos, com tomadas fixadas nas expressões dos atores capturadas pelo diretor, demonstrando um dom de Sorrentino para rostos, e cortes suaves que mergulham nas paisagens paradisíacas e na suntuosidade das belezas naturais, enquanto os personagens surgem quase sempre embalados por uma boa música.

A sensação do espectador é essa tão rara hoje em dia, onde os blockbusters dominam as programações do cinema: desfrutar de um bom filme, verdadeira obra-de-arte, com a suavidade de temas profundamente filosóficos, combinados em música de qualidade, boa fotografia, figurinos apurados e cenografia impecável. Termina-se comovido ao ver os créditos finais, acompanhado de uma trilha sonora animada. Enfim, o filme de Sorrentino é grande cinema, deslumbrante, que nos provoca com sua beleza e que nos emociona e acompanha nossa memória por um bom tempo. Ao ter conhecido essa obra de Paolo Sorrentino, não só fico a esperar por um próximo filme, como me despertou o desejo de ver trabalhos anteriores do diretor italiano. Para quem ainda não viu, corra e veja “A Juventude”, faz valer cada minuto!



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