Produção cultural conquistense e a Sexta Grave no Canto do Sabiá

Por Mariana Kaoos

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

Vou fazer algumas perguntas e quero que você tente ser o mais sincero possível, pode ser?  Ok, então lá vai:

1 – Você considera produção cultural um tipo de trabalho digno e sério como outro qualquer?

2 – Quando você vai a alguma programação cultural, você consegue perceber se ela, a programação, contou com uma boa ou uma má produção?

3 – Você acredita ser necessário o reconhecimento do papel do produtor cultural?

4 – Você compreende produtores e artistas (músicos, djs, atores, etc) no geral como profissionais?

5 – Você acha justo que se pague por shows e produções no geral?

6 – Quando existe uma banda, um dj, um cantor, enfim, quando existe um artista que você gosta muito do trabalho, você está disposto a pagar quanto para assisti-lo?

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

7 – Quando você vai comprar o ingresso de uma apresentação de algum grande nome da cultura nacional, você tenta negociar o valor? Digo, vamos supor que a inteira seja 50 e a meia entrada 25 reais. Você pede para comprar por menos de 25 reais ou percebe que esse é mesmo o preço justo e paga por isso?

Bom, se você respondeu sim para a maioria das perguntas acima, então passemos à segunda etapa:

8 – Quando a produção é local, ou seja, quando os artistas e a equipe de produção é local, da cidade em que você mora, você ainda considera um trabalho profissional e o valoriza?

Foto: Amanda Nascto
Foto: Amanda Nascto

9 – E se, na produção local, o valor de determinado evento é x, você fica chiando e tenta negociar o preço da entrada?

10 – Quando a equipe de produção e os artistas de determinado evento são seus amigos, você valoriza o trabalho deles e paga para entrar ou fica pedindo cortesia?

11 – Você tem a sua profissão, independente de qual seja. Quando um amigo pede um auxílio profissional seu, você deixa de cobrar por conta da amizade?

12 – E se, ao invés de um, forem vários amigos? Como você administra isso?

Eu levantei esses questionamentos aqui porque ontem presenciei uma cena (diga-se de passagem extremamente comum) que muito me preocupou:  Aconteceu nessa sexta-feira, 08, uma festa no Canto do Sabiá. Intitulada Sexta Grave a produção ficou por conta dos djs Loro Voodoo e Rodrigo Freire. Eles não só assumiram a produção, como também tocaram na festa, junto com o convidado especial, vindo diretamente de Brumado, Zé. Em determinado momento eu estava pertinho da entrada, assim como Rodrigo. Dois casais de amigos nossos chegaram. Veja bem: dois casais, quatro pessoas. Eles chegaram e tentaram negociar o valor da entrada, alegando que eram amigos e bla bla bla. Bom, o ingresso da Sexta Grave estava no valor de dez reais, ou seja, um valor simbólico, considerando a qualidade dos artistas que se apresentaram. Se os dois casais tivessem pagado na íntegra, daria quarenta reais, o que não paga, sequer, um cachê de um músico, muito menos de um produtor.  Não acompanhei passo a passo a negociação, mas ouvi Rodrigo dizer: “Pelo menos vinte reais gente”. Ou seja, a entrada deles na festa sairia a cinco reais para cada. Mais barato que uma carteira de cigarro, mais barato que uma cerveja no Aquarius, mais barato que uma garrafa de catuaba, mais barato do que um táxi.

A partir dai eu me dispersei e não sei qual o fim da história. Como não os vi lá dentro, imagino que não entraram. Eles não entraram. Outras pessoas sim. É importante ressaltar que desde o Quintal do Groove, festa realizada em 2015, o Sabiá não lotava da maneira que lotou ontem. Para você ter uma ideia, a cerveja acabou, inclusive. Mas voltando ao assunto central, diversas outras pessoas entraram. Pessoas amigas. Digo, se eu conhecia pelo menos 90% do público presente, então os produtores deviam saber quem era todo mundo. E, em eles sabendo quem era todo mundo, eu me fiz mais alguns questionamentos:

– Quantos pagantes havia na festa?

– Quantas pessoas se disponibilizaram a pagar o valor integral da entrada (dez reais)?

– Quantas pessoas chiaram e tentaram negociar um preço mais barato?

– Quantos amigos usaram do argumento da amizade para entrar sem pagar?

– Quantos amigos, mesmo sendo amigos, reconheceram o valor e a importância da produção e pagaram a entrada?

Nesse momento eu olhei ao meu redor e realmente não soube responder a nenhuma dessas perguntas. Contudo, analisando a festa, tive algumas constatações: O Loro integra o grupo Complexo Ragga, já tocou em lugares como o Universo Paralelo e, como dj, é conhecido internacionalmente. Rodrigo já fez parte de grupos musicais como a Catrupia, atuou em alguns filmes e tem se destacado no cenário estadual como dj. Zé, o convidado especial, também é um dos maiores nomes da cena baiana. É inegável a qualidade e a seriedade dos três como profissionais. Podemos dizer que o Loro e Rodrigo são dois dos mais valiosos nomes que temos no nosso quadro cultural de Vitória da Conquista? Certamente que sim. E, assim sendo, por que então nós não pagamos o valor que eles propõem para a entrada de suas festas?

Digo mais: Estamos brigando tanto, discursando tanto acerca dos escândalos de corrupção política, mas a partir do momento em que queremos entrar em algo sem pagar e utilizando argumentos de chantagem como a questão da amizade, também não estamos sendo corruptos? Não estamos exercendo poder, exigindo privilégios por ocuparmos uma “posição” em que acreditamos que deva haver regalias? E como é que estimulamos a cultura local se não estamos dispostos a pagar por ela?

Ao contrário do que muitos acreditam, pensar numa festa é dedicar tempo e disposição prévia para isso. É fechar local, ver a questão da bebida, locomoção, nome, identidade visual, comunicação, atrações, cachê das atrações, deslocamento, equipamento de som, iluminação, cenário, segurança. Ao contrário do que muitos também acreditam, ser artista exige disciplina, criatividade, estudo e cara de pau. É uma tarefa, por vezes, dolorosa. E, você pode até não acreditar, mas, adivinha? A produção cultural é uma profissão! Então, querido, não se iluda achando que é tudo oba oba, porque é necessário certo tipo de esforço para criar e fazer com que dê certo a festa em que você vai para se divertir.

No mais, o intuito dessa matéria não é o de impor respostas, e sim, de levantar perguntas, dentre elas, a mais importante de todas: Qual é o nosso papel e a nossa contribuição para a produção, distribuição e consumo da cultura local? Bom, acredito que é sempre bom aquele momento de auto análise em que paramos de cobrar dos outros e passamos a tentar compreender a nossa responsabilidade nos processos sociais.

A Sexta Grave foi uma festa incrível. Os djs mandaram ver no som e o público não ficou parado um instantinho sequer. A cerveja, enquanto durou, estava gelada e por lá deu uma gente bonita que só. O set de Rodrigo foi muito bacana, assim como o de Loro. Quando Zé se apresentou, infelizmente, grande parte do público já tinha ido embora e aí abaixaram o volume do som por conta da vizinhança. No mais, foi tudo muito bom, tudo muito bem. Espero que os meninos prossigam com as produções e que nós, público, possamos valoriza-las ainda mais.



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