Festival de artes performativas toma as ruas de Conquista e desperta atenção da população

Por Mariana Kaoos

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Dia desses estava cá pensando com os meus botões sobre a função social que o jornalista exerce e o poder que ele tem em mãos. Digo, o ato de noticiar um fato não é apenas o ato de noticiar um fato. O ato de noticiar um fato é pautar conversas, direcionar posicionamentos, implantar (de maneira sutil ou escancarada) ideologias, conceitos, criar e destruir ideias, culturas e simbolismos. O ato de noticiar um fato é dar relevância a ele através de palavras e garantir a aderência e atenção de novas pessoas para o tema, bem como a possibilidade inclusive de investimentos financeiros.

Dentro do universo jornalístico, nós costumamos usar um termo intitulado gatekeeping. Esse conceito diz que gate keeper é aquele ou aquela que define o que será noticiado de acordo com o valor notícia, relevância social, linha editorial e por aí vai. Ou seja, gatekeeping é alguém de muito poder nas mãos.

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Falando propriamente dos sites jornalísticos de Vitória da Conquista, acredito que a maioria dos profissionais engendrados nos veículos cumpram também a função de gate kepper. E aí, de uma maneira geral, podemos elencar os temas mais relevantes e mais noticiados (política, assassinatos, problemas estruturais na cidade, esportes). A cultura também é pautada, mas com diversos poréns:

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. Matérias sobre cultura de massa aparecem mais, principalmente se for a nível nacional;

. Falando da cultura local, eventos de grande porte ganham muito mais destaque. Ex: Shows no Parque de Exposições e na Arena Miraflores, eventos no Shoping Conquista Sul, Natal da Cidade, Forró Pé de Serra do Periperi e Festival da Juventude, prêmios e inauguração de novos espaços, etc;

. Acredito que 80% das matérias sobre cultura local são notas informativas. Leem-se pouquíssimas coberturas e menos ainda matérias opinativas;

. Programações alternativas ganham o mínimo de destaque. Dentre elas, também há uma hierarquia de valor: Música, exposições fotográficas, dança, teatro, performances;

Ou seja, para quem acompanha e se baseia apenas no que os veículos web noticiam, a impressão que se tem é de que a produção de cultura local é ínfima, certo? Errado. Tem muita coisa acontecendo por aqui em diferentes vertentes artísticas. Muita coisa boa, de qualidade e que nós (também estou me colocando no bolo), jornalistas, não falamos sobre. Talvez por falta de tempo ou de interesse, ou até mesmo por não sabermos, enfim, os motivos são muitos. E o que eu estou querendo dizer é que, por essa nossa falha, esse nosso lapso, essa nossa incapacidade de estarmos presentes em tudo, o que não é noticiado, ainda que permaneça na memória dos que produziram e consumiram, é logo esquecido. É como não tivesse ecoado, reverberado, é como se não tivesse acontecido. E, uma coisa que logo é esquecida, consequentemente não tem um forte apelo social para angariar apoio financeiro e dessa maneira fica difícil produzir outras edições. Quem perde é a cultura e, mais ainda, todos nós que, ironicamente, nos auto denominamos carentes de arte.

Entre os dias 18 e 20 de março ocorreu um Festival aqui na cidade, mais conhecido como Conquista Ruas. Foi uma intervenção performática que contou com diversos espaços bacanas, além de artistas e público no geral. Pontos populares da cidade foram ocupados, como a feira do Seasa e o centro. Muito embora os organizadores tenham divulgado o evento, nenhum jornalista (incluindo eu) foi cobri-lo. Grande perda? Enorme! Contudo, numa tentativa de ressaltar a importância do Conquista Ruas e torna-lo conhecido a mais pessoas, pedi para que alguns dos envolvidos pudessem escrever um texto relatando as suas impressões. O resultado é esse que você confere agora:

Autores: Santiago Cao, Morgana Poiesis, Gabriela de Souza, Naiade Bianchi

O Conquista Ruas é um festival de artes performativas que produzimos no começo de outono[1] para reinventar a nossa cidade. Bem, a cidade não tem dono, mas na medida em que a habitamos, mesmo que de passagem, ela se torna nosso bem comum. Comum é o espaço e o tempo de todos aqueles que circulam nas ruas da cidade. Conquista Ruas abre um buraco nesse ponto onde o tempo e o espaço do cotidiano dilatam-se para novas experiências. Experiências de cidade, na cidade, com a cidade. (Com)frontando e (a)frontando os nossos pensamentos e as nossas diferenças. Um encontro que leva a arte para as ruas e muda o cotidiano da cidade, buscando ocupá-la de forma criativa.

O Festival contou com a participação de artistas locais, estaduais, nacionais e internacionais, seja através das suas performances artísticas pelas ruas e praças, ou das mostras de videoperformances e fotoperformances exibidas em espaços públicos. Públicos diversificados foram transpassados por performances e intervenções diversificadas em momentos inesperados confrontando rotina e arte nessa conexão transcendental. O Conquista Ruas proporcionou possibilidades de encontros entre pessoas de fora e de dentro da cidade, mas também possibilitou encontros com a cidade mesma nos percursos diários e nas atividades propostas. Uma oportunidade de viver a arte no ambiente urbano, que está tomado por uma grande poluição visual e sonora, pelos apelos publicitários, pela predominância automobilística e pela violência que nos atinge. A criação de espaços-tempos para compartilhamento de experiências sensíveis é uma outra forma de viver e questionar a cidade.

Escolhemos as ruas, não apenas pela deficiência dos espaços culturais que tem comprometido o trabalho de muitos artistas locais, mas por compreendê-las como um lugar de liberdade, de heterogênese, de alteridade, de encontros insuspeitáveis e, ainda, pelo nosso desejo de alcançar um outro tipo de público, não elitista, e até mesmo de questionar o conceito de arte como espetáculo. Espetáculos não têm seu lugar apenas no palco, as ruas são o grande palco do mundo. Pensando nisso, Conquista Ruas chega para se apropriar artisticamente do espaço com performances e intervenções nas ruas da cidade que nos afeta, mas que também podemos afetar. Ruas como espaços de encontros, mas não só de Corpos se encontrando, mas, também, de saberes e discursos se encontrando. Em que se misturam o dia a dia e a paisagem da cidade com o estranho e o inusitado, através da arte.

Qual o lugar da arte na cultura em que vivemos? Se, para Godard, a cultura é a regra e a arte é a exceção, buscamos, com a performance artística, uma aproximação dessas categorias, entre a arte, a vida e o cotidiano cada vez mais automatizado pela lógica capitalista que nos sufoca sem deixar espaço para novas possibilidades. O maior espaço de liberdade coletiva é nas ruas, ocupá-las com nossos corpos e ideias é o que propõe o Conquista Ruas. Ruas que se abrem e nos oferecem a oportunidade de ver para além do que vemos na televisão. A rua é um espaço para receber diversas possibilidades que a vontade de fazer e a arte podem oferecer. O artista é aquele que oferece o melhor de si para o outro que é um anônimo, ser que vaga na cidade e seus contornos dentro das diversas possibilidades que podem existir além da realidade presente. Presente, no duplo sentido da palavra. Aqui e agora, mas também como um presente da cidade para nós e de nós para a cidade. A interferência artística traz novos olhares sobre a cidade.

[1]     Vitória da Conquista-BA, 2016



Cultura, Destaques, Vitória da Conquista

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